Economia

Seguro contra incertezas

Investidores correm em busca de proteção contra as crises. Mas, em longo prazo, o ouro não é uma boa aplicação

Vera Batista
postado em 01/06/2010 08:53

O ouro exerce um fascínio inigualável no ser humano. Já financiou a fé, as guerras, o amor e o ódio. Deu alento a miseráveis, curou fracassos, representou poder, dividiu povos, disseminou discórdias. Hoje, no entanto, do ponto de vista do mercado financeiro, significa proteção, sobretudo em tempos de crise, como o atual. À medida que as economias europeias derretem, tragadas pelo descontrole das contas públicas, mais e mais pessoas correm em busca do metal. Em vez do euro, preferem o ouro. Na Alemanha, por exemplo, é possível ver filas nas portas das instituições credenciadas pelo governo a operar com o metal.

Mas todo cuidado é pouco na hora de se destinar parte do patrimônio para o metal. Segundo os analistas, trata-se de um ativo muito arriscado. Assim como seus preços estão em disparada agora, podem desabar ao menor sinal de solução para as turbulências. Os especialistas mais conservadores indicam o ouro apenas para os detentores de grandes fortunas, como uma forma de diversificação. Ou seja, apenas uma pequena parte do dinheiro disponível deve ser revertida em ouro.

Com a crise na Europa, somente na última semana, o preço do metal subiu 3,4%. No mercado futuro (aquele no qual os investidores apostam quanto o minério valerá dentro de alguns meses ou anos), o ouro chegou a ser cotado a US$ 1.249, contra os US$ 1.211 no mercado à vista. Os investidores mais otimistas acreditam que a onça-troy (unidade de medida do metal, equivalente a 31,1 gramas) pode chegar a US$ 1.500 até o fim do ano.

;O ouro é a soma das inseguranças da humanidade. Costumo chamá-lo de relíquia bárbara. Já existia há mais de 500 anos antes de Cristo;, descreve Nathan Blanche, sócio-diretor da Tendências Consultoria e ex-presidente da Associação Nacional de Ouro e Câmbio (Anoro).

Discrepâncias
Por meio de um estudo comparativo, Blanche mostra que, em um período mais longo, de 1980 para cá, o ouro não foi um bom investimento quando comparado aos títulos do governo dos Estados Unidos. Se o investidor tivesse comprado uma onça-troy naquele ano por US$ 579,75 teria, hoje, US$ 1.221,50. Caso a mesma quantia tivesse sido aplicada no que o mercado chama de Fed Funds, numa referência à taxa básica definida pelo Banco Central dos EUA (Fed), o investidor disporia de US$ 2.566,55.

Em contrapartida, se a aplicação fosse feita a partir de 2005, quando as cotações do ouro começaram a disparar no mercado internacional, já antecipando o estouro da bolha imobiliária norte-americana (sacramentada em setembro de 2008), o movimento seria o inverso. Os US$ 517 aplicados no metal valeriam hoje US$1.221,50 contra US$ 571 se o dinheiro tivesse sido destinado aos papéis do governo dos EUA ; uma diferença de 112%. ;Ou seja, no longo prazo, o ouro não é uma boa alternativa de investimento. Trata-se de um ativo para os tempos de incerteza;, destaca Blanche.

Na avaliação do sócio da Tendências, os governos têm grande responsabilidade pela atual corrida ao ouro. Para ele, ao reduzirem a taxa de juros a 1% ao ano em 2001 depois dos ataques terroristas ao World Trade Center, para evitar uma recessão econômica, os EUA estimularam o consumo desenfreado e a busca por ativos reais, como o metal. ;Mas o governo errou na mão e permitiu que se formasse a bolha imobiliária, que explodiu. Daí em diante, foi só bomba, com a quebra de bancos importantes, crise econômica global e, agora, a ruína europeia;, afirma.

Diante desse quadro, os investidores ficaram sem alternativas. O euro desabou sobrando apenas ;uma moça no baile: o dólar americano;. No entender de Blanche, enquanto a moeda comum europeia não se recuperar, muita gente optará por deixar parte do patrimônio aplicado em ouro ou em dólar. ;Mas dou um milhão para quem acertar por quanto tempo o ouro continuará subindo;, diz.

No Brasil, o grosso dos investimentos em ouro é feito por meio da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM). O mercado é fiscalizado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pelo Banco Central. Não é preciso ter muito dinheiro para entrar no mercado. Um contrato de 10 gramas, por exemplo, exige desembolso de aproximadamente R$ 750 (veja quadro nesta página).

Investidores correm em busca de proteção contra as crises. Mas, em longo prazo, o ouro não é uma boa aplicação

Alta de 16% no ano

Com o preço do ouro batendo recorde ; somente neste ano, o metal se valorizou 16% no Brasil ;, tanto os investidores do mercado financeiro quanto as mineradoras não têm do que reclamar. ;Estamos vendo o ciclo se repetir. Essa alta é reflexo da crise na qual o mundo está mergulhado;, afirma o economista César Bergo, da Planer Corretora.

Para ele, a disparada do metal favoreceu inclusive o governo brasileiro, que conseguiu viabilizar a reabertura do garimpo de Serra Pelada, por meio de uma associação entre uma empresa canadense e uma cooperativa de garimpeiros. ;O governo queria profissionalizar o garimpo e inventou uma desculpa para fechar o local. Mas havia uma questão econômica por trás: os baixos preços do minério. Agora, com o ouro nas alturas, tornou-se viável a exploração;, diz.

É a repetição do que se viu nos anos 1980, ressalta Nathan Blanche, da Tendências Consultoria. ;Naquele período, a corrida ao ouro só se concretizou porque a onça-troy chegou a US$ 800;, diz. ;Portanto, governo e empresas estão no caminho certo. Enquanto a onça-troy ficar acima de US$ 500, explorar ouro se torna rentável. Mas, preste atenção: se a crise acabar, as mineradoras tendem a abandonar tudo ou pelo menos a reduzir a intensidade dos investimentos;, avisa.

Cuidados
Há um outro lado, em que poucos prestam atenção. Com a maior disposição das empresas em ampliar a produção, quando uma quantidade maior de ouro começar a entrar no mercado, o preço naturalmente cairá, alerta César Bergo. ;Portanto, o cidadão comum, que está entusiasmado com a recente valorização do metal, deve se precaver. Se realmente estiver disposto a comprar ouro, que não aplique mais do que 5% do capital disponível;, aconselha. O economista da Planer ressalta que o brasileiro ainda é um tanto reticente em investir em ouro. ;Aqui se prefere comprar um carro ou um imóvel do que andar com um lingote de ouro debaixo do braço;, brinca.

Os analistas recomendam aos que querem aplicar em ouro a procurar uma corretora com bom histórico no mercado. Essa instituição deve estar credenciada na Bolsa de Mercadorias e de Futuros (BM), pois há a garantia de que o metal transacionado tem a sua origem conhecida. Mas lembre-se: os ganhos são tributados entre 15% e 20%. (VB)

Como comprar e vender


Para investir no mercado de ouro é preciso muito cuidado, pois se trata de um ativo de risco

; Qualquer pessoa pode aplicar em ouro. Os interessados em comprar o metal devem procurar uma corretora credenciada na BM. A consulta sobre essas instituições pode se feita pela internet, por meio do endereço www.bmfbovespa.com.br.

; Os investimentos podem ser feitos no mercado à vista, segmento do mercado no qual a bolsa oferece contratos de 0,225 gramas, de 10 gramas e de 250 gramas (negócio padrão). Há também os contratos derivativos, como a compra e a venda do metal para entrega futura.

; O investidor paga uma taxa por operação, conhecida como corretagem. O valor pode ser fixou ou variável, depende do acerto com a corretora.

; Os compradores e vendedores de ouro são obrigados a pagar Imposto de Renda sobre os ganhos nas operações. As alíquotas vão de 15% a 20%.

; A bolsa também cobra uma taxa de custódia para manter o ouro sob a sua guarda. A alíquota é de 0,07% ao mês, calculado diariamente sobre a quantidade de metal mantida pelo investidor.

; A BM mantém contrato com vários bancos para a guarda das barras de ouro. A quantidade do metal de cada investidor é registrada em contas individualizadas, sob a responsabilidade das corretoras.

; O investidor pode levar o ouro para casa, caso queira. Mas deverá procurar a corretora com a qual opera e pedir a retirada da custódia da bolsa e indicar em qual banco credenciado pretende retirar o metal. Cada barra de ouro pesa 250 gramas. Essa é a quantidade mínima permitida para levar o minério.

; O investidor deve levar em conta que, ao retirar a barra de ouro da custódia do banco, ela deixa de ter padrão de negociação na bolsa. É como se perdesse a garantia. Para voltar ao mercado terá que certificar a barra novamente. Essa certificação tem um custo, que varia de acordo com a fundidora escolhida.

; O ouro pode ser negociado na bolsa ou no chamado mercado de balcão, em que as partes envolvidas acertam os preços diretamente. A vantagem de transacionar o metal na bolsa é a transparência na formação dos preços.

Leia mais sobre a Corrida do Ouro na edição de amanhã

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