Economia

Desrespeito aos direitos de terceirizados

Decisão na primeira instância reconhece o TST como corresponsável por empresa prestadora de serviço que não cumpriu obrigações trabalhistas

postado em 28/05/2010 08:26

Tribunal Superior do Trabalho (TST) passou de foro máximo de defesa da legislação para a cadeira de réu. A casa que deveria garantir os direitos trabalhistas foi condenada, ironicamente, por infringir a lei que deveria proteger. A sentença, ainda de primeira instância, tornou o tribunal corresponsável por uma sequência de desrespeitos a um motorista terceirizado pela extinta Serviter. Mais 47 trabalhadores em situação semelhante prometem entrar contra o órgão. Se os pedidos desses empregados forem acatados pela Justiça, a conta aos cofres públicos pode chegar a R$ 300 mil.

A Serviter deixou de pagar salários, férias e diversos benefícios aos funcionários. Como era contratada pelo Tribunal e deixou de existir com o fim do contrato, o prejuízo ficou para a União. A situação é recorrente na esfera pública. Apenas na 10; Região, que envolve o Distrito Federal e o Tocantins, quase todos os níveis do poder judiciário têm alguma decisão desfavorável. O problema com das prestadoras terceirizadas atinge os tribunais de Contas da União, do Distrito Federal, o Superior Eleitoral, o Regional Federal da 1; Região e o de Justiça do DF. O caso mais embaraçoso é o do TST por se tratar do Tribunal que defende a legislação trabalhista. O órgão foi condenado em primeira instância em 18 de maio a pagar R$ 13 mil a um empregado junto com a Serviter.

;Isso parece inusitado. Se o TST está nessa situação em relação às empresas terceirizadas, imagina o resto do poder público. É necessário uma fiscalização mais rigorosa e regras que impeçam empresas aventureiras de participar dessas concorrências;, afirmou Alessandra Camarano, advogada do Sindicato dos Rodoviários e representante dos motoristas prejudicados pela Serviter. O próprio Tribunal Superior concorda que a situação é ruim, mas não acha o caso fora do normal. ;Isso não é causa de espanto. Se essa empresa ficou insolvente no curso do processo e ela quebra por falta de patrimônio, pela jurisprudência(1) do próprio TST, o poder público, que é o contratante, é responsabilizado;, argumentou Márcio Coelho, assessor jurídico da diretoria do Tribunal.

Irresponsabilidade
Para Anderson Souza, diretor de Serviços Gerais do Tribunal Regional do Trabalho da 10; Região (TRT-10), esses conflitos ocorrem por falta de responsabilidade das empresas, que muitas vezes entram nas concorrências somente para ter fluxo de caixa. ;A empresa vem participar de licitação e com a modalidade de pregão vão até à exaustão com preços inexequíveis. Durante a execução contratual, ela não consegue manter as obrigações e com isso começa a ter problemas e termina por fechar;, explicou.

Por conta da fragilidade no caixa dessas terceirizadas e da ineficiência de muitos empresários, o TST teve de responder, até hoje, a 29 ações trabalhistas. O próprio Tribunal de Contas da União (TCU), órgão que zela pela boa execução dos gastos públicos, respondeu à mesma quantidade de processos, 29. ;A obrigação da União é se defender. Dizer que não tem nada a ver com isso... Mas tem sim. Eu não consigo entender essa bagunça. Tem empresa com contratos milionários e funciona em uma portinha. Essas empresas não têm patrimônio e ficam ganhando milhões e a União não investiga;, queixou-se Alessandra Camarano.

1 - Entenda a regra
Em vista das muitas disputas judiciais com o processo de terceirização no serviço público e por falta de legislação que resguardasse os trabalhadores, o TST criou a súmula 331. Ela obriga o contratante de serviços terceirizados a responder solidariamente caso o empregado não receba seus direitos. Responsabiliza inclusive órgãos públicos, sem isentar nem mesmo os tribunais.

O número
R$ 3 milhões
Valor penhorado do Ministério da Agricultura para cobrir débito da Fiança, empresa contratada pelo GDF para serviço de vigilância

União paga a conta de dívida do DF

A inadimplência trabalhista das terceirizadas fez a Justiça penhorar um pagamento à empresa Fiança no valor de R$ 3 milhões. O dinheiro estava no Ministério da Agricultura e o caso é considerado atípico por alguns juristas. A dívida da empresa era com terceirizados do governo do Distrito Federal e os recursos que quitaram o débito saíram da União. O diretor da 5; Vara do Trabalho, Eugênio Miranda, garante que não houve quebra do pacto federativo. A autonomia da União e do estado foi preservada.

Cerca de 300 vigilantes estavam com salários atrasados e sem receber diversos benefícios. Cada um deles entrou com uma ação contra a empresa. ;Foi uma coisa absurda de processos. Além desses, no ano passado houve um surto de terceirizadas que quebraram. Ficamos abarrotados e registramos 67% mais ações trabalhistas que nos outros anos;, relatou Miranda.

Com a nota penhorada do Ministério da Agricultura, os acordos foram tão bem-sucedidos que todos os débitos foram quitados e ainda sobrou cerca de R$ 1 milhão para a empresa. A Fiança, especializada em serviços de vigilância, pertence ao empresário Luiz Vicente Araújo, pai do deputado distrital Cristiano Araújo (PTB-DF).

A firma tinha quase todos os contratos do governo local e, segundo o porta-voz da empresa, Sócrates Arantes, passou por uma série de dificuldades em função de regras impostas pelo ex-governador José Roberto Arruda e, posteriormente, pela falta de gestores públicos quando estourou o escândalo Caixa de Pandora. ;A empresa Fiança reconhece um deficit indevido de R$ 9,4 milhões no seu caixa;, disse Arantes. Cerca de R$ 4 milhões seriam em decorrência do Decreto n; 27.959/2007, que criou um desconto de 30% no valor dos contratos das prestadoras, segundo o porta-voz.

Mais R$ 3,2 milhões teriam deixado o caixa da Fiança em função de um aporte à empresa Vipasa, adquirida pelos empresários recentemente. ;Houve ainda um problema em relação ao pregão 21, que tinha taxas de PIS/Cofins maiores que as normais. E , por isso, o GDF reteve R$ 2,2 milhões que deveriam ser pagos para a empresa;, afirmou Arantes. (VM)

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