Vânia Cristino/ Especial Estado de Minas
postado em 27/06/2010 08:10
No momento em que acontece a Copa do Mundo, uma batalha é travada entre cartolas de clubes de futebol, o Banco Central e o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), conhecido também por Conselhinho. Os clubes querem fugir das sanções que receberam do BC por não declararem os dólares obtidos com a venda de jogadores para o exterior recorrendo a todas as esferas possíveis de apelação. Segundo levantamento do Correio, a dívida futebolística com multas por fraudes decorrentes da evasão de divisas chega a US$ 49,6 milhões (veja quadro), fortuna devida por 22 agremiações.
O time com a maior torcida do país e atual campeão brasileiro, o Flamengo, está entre os maiores apenados. Recebeu multa de cerca de US$ 13 milhões. Em dezembro de 2009, o altamente endividado rubro-negro apelou para o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), conhecido também por Conselhinho ; a última instância administrativa que pode decidir sobre as infrações constatadas pelo BC. Depois dele, só o Judiciário. O resultado do pedido: negado. O time vermelho e preto terá de pagar a conta. A dívida do Grêmio é ainda maior. Supera a dos cariocas em aproximadamente US$ 245 mil. O clube gaúcho também será obrigado a quitar o débito.
Nos processos contra os 22 times, são recorrentes as palavras ;fraude cambial; e a frase ;falta de ingresso no país de recursos financeiros oriundos das transações;. O que significa que as bandeiras tão amadas pelos torcedores não teriam declarado valores recebidos em negociações de jogadores no exterior ou não trouxeram o dinheiro para o Brasil, caracterizando o crime de evasão de divisas. ;Não dá para comprovar nada, mas o tipo de benefício que se obtém nesses casos pode ser gordas comissões. Muitas dessas histórias nós investigamos na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Nike, na Câmara;, relembra o deputado federal Silvio Torres (PSDB-SP).
Contra-ataque
De acordo com um alto executivo do governo federal, o BC já puniu a maioria dos infratores. ;Atualmente, os casos são mais pontuais e alguns remanescentes do período em que havia cota para trazer recursos de fora ou mandá-los para o exterior;, garante. Situações que começam a chegar ao Conselhinho. A última delas, em abril deste ano, refere-se ao Coritiba. Multado em US$ 1,4 milhão por uma ;venda irregular de passe de atleta;. O clube, que caiu para a segunda divisão no ano passado, apelou ao Conselho de Recursos, mas, no julgamento, a decisão do BC foi mantida.
Situação semelhante à do Mogi Mirim, multado em US$ 80,2 mil. No caso dele, o parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional foi acatado. ;A obrigação de trazer ao Brasil as divisas recebidas no exterior aplica-se integralmente às agremiações desportivas, sob pena de lesão às reservas cambiais;, diz um trecho do parecer.
O Correio entrou em contato com o Flamengo, Coritiba e Mogi Mirim, mas até o fechamento desta edição não obteve retorno. O Atlético Paranaense garante que sempre tratou com lisura suas negociações com estrangeiros e ainda não tomou conhecimento da multa, mas, caso ela se confirme, vai ;tomar as medidas necessárias;.
Entenda o caso
As fraudes cambiais envolvendo jogadores e times de futebol julgadas no Conselhinho em parte são coisas do passado, quando a legislação exigia que quem fizesse transações no exterior trouxesse o dinheiro para o país. Isso mudou em 2006 com a liberação cambial. A partir daí, exportadores e pessoas em geral têm liberdade de remeter e ingressar com recursos na hora que quiserem. A fraude agora só acontece ; e, nesse caso se configura um crime ; quando o dinheiro volta ao país e a pessoa ou a empresa resolve transacionar esses dólares no mercado paralelo. A legislação brasileira exige que toda operação financeira com câmbio seja feita em instituição autorizada a funcionar pelo Banco Central (BC). No submundo do mercado de câmbio (transações realizadas no mercado negro), a fiscalização é muito mais difícil.
Até 2006, no entanto, a situação era diferente. Para fiscalizar a venda de jogadores de futebol, o BC solicitava e recebia da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) o rol de transações. Dessa lista constava não apenas o nome do jogador, do time, como também o valor. Com esses dados, o BC partia para cima do time, solicitando a apresentação do contrato de câmbio. Não havendo prova do acerto, a irregularidade era classificada como fraude cambial. Nesse caso, o BC abria um processo administrativo, dava direito de defesa ao clube e, não satisfeito com a argumentação, encaminhava o assunto para o Conselhinho, ao mesmo tempo em que mandava também o processo para o Ministério Público. Na maioria das vezes, o Conselhinho mantém a penalidade aplicada pelo BC, de multa equivalente a 100% do valor da transação. Não há notícia de que os clubes tenham, de fato, pago a multa. (VM)
Punições (Em US$)
BC não dá trégua aos times que burlam o câmbio
Clubes Multas
1; Grêmio 13.345.092,52
2; Flamengo 13.100.000,00
3; Paraná Clube 3.808.499,27
4; Internacional 2.953.237,77
5; Santos 2.265.000,00
6; Coritiba 2.069.490,25
7; Sport Club 1.803.441,00
8; Botafogo 1.377.000,50
9; Vasco 1.350.000,00
10; Vitória (BA) 1.190.000,00
11; Atlético Mineiro 1.097.681,63
12; Portuguesa (SP) 957.742,00
13; São Paulo 840.000,00
14; Goiás 672.637,00
15; Guarani 630.000,00
16; Goiás 622.637,00
17; Santa Cruz 600.000,00
18; Corinthians 459.219,45
19; Volta Redonda 300.000,00
20; Palmeiras 100.040,00
21; Mogi Mirim 80.250,00
22; Atlético Paranaense 71.500,00
Total 49.643.468,39
Fonte: Conselho de Recursos
do Sistema Financeiro Nacional