Economia

Crise afugenta estrangeiros

BC reduz de US$ 45 bi para US$ 38 bi a previsão de investimentos diretos para este ano. País fica mais dependente de capital de curto prazo

Vânia Cristino/ Especial Estado de Minas
postado em 23/06/2010 07:04

Com o cenário internacional sacudido por sucessivas crises ; depois do estouro da bolha imobiliária americana, agora é a Europa que aterroriza o mundo por estar atolada em dívidas quase impagáveis ;, o Banco Central foi forçado a reduzir as estimativas de investimentos estrangeiros diretos no país neste ano. Em vez dos US$ 45 bilhões que vinha projetando desde setembro do ano passado, apesar da piora constante das condições globais, a instituição espera, agora US$ 38 bilhões, uma decepção, se for levado em conta que o Brasil é hoje um dos países que mais crescem no planeta.

Diante desse novo retrato traçado pelo BC, aumentou a preocupação dos especialistas com a saúde das contas externas do país. A razão é uma só. O dinheiro de longo prazo, voltado para a produção e o emprego, não será suficiente para cobrir o rombo nas transações correntes com o exterior, que, pelos cálculos do BC, fechará 2010 em US$ 49 bilhões, o maior deficit já registrado desde 1947, quando começou a série histórica do banco. Ou seja, o Brasil ficará mais dependente de capital de curto prazo, que pode sair a qualquer momento, para se financiar. Pelas revisões do BC, a parte do buraco a ser coberta com recursos voláteis (aplicados na bolsa de valores, principalmente, e em títulos públicos) saltou de US$ 4 bilhões para U$$ 11 bilhões.

Apesar das preocupações do mercado, o chefe do Departamento Econômico do BC (Depec), Altamir Lopes, disse estar tranquilo ante à postura mais arredia dos investidores estrangeiros. ;Já tivemos situação muito pior;, afirmou, ressaltando que, em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), o deficit em transações corrente corresponderá a ;apenas; 2,5%, um patamar considerado ;confortável;. Para ele, não existe comparação entre os rombos de hoje e os do passado. ;O perfil atual da economia brasileira é outro. Os investidores veem o país como um porto seguro, tanto que o crédito não mostra nenhum sinal de arrefecimento;, observou.

Ajuda das reservas
Os números são ruins. No mês passado, o deficit em transações correntes no mês cravou US$ 2,020 bilhões, o maior para os meses de maio desde 2001, a despeito do superavit maior da balança comercial. Nos cinco primeiros meses do ano, o rombo já atinge US$ 18,7 bilhões, quase o triplo do verificado em igual período de 2009 (US$ 6,6 bilhões). A única surpresa positiva veio dos investimentos diretos que, em maio, atingiram US$ 3,5 bilhões, bem acima do esperado pelo BC e suficiente para cobrir o deficit nas contas externas do mês. No acumulado do ano, porém, os investimentos somam apenas US$ 11,4 bilhões, saldo inferior ao necessário.

Lopes chamou a atenção para a mudança estrutural do balanço de pagamentos brasileiro, no qual entra toda a contabilidade com o exterior. Ele explicou que o câmbio flutuante amortece os choques externos e que, em última instância, o país tem reservas robustas para se financiar, acima de US$ 250 bilhões. E acrescentou: no caso de escassez maior de recursos, o ajuste das contas externas se dará pela redução das viagens internacionais, conta que, neste ano, devem resultar em um deficit recorde de US$ 8 bilhões ; a servidora pública Sônia Barbosa, 47 anos, se inclui no rol dos brasileiros que não se intimidam em gastar fora do país. Também diminuiriam as remessas de lucros e dividendos e os desembolsos com transporte e aluguel de máquinas e equipamentos.

Diante do quadro atual, o professor Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor da Área Externa do BC, foi taxativo: ;Não há dúvida de que piorou a forma de financiamento do país;. Para a economista-chefe do ING Bank, Zeina Latif, a redução promovida pelo BC na estimativa de ingresso de investimentos diretos reflete a situação da economia mundial. ;Cerca de 50% dos recursos vêm da Europa e, com a situação de lá, não tinha como ser diferente;, ponderou. Segundo Zeina, o ideal era que o governo tivesse mais poupança interna para não depender tanto assim de poupança externa. ;Felizmente, estamos muito melhor do que estávamos no passado e a tolerância com o deficit em transações correntes do país, por parte dos investidores internacionais, também é maior;, concluiu.

Rombo de US$ 8 bi com viagens

Luciano Pires

Victor Martins

O brasileiro está viajando tanto ao exterior que o Banco Central foi obrigado a rever pela terceira vez em menos de um ano o deficit na conta viagem previsto para 2010. A projeção atualizada ontem indica agora que o buraco causado pela diferença entre as receitas e as despesas de turistas será de US$ 8 bilhões ; o saldo estimado anteriormente era de US$ 7,5 bilhões negativos. Boa parte desse prejuízo nas contas externas se deve ao fato de que mais famílias de classe C estão fazendo as malas e embarcando para fora do Brasil, fenômeno que deverá se acentuar em julho.

Dados divulgados pelo BC revelam que de janeiro a maio o rombo com viagens internacionais está em US$ 3,2 bilhões. O balanço preliminar de junho mostra que até ontem as despesas líquidas chegam a US$ 628 milhões, ou seja, os brasileiros gastaram mais em outros países do que os estrangeiros desembolsaram aqui. ;O brasileiro está viajando muito. É o aumento da renda;, disse o chefe do Departamento Econômico (Depec) do BC, Altamir Lopes.

A servidora pública Sônia Barbosa, 47 anos, foi uma das brasileiras que contribuiu para o deficit nas contas externas. Em maio, Sônia e o marido foram à Grécia. Segundo ela, o segredo é planejar com antecedência e marcar as férias para os períodos de baixa temporada. ;Tudo fica mais barato, a passagem, o hotel e você é até atendido melhor por ter pouca gente nos restaurantes e pontos turísticos;, argumentou. Nesse tour pela Europa, o gasto do casal ficou em torno de R$ 7 mil.

O número de novos voos ao exterior reflete o aumento da demanda por pacotes para outros países. Levantamentos da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) indicam que as empresas nacionais expandiram suas operações em 44% entre 2003 e 2010. Hoje, são mais de 1,3 mil voos mensais. Já as estrangeiras, avançaram 76,9% nesse período. ;Nunca foi tão grande a quantidade de empresas e opções de destinos oferecidos aos brasileiros;, afirmou o superintendente de Regulação Econômica da Anac, Juliano Alcântara Nonman.

De acordo com Nonman, a expansão do mercado de trabalho e da renda no Brasil têm possibilitado que mais pessoas viajem ao exterior. ;O câmbio também está mais favorável e hoje não existe a tarifa mínima para embarques ao exterior. Para cada país era uma taxa e não dava para as empresas realizarem promoções;, explicou Nonman.

Atualmente, fora de temporada, é possível encontrar passagens a partir de R$ 350 para locais na América do Sul. Promoções pensadas para atrair a nova classe média estão servindo de chamariz para famílias que até há pouco tempo faziam apenas roteiros nacionais durante as férias. ;O brasileiro está indo mais ao exterior e também gastando mais. A nova classe C está aproveitando esse momento e viajando bastante;, justificou o representante da CVC em Brasília, Cláudio Vila Nova.

BC reduz de US$ 45 bi para US$ 38 bi a previsão de investimentos diretos para este ano. País fica mais dependente de capital de curto prazo

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