postado em 03/07/2010 08:45
O gigante do comércio brasileiro começa a ganhar corpo. Após quase três meses de duras negociações, a união entre as Casas Bahia e o Grupo Pão de Açúcar está definitivamente desenhada. Melhor para a família Klein, que foi atendida em suas reivindicações e vai faturar cerca de R$ 1 bilhão em créditos futuros. Bom também para Abílio Diniz, que minimizou prejuízos ao evitar uma briga judicial. Na presidência da nova empresa, Raphael, neto de Samuel Klein, fará com que seu clã não perca poderes para Diniz, empresário responsável pela construção do império varejista. O acordo entre eles foi assinado na madrugada de quinta-feira e a reestruturação do grupo deve durar 120 dias.
A família Klein e o Grupo Pão de Açúcar são os controladores da Globex, companhia formada por Ponto Frio, Extra-Eletro e, agora, Casas Bahia. O fruto dessa união resultou em um faturamento anual estimado em R$ 40 bilhões. O fim das disputas em torno da fusão teve reflexos também na BMF. Os papéis da Globex fecharam o dia, ontem, com alta de 12,78% e estão sendo classificados como "atraentes" pelos analistas de mercado. "Quando surgiram as divergências, sabíamos que estávamos diante de uma tarefa difícil. Tínhamos um contrato que não era perfeito, mas estava assinado", admitiu Diniz. "Tivemos de decidir sobre o fim do contrato ou a renegociação. Optamos por renegociar e seguimos o caminho correto."
Uma das divergências que impedia o acordo era quanto os Klein tinham a receber com a operação. O termo aditivo ao contrato não discorre sobre o assunto, mas o presidente do Pão de Açúcar, Enéas Pestana, parece ter chegado a um denominador comum. "Se eu fosse olhar, com base nos números que tenho, diria que o valor aproximado de recebíveis (créditos futuros) fica em torno de R$ 1 bilhão", declarou, durante teleconferencia com acionistas, analistas de mercado e jornalistas.
Contrato
O compromisso firmado entre os empresários terá mais de 60 contratos específicos, bem diferente do acordo genérico anterior, de 30 páginas, assinado em dezembro do ano passado. No fato relevante enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), consta que será realizado um aumento de capital de quase R$ 700 milhões na Nova Casas Bahia, nome da companhia oriunda da fusão. O responsável pelo aporte será o Pão de Açúcar.
Diversos analistas de bancos e corretoras de valores avaliaram o novo contrato como excelente. "Acreditamos que a notícia é positiva para as ações de Pão de Açúcar, especialmente em relação ao timing da negociação. Postergação adicional nas negociações poderia ser interpretada como obstáculo referente à absorção de sinergias operacionais entre as operações de Globex e Pão de Açúcar", disse, em nota, o Banco Fator.
Com a fusão, a família Klein passa a deter 47% da Globex e a empresa de Diniz, 53%. "Agora, nossa equipe está pronta para trabalhar. Perdemos algum tempo e vamos recuperá-lo para gerar valor aos acionistas. Estamos prontos e tranquilos com essa associação", disse Raphael Klein, presidente da nova empresa, durante sua única intervenção na teleconferência organizada para anunciar o acordo. O pai dele, Michael, embora tenha sido apontado como o responsável pela assinatura do acordo ruim para os Klein, não perdeu espaço na companha. Ficou com o posto de presidente do conselho de administração da empresa. Diniz, por sua vez, para se manter na cúpula executiva, indicou Orivaldo Padilha como diretor financeiro.
Aluguel
No novo acordo, as Casas Bahia foram divididas e os imóveis ficaram com a antiga empresa. Entre as duas, a nova e a velha, serão celebrados contratos de aluguel. Nos primeiros 36 meses, serão pagos à família Klein R$ 140 milhões anuais pela locação - o valor será corrigido, a cada 12 meses, pela inflação. A partir do quarto ano, além do valor fixo, será pago também um percentual sobre o faturamento das lojas.
Cade dará veredicto
Depois de driblar as divergências com a família Klein, o Grupo Pão de Açúcar tem mais uma barreira a ultrapassar: o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade). O presidente da companhia, Enéas Pestana, disse que o Acordo de Preservação da Reversibilidade da Operação (Apro), firmado após o primeiro contrato assinado em dezembro de 2009, continua válido. "Isso porque toda a essência e fundamentos do negócio foram preservados", justificou.
Ainda assim, Pestana garantiu aos acionistas que irá submeter o novo contrato ao órgão. Para Olavo Furtado, coordenador de pós-graduação da Trevisan Escola de Negócios, a associação é irreversível. "Trata-se de um processo sem retorno. Fusões e aquisições são recorrentes no capitalismo. Não se trata apenas de aumentar escala para ganhar mercado doméstico", analisou o professor.
O acerto com o Cade em vigor proíbe que as empresas liquidem suas estruturas e se unam em uma só até que a operação seja julgada pelo conselho. De acordo com Pestana, não há problema nessa situação. O aumento das vendas estaria garantindo a manutenção das estruturas de cada marca. "Isso não quer dizer que descartamos a redução, mas, por enquanto, não é o caso", disse Pestana.