Em menos de uma década o Brasil passou de país receptor de cooperação técnica internacional a doador. Ainda vem alguma ajuda externa, mas, segundo o ministro Marco Farani, da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), órgão do Ministério das Relações Exteriores, essa colaboração é cada vez menor. ;Está diminuindo porque o país está mostrando ao mundo que é capaz de enfrentar seus desafios;, avaliou.
Cabe justamente a ABC, comandada por Farani, identificar os países que precisam de ajuda. A agência elabora, coordena e financia os projetos. Mais de 50 países, no momento, recebem ajuda do Brasil, quer via cooperação bilateral (país a país) ou trilateral, que pode contar com a participação de outro país ou de uma agência internacional com sede aqui, como é o caso da Organização Internacional do Trabalho (OIT). No momento, a ABC toca 413 ações.
Farani conta que a cooperação internacional interessa ao Brasil. ;Temos o que oferecer;, diz. De acordo com o ministro, o Brasil possui políticas públicas mais adaptáveis à situação das nações pobres e em construção, assim como também tecnologia, principalmente na área agrícola, educacional e da saúde. ;As boas práticas brasileiras podem ser replicadas o que, além de ser um reconhecimento importante de uma política que está dando certo, acaba por reforçar esse paradigma aqui dentro;, observa.
Um dos países que mais recebe cooperação do Brasil é o Timor-Leste. Cerca de 40% da ajuda externa brasileira é dirigida ao país. Pobre, mas sentado sobre uma grande e cobiçada bacia de petróleo, independente há pouco tempo, tudo precisa ser feito no Timor-Leste. O Brasil está presente desde a administração transitória das Nações Unidas, que preparou o território para a eleição presidencial, que ocorreu após o fim da ocupação pela Indonésia (leia reportagem ao lado). O primeiro projeto foi a implementação do Centro de Promoção Social, Formação Profissional e Desenvolvimento Empresarial de Becora, em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai).
Centros semelhantes, segundo Farani, formadores de mão de obra, também foram criados no Equador, Paraguai e Bolívia. ;Não se trata de ajuda financeira;, explica o ministro. O que o Brasil faz, uma vez identificada a demanda, é oferecer a cooperação certa para determinado projeto, que tanto pode ser na área institucional como na área agrícola, por exemplo. A ABC então trata de fazer o projeto e arrumar parcerias, deslocando para o país em questão profissionais capacitados para a função, equipamentos e instalações, que ficam sendo geridas e mantidas pelo Brasil.
Carências
No Timor-Leste falta tudo em todas as escalas, desde a mão de obra mais simples à mais qualificada. Faltam escolas, hospitais e infraestrutura. Até a língua oficial, o português, é um problema, com o tétum, outra língua oficial, uma espécie de dialeto tribal com variações. Isso porque a população jovem não fala o português, que é ensinado na escola para as crianças. Os mais velhos, ex-revolucionários que lutaram pela independência do país e hoje estão no comando de Timor-Leste falam o português. A comunicação, então, é um problema entre as gerações. Daí que uma parte da ajuda brasileira é a de colocar professores à disposição do governo.
O Brasil também está colaborando com a criação de um sistema de segurança social, ou seja, um conjunto básico de leis e princípios que garantam, no futuro, renda para quem não puder mais trabalhar e ainda com o estabelecimento de um piso de proteção básica, no estilo Bolsa-Família. No Timor-Leste existe um projeto incipiente, chamado de bolsa da mãe, uma espécie de piso social para os trabalhadores rurais, de US$ 20 por mês, que é pago pelo governo de seis em seis meses. A média de salários do país não passa de US$ 200.
Nesses projetos sociais ; além dos de seguridade, existe o da erradicação do trabalho infantil ; entra a Organização Internacional do Trabalho (OIT). A diretora do escritório no Brasil, Laís Abramo, conta que a cooperação é sempre baseada na noção de solidariedade. ;Não há condicionalidades;, resume. Segundo Laís, a OIT pretende avançar no diagnóstico do trabalho infantil no país e ajudar o Timor-Leste a criar a sua própria legislação. ;Tem que ter uma idade mínima de proteção, mas que idade é essa é o país que define;, adverte.
Outro problema no Timor-Leste é que os principais produtos necessários para o abastecimento do país são importados, até mesmo a água. A moeda de transação é o dólar, o que torna tudo caro para uma população de pouca renda. Para alguma assistência na área de saúde, a ajuda vem de Cuba. Existem médicos cubanos em Timor-Leste e estudantes timorenses em Cuba.
Para saber mais
País foi colônia portuguesa até 1975
A República Democrática do Timor-Leste é um dos países mais jovens do mundo. Fica na Ásia, em frente à Austrália, perto do Japão e da China tendo como único país fronteiriço a Indonésia. O Timor foi uma colônia portuguesa até 1975 e, poucos dias depois de conseguir a independência, foi invadido pela Indonésia. Em agosto de 1999, num referendo organizado pela ONU, 80% do povo timorense votou pela independência.
A capital do Timor é a cidade de Díli. Para chegar até lá, partindo do Brasil, são dois dias de viagem, passando pela Argentina e Austrália. Durante a ocupação pela Indonésia o Timor foi arrasado. A língua do país invasor foi a mais falada durante o período, mas, a partir da independência, o português, com o tétum, uma espécie de língua tribal, são os idiomas oficiais.
Se, como país independente, o Timor-Leste ainda está na infância, a região e seus habitantes são bastante antigos. De acordo com antropólogos, pequenos grupos de caçadores e agricultores habitavam a ilha por volta de 12 mil anos a. C. Os portugueses chegaram lá em 1512 à procura de sândalo ; madeira nobre utilizada na fabricação de móveis e na perfumaria.
Durante quatro séculos, os portugueses apenas utilizaram o território timorense para fins comerciais, explorando os recursos naturais da ilha. Com a Indonésia, a situação piorou. A resistência e o clamor pela independência fez com que a ONU decidisse criar uma força internacional para intervir na região.
Em 22 de setembro de 1999, soldados australianos sob a bandeira da Organização das Nações Unidas (ONU) entraram em Díli e encontraram um país incendiado e devastado. Grande parte da infraestrutura de Timor-Leste tinha sido destruída. O brasileiro Sérgio Vieira de Mello, que morreu na missão da ONU no Iraque, teve papel importante na transição do Timor-Leste para uma democracia. Ele liderou a Administração Transitória das Nações Unidas até que o líder da resistência timorense, Xanana Gusmão, eleito em 2001, fosse empossado como o primeiro presidente do país. (VC)
Debate sobre a jornada
Para os brasileiros, o momento é de debate sobre a jornada semanal de trabalho de 40 ou 42 horas. Para os timorenses, no entanto, o Código do Trabalho do país ; já aprovado pelo Conselho de Ministros e encaminhado para votação ao Congresso ;, será um marco para as relações entre empresas e trabalhadores. No código está previsto que o período de trabalho não pode ultrapassar 8 horas por dia e 44 horas por semana.
Com 107 artigos, o Código do Trabalho do Timor-Leste guarda semelhança com a legislação trabalhista brasileira. A hora extra, por exemplo, custará 50% a mais ao empregador. O trabalho noturno, compreendido como o prestado entre as 21 horas e 6 horas do dia seguinte, implicará no pagamento de 25% a mais ao funcionário. É também obrigatório o descanso semanal remunerado.
Uma vez aprovado, o Código valerá para todos, exceto servidores públicos e empregados domésticos, que serão objeto de legislação específica. As regras são claras na proibição do trabalho forçado. Será também proibida a contratação de crianças para a realização de atividade classificada como perigosa. A idade mínima para trabalhar foi fixada em 15 anos, mas o Código permitirá que, entre 13 e 15 anos, o estudante possa prestar serviços leves, em jornadas que não excedam a 5 horas por dia. Nesse caso, o total semanal será limitado a 25 horas, com dois dias de descanso.
A legislação também protege o emprego. Na tentativa de proibir a dispensa sem justa causa, o Código cria uma indenização a ser paga pelo empregador para o empregado na proporção do tempo trabalhado. Com até seis meses de trabalho prestado, o empregado demitido sem justa causa terá direito a meio mês de salário.Com mais de cinco anos de casa, o trabalhador levará de indenização seis meses de salário. As férias não poderão ser inferiores a um período de 12 dias úteis por ano de serviço prestado. A legislação abrange ainda a maternidade e estabelece licença remunerada de 12 semanas às mamães.
Visões distintas
A redução da jornada semanal de trabalho no Brasil de 44 para 40 horas, sem redução de salários, opõe trabalhadores e empresários. Os empregadores, liderados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), são contrários à mudança e defendem a livre negociação. Conforme a CNI, países que reduziram a carga de trabalho não conseguiram aumentar o número de empregos ; caso de Japão, Suécia e Espanha. Tanto a CNI como a Fiesp sustentam que a redução da jornada pretendida será um tiro no pé, tendo como consequência a perda de competitividade nas micro, pequenas e médias empresas.
Já os trabalhadores, representados por centrais sindicais e parlamentares com forte presença no setor industrial, estão convencidos de que a redução possibilitará o aumento do emprego. Baseados em estudos internacionais e em relatórios do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) argumentam que até o ganho em horas extras aumentará. Para Cássio Calvete, economista do Dieese, o desemprego não vai desaparecer, mas a quantidade de postos de trabalho crescerá de forma substancial.(VC)
O número
107
Número de artigos no Código do Trabalho do Timor-Leste