Economia

Lula empurra a fatura para sucessor

Depois de negar aumento ao Judiciário neste ano, governo cancela envio ao Congresso de projetos prevendo reestruturação de várias carreiras

Marcone Gonçalves
postado em 02/07/2010 07:28
Luís Adams, da AGU, e Paulo Bernardo, do Planejamento, alegam que não há recursos para atender a demanda dos servidoresEmbora negocie com uma série de categorias do funcionalismo, algumas delas em greve, o governo decidiu não enviar projeto de lei algum prevendo reestruturações de cargos e salários neste ano ao Congresso Nacional. Caberá ao próximo presidente da República arcar com o desgaste de retomar o diálogo com as entidades sindicais, com os parlamentares e decidir o destino da série de pedidos encaminhados pelos servidores ao Palácio do Planalto. Aumentos e correções de tabelas que, eventualmente, foram implementadas com erros em 2009 e 2010 também serão creditados na conta de Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB) ou Marina Silva (PV).

O vice-líder do governo no Congresso Nacional, deputado Gilmar Machado (PT-MG), disse ao Correio que a única exceção é o Judiciário, que já tem uma proposta de aumento sendo analisada pela Câmara dos Deputados. O projeto prevê reajuste de 56%, em média, para os cerca de 100 mil funcionários dos tribunais federais e vai custar R$ 7 bilhões por ano. O texto original elaborado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) passou por uma das três comissões temáticas responsáveis pela análise dos impactos. O próximo destino é o plenário. Mas, também neste caso, o aumento ficará para 2011.

Polêmica
Diante da polêmica levantada pelo secretário do Tesouro Nacional Arno Augustin, ao dizer que o reajuste do Judiciário coloca em risco o equilíbrio das contas públicas, o presidente do STF, Cezar Peluso, pediu um encontro de emergência com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A reunião ocorreu ontem. Depois de consultar o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, Lula disse a Peluso que a falta de previsão orçamentária impede a concessão do reajuste em 2010, mas informou ao ministro do Supremo que, havendo a inclusão da verba necessária no Orçamento de 2011, o repasse poderá ocorrer no próximo ano de forma escalonada e sem dificuldades. Pelo acordo, antecipado pelo Correio na edição de ontem, o pagamento será feito a partir de janeiro.

Em sua página na internet, a Fenajufe ; entidade que representa os servidores do Judiciário federal e do Ministério Público da União ; reforçou que a greve iniciada há cerca de um mês em todo o país deverá continuar enquanto não houver uma sinalização mais clara de que o projeto de lei que está parado na Câmara será votado. Chamado a mediar o impasse, o advogado-geral da União, Luís Inácio Lucena Adams, disse ontem que nenhum aumento será pago sem o consenso do próximo governo eleito. Para Adams, o sucessor de Lula precisa ser um ;agente legitimador de qualquer solução;.

Ao lado do ministro Paulo Bernardo, o advogado-geral informou a sindicalistas ligados ao Judiciário as bases da proposta de adiamento para 2011 do reajuste reivindicado pela categoria. ;Apresentamos a proposta e os sindicalistas não gostaram dela. Querem fazer o calendário de outra forma. Marcamos mais uma reunião para quinta-feira da próxima semana. Não entramos no detalhamento da proposta, mas vamos continuar tentando nos entender com os sindicalistas;, explicou Bernardo.

Símbolo
O governo quer aproveitar o compromisso firmado com Cezar Peluso para transformar o Judiciário em símbolo para o restante dos servidores. Como só dará aumento no ano que vem, o Palácio do Planalto usará o acordo como justificativa para postergar todas as negociações que estão em andamento, deixando as decisões finais ;de presente; para o próximo presidente da República. Conforme o deputado Gilmar Machado, o Planejamento cancelou o envio do plano de reestruturação de carreiras à Câmara porque algumas não fecharam acordo para voltar ao trabalho.

Há greves que se arrastam no Executivo há vários meses. Invariavelmente, os setores insatisfeitos cobram a resolução de pendências que se acumularam ao longo dos últimos dois anos. Funcionários de órgãos como o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Banco Central e Ministério da Agricultura (carreiras de perito e fiscais agropecuários) não terão seus planos de reestruturação analisados neste ano. ;O Planejamento resolveu não mandar o plano de reestruturação de ninguém. Não teve acordo com algumas categorias;, afirmou Machado.

O presidente do STF defendeu o aumento do Judiciário argumentando que há, nos tribunais, um alto índice de evasão de bons profissionais. Segundo ele, a defasagem salarial impede a retenção dos servidores e estimula a rotatividade. ;Perdi dois do meu gabinete que passaram em um concurso que pagava melhor. Não consegui segurar eles;, disse. Já o ministro do Planejamento ressaltou a necessidade de pagar o reajuste de maneira escalonada a partir de 2011. Advertiu, porém, que não houve consenso para resolver o assunto. ;Não chegamos a avançar sobre essa questão do parcelamento. Qualquer decisão tem de ser para 2011. Seja qual for o percentual, não temos previsão orçamentaria para 2010;, afirmou Bernardo.

A Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal
(Condsef), entidade que representa a maioria das carreiras do Executivo federal, reagiu com surpresa ao risco de o governo não enviar ao Congresso Nacional as propostas de reestruturações que estão sendo negociadas. ;Se houve algum retrocesso no que estava sendo tratado, não nos informaram;, disse Josemilton Costa, secretário-geral da Condsef. Segundo ele, a expectativa é de que as propostas sejam enviadas ao Parlamento. Por causa do calendário eleitoral, o prazo limite termina hoje.

O número
R$ 7 bilhões

Quanto custará o reajuste para o Judiciário a cada ano


O que as categorias querem

Judiciário
Reajuste de 56% neste ano, mas um acordo entre o STF e o Planalto só dará o aumento em 2011 e de forma escalonada

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep)
Reestruturação da carreira com regulamentação de gratificações. Terão de negociar com o próximo presidente da República

Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)
Em greve desde o fim de 2009, os funcionários exigem a reestruturação da carreira nos moldes da proposta dos colegas do Inep. A decisão ficará para o próximo ocupante do Planalto

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama)
Extensão de gratificação para os concursados de nível médio e a reestruturação na carreira. É mais uma das categorias que terão de negociar em 2011

Banco Central (BC)
Reestruturação de carreira. Terão de voltar às negociações em 2011

Ministério da Agricultura
Plano de carreira e gratificações. Terá de sentar-se à mesa com o próximo presidente

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