Depois de quase dois meses de ofertas e contraofertas, a longa novela que envolve a compra da Vivo pela Telefônica parece estar chegando ao fim. Ontem, o Tribunal de Justiça da União Europeia considerou ilegal a golden share (1) (ação com direito a veto) utilizada pelo governo português para barrar a venda da participação da Portugal Telecom aos espanhóis. Com isso, o caminho está aberto para a companhia sediada em Madri finalmente concretizar o negócio bilionário e se tornar a principal controladora da operadora brasileira.
Na última semana, depois de os acionistas portugueses aceitaram a oferta de 7,1 bilhões de euros pela venda de 50% da holding Brasilcel, que controla 60% da Vivo, o governo português, por meio do primeiro-ministro, José Sócrates, fez uso das chamadas ações preferenciais e disse não à negociação. Porém, a mais alta Corte do bloco europeu considerou que o Estado lusitano, ao fazer uso dos direitos especiais, descumpriu as obrigações sobre a livre-circulação de capitais na região.
De acordo com o órgão europeu, uma eventual recusa por parte do Estado em aprovar uma decisão importante para a sociedade pode fazer com que os acionistas de outras nações desistam de investir no mercado. ;Consideramos que o objetivo de garantir a segurança da disponibilidade da rede de telecomunicações em caso de crise, guerra ou terrorismo poderia justificar um obstáculo à livre-circulação de capitais. No entanto, esses casos estão descartados;, afirmou o Tribunal de Justiça.
Segundo o coordenador dos programas de pós-graduação em direito do Insper, André Camargo, o Estado português tinha o direito de usar o poder de veto, mas como faz parte da União Europeia, precisava avaliar a dimensão que a medida alcançaria. ;Todos os países que compõem o grupo devem pensar nos interesses dos demais membros, não só nos dele;, lembrou.
Logo após a decisão, o ministro da Presidência de Portugal, Pedro Silva Pereira, declarou que o governo vai acatar a determinação da União Europeia. ;Queria sublinhar que se abre aqui uma nova fase do processo. Agora, o governo irá procurar as soluções que permitam o integral respeito ao direito comunitário, mas sem deixar de proteger os interesses nacionais;, ponderou. Caso a Comissão Europeia veja desrespeito à decisão, poderá recorrer ao tribunal e pedir a aplicação de sanções ao país.
O presidente executivo da Portugal Telecom, Zeinal Bava, disse que sua empresa e a Telefônica pretendem continuar negociando a melhor saída em relação à Vivo. Depois, se a venda se concretizar, o interesse do grupo português é continuar atuando no país, dessa vez negociando uma possível participação em outra companhia brasileira, no caso, a Oi.
Sobrevivência
A disputa ibérica, que já levou a Telefônica a aumentar duas vezes a oferta de compra na participação da Portugal Telecom na Vivo ; e indicou um ágio, até o momento, de 115% ;, tem um caráter de sobrevivência para os espanhóis, já que consideram o Brasil um mercado estratégico. Atualmente, os espanhóis exploram serviços de telefonia fixa somente na região de São Paulo e não contam com os rendimentos diretos dos serviços móveis, que abocanham, a cada dia, fatias do mercado de telefonia.
Para o analista de telecomunicações da consultoria IDC, Samuel Rodrigues, o elemento impulsionador dessa disputa é a necessidade que as operadoras no Brasil têm de ganhar escala e ampliar as receitas. A saída para isso é justamente a oferta de serviços convergentes, como banda larga (fixa e móvel), telefonia (fixa e móvel) e TV por assinatura. ;Apesar de a Telefônica já atuar em uma praça importante, é essencial que ela consiga adquirir a Vivo para poder fazer frente a outros grupos concorrentes, expandindo a participação geográfica e aumentando a oferta de serviços;, avaliou.
Para Rodrigues, ao adquirir o controle da Vivo, a Telefônica terá, finalmente, a possibilidade de incrementar as receitas no país. ;Trata-se de um fator- chave para o posicionamento frente ao mercado, e eles (os espanhóis) sabem disso.; Diante do crescimento dos rendimentos de celulares e serviços de dados no país, a preocupação em atuar em outros segmentos está diretamente relacionada à retração das receitas da telefonia fixa. ;A receita dos serviços fixos tem sofrido bastante pressão. Por isso, é importante ter uma perna móvel para compensar;, disse o diretor da consultoria Pricewaterhouse Cooper, Anderson Ramires.
1 - Ações de ouro
Criadas na década de 1980 na Inglaterra, quando teve início o processo de desestatização em setores considerados estratégicos ; como energia elétrica, telecomunicações e mineração ;, as golden shares (ou ações de ouro) têm como função conferir ao poder público uma participação na estrutura societária de uma empresa privada. Dá a seu proprietário uma série de prerrogativas, como o poder de veto em assuntos sensíveis.