postado em 13/06/2010 07:27
Foram 63 anos de espera para ter a casa própria. Com a planta comprada por R$ 400 de um engenheiro da administração do Varjão, Inácio Pereira da Silva começou a cavar o alicerce do imóvel no qual mora com a mulher e uma das filhas. Três anos depois, as obras ainda não terminaram, devido às constantes interrupções. Nos últimos dois meses, o trabalho foi retomado. São pelo menos oito horas por dia levantando as paredes do que serão duas lojas comerciais. ;Meu irmão é pedreiro e me ajuda. Nós cavamos cada um dos três metros dessas pilastras;, diz, ao apontar os buracos junto ao muro.Inácio é aposentado e recebe um salário mínimo do governo. Desse montante, 76% pagam a fatura do cartão de crédito usado para comprar os materiais de construção. ;Foi o jeito que encontrei para conseguir levantar a minha casa. Pago as parcelas todas em dia, logo que recebo do banco, senão fica muito caro;, justifica. Ele nem cogitou procurar um banco para conseguir o dinheiro. ;Sou só um aposentado, não dão dinheiro fácil assim.;
As interrupções em obras como as de Inácio são constantes. Os que sonham em melhorar a casa própria enfrentam dificuldades estruturais como escassez de crédito, oferta de materiais sem qualidade, falta de mão de obra qualificada e ausência de profissionais capacitados para projetar e especificar as obras. O resultado dessa equação é um processo que gera desperdício e o produto final, muitas vezes, fica mais caro e com qualidade inferior ao esperado. ;Tudo isso é verdade. Seria muito melhor se pudéssemos pagar para fazer algo mais arrumado, mas não tem jeito;, lamenta a dona de casa Maria da Glória, 62, mulher de Inácio.
Diante de tanta dificuldade, qualquer avanço é motivo para comemoração do casal, como a chegada dos tijolos dados de presente pelos quatro filhos. ;Você precisava ver a cara de contente dos meus avós quando eles viram os tijolos chegar;, comenta o neto Gabriel. ;Agora, estão faltando alguns canos para continuar as obras. Devo comprar o material amanhã ou depois;, afirma Inácio. ;Parece que nunca compramos certo. Às vezes falta, às vezes sobra;, diz. De cabeça, ele faz as contas do quanto já desembolsou. ;Para toda a parte de trás e a casa, acho que deve ter sido uns R$ 60 mil.;
Necessidade e sintonia
O casal, que vive no Varjão há 29 anos, não tem consciência, mas a sua casa faz parte dos 43,12 milhões de domicílios brasileiros (77% do total) que precisam de algum tipo de reforma ou de ampliação a cada ano. E, como a maioria da população, Inácio e seu irmão põem a mão na massa por conta própria e não têm orientação de profissionais especializados em otimizar a obra, realidade em 34% das habitações, segundo levantamento da Associação Nacional de Comerciantes de Materiais de Construção (Anamaco).
A pesquisa aponta também que 69,7% dos moradores de diversas regiões do Brasil acreditam ter gastado mais do que precisavam. Entre os principais motivos estão a compra de materiais sem programação e a mudança de planos no decorrer da construção, como ocorre com Inácio.
Mudar essa realidade e criar um aparato com ferramentas para melhorar as moradias da população de baixa renda é o objetivo do Clube da Reforma (1), lançado na semana passada, em São Paulo. A união de mais de 40 entidades, entre empresas, organizações sociais, governo, entidades e instituições financeiras, deve permitir a formatação de produtos para melhorar suas ações individuais.
;A realidade de atuação de cada um é diferente. Propomos pensar em conjunto sobre realizações que vão colaborar com a melhoria das habitações;, explica Valter Frigieri, gerente de desenvolvimento de mercado da Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP) e um dos coordenadores do projeto.
1 - Ajuda
O objetivo da entidade é atingir um milhão de famílias até 2014, melhorando as práticas já existentes. Segundo Valter Frigieri, gerente de desenvolvimento de mercado da Associação Brasileira de Cimento Portland, o deficit habitacional brasileiro é de 8 milhões de moradias. Das 56 milhões existentes, a maioria tem deficiências: 79% têm apenas um banheiro e 70%, no máximo, dois quartos.