Vânia Cristino/ Especial Estado de Minas
postado em 11/07/2010 08:25
Durante os últimos dois anos, os investidores foram complacentes com o Brasil, apesar da gastança desenfreada do governo, criando gastos permanentes e obrigando a sociedade a arcar com uma carga de impostos cada vez mais pesada. Mas, às vésperas das eleições das quais sairá o sucessor do presidente Lula, o sinal de alerta foi ligado. É cada vez maior a gritaria contra a irresponsabilidade fiscal comandada pelo Palácio do Planalto e pelo Congresso, que, de olho apenas nas urnas, estão concedendo reajustes exorbitantes a servidores públicos e a aposentados e pensionistas. Na visão de Cristiano Souza, economista do banco espanhol Santander, não é segredo para ninguém que, no Brasil, os tributos pagos pela população são mal aplicados. Mas o que se vê agora está às portas do exagero. O resultado disso, afirma ele, será menor crescimento econômico nos próximos anos. Para frear à farra fiscal e controlar a inflação originária dela, o Banco Central está sendo obrigado a dar um tranco na atividade por meio do aumento da taxa básica de juros. Daqui a pouco mais de uma semana, o Comitê de Política Monetária (Copom) promoverá a terceira alta da Selic, muito provavelmente de 0,75 ponto percentual, para 11% ao ano. O BC está fazendo sozinho o trabalho de manter a estabilidade conquistada a muito custo. Para Souza, em vez de direcionar recursos a investimentos em infraestrutura e educação, o governo está se comprometendo com despesas pouco produtivas. O resultado disso, acrescenta, será condenar o país a taxas de expansão de, no máximo, 4,5% ao ano. No entender do economista, o próximo presidente da República terá de virar o jogo, ou será obrigado a lidar com a falta de energia elétrica, de estradas, de portos e de mão de obra qualificada. Será um retrocesso para um país que está a um passo de se transformar em potência. Veja os principais trechos da entrevista que Souza concedeu ao Correio Braziliense.Brasil está sob ameaça fiscal
Os indicadores mais recentes de inflação mostram que a disparada de preços do primeiro semestre ficou para trás. O ritmo de atividade também aponta sinais de acomodação. O Banco Central ainda continuará com a mão pesada sobre os juros?
Tudo indica que a taxa Selic aumentará 0,75 ponto percentual neste mês e avançará até 12,75% no fim do ano. Apesar da melhora da inflação e do ritmo menor de crescimento, o avanço da economia continua forte. A tendência é de, aos poucos, à medida que indicadores mais benignos forem se confirmando, o BC diminua gradualmente o percentual de alta dos juros.
O ciclo de crescimento que estamos vivendo é sustentado ou pode ser abortado, frustrando mais uma vez o país?
Mantido o cenário como está ; e isso significa não ter nenhum calote de países europeus e não ocorrer uma segunda rodada de crise bancária mundo afora ; vamos continuar crescendo em um nível próximo de 4,5%. Infelizmente, não podemos crescer mais do que 4% a 4,5% ao ano por um tempo mais prolongado sem acelerar a inflação. Isso só será possível depois que o país ampliar de forma substancial os investimentos produtivos. Infelizmente, ainda não vemos os desembolsos necessários nem por parte do governo, para ampliar e melhorar a infraestrutura, nem do lado do setor privado, que se ressente de um melhor ambiente para negócios. Também há, no curto prazo, incertezas no exterior, dadas às dificuldades das economias desenvolvidas de se recuperarem das recentes crises.
Crescimento limitado a 4,5% ao ano não é pouco para as necessidade do país, ainda com tantas desigualdades sociais?
Não vejo 4,5% como uma coisa negativa. Gostaria que fosse mais, só que não dá. Se começarmos a passar desse patamar, veremos maior pressão inflacionária. Não concordo que podemos ter um pouquinho mais de inflação em troca de um pouquinho mais de crescimento. Aí já é demais. Inflação a gente sabe como é. Já vivemos isso no passado. Inflação fica e acelera. Tem início a incerteza em relação ao investimento, ao crédito. Não podemos tolerar inflação alta.
Então o crescimento deste ano, entre 7% e 8%, é um ponto fora da curva? Não se sustenta ao longo dos anos?
O que precisamos no Brasil, para crescer mais, é mais investimentos. Principalmente em infraestrutura e educação. Isso resolveria grande parte do problema. Nem precisamos de grandes reformas, até coisas simples resolvem. Uma microrreforma, por exemplo. O presidente Lula fez, no primeiro mandato, coisas pequenas, mas que ajudaram muito. A alienação fiduciária provocou um boom nos mercados de crédito e de imóveis, pois deu segurança aos bancos para emprestar. Reformas política, previdenciária e tributária são demoradas e complicadas. Agora, mais investimento público atrai mais investimento privado. Ninguém vai investir se não tiver, por exemplo, a garantia de que terá energia elétrica. O que aconteceu em 2001 (apagão) pode acontecer de novo. Se crescermos 7,8 % todo ano (essa é a projeção do Santander para 2010) faltará energia, estrada, portos e mão de obra qualificada. Esse tipo de coisa o governo tem que atacar.
Mas como fazer isso se o país não tem poupança? O governo gasta demais e a dependência por recursos externos só aumenta. Não é um perigo?
Não acho que receber poupança externas seja um perigo. O que é preciso é um limite. Não podemos ficar com um deficit elevado em transações correntes com o exterior por muito tempo. Temos que mesclar poupança interna com externa. Se o deficit em transações correntes subir demais, chegar a, por exemplo, 5% do PIB, temos que ficar torcendo para o mundo acreditar que temos condições de financiá-lo. Nossa previsão é de deficit de US$ 60 bilhões neste ano, um valor alto, mas ainda administrável. O resumo desse quadro é o seguinte: como não há poupança interna porque os brasileiros consomem muito e não dá para depender de um deficit externo muito alto por um longo período, sobra um único agente: o governo, que tem deixar de gastar tanto e poupar para atrair o investimento privado.
O crescimento econômico menor do mundo não diminui o fluxo de recursos externos para o Brasil? Quais os riscos para o país se houver escassez de capitais? Em junho, saíram US$ 4,2 bilhões do país, nível comparado ao do período mais grave da crise mundial, no fim de 2008.
Com certeza, o avanço menor da economia global diminui um pouco a movimentação de capitais. Mas, como o Brasil segue crescendo acima da média mundial, sem descontroles macroeconômicos, continuaremos atraindo investimentos em uma proporção maior do que a maioria dos países. Temos um grande potencial de mercado, muita gente pode migrar das classes C e D para B, passando a consumir mais. Agora, as empresas vão precisar de fontes de financiamento para continuar bancando o aumento da produção. Então, é importante que o crédito externo para elas se mantenha firme. Crédito para o setor produtivo sempre é bem-vindo.
A política econômica brasileira está no caminho certo? Em muitos momentos, até mesmo o governo parece não se entender em torno dela.
O Ministério da Fazenda critica o Banco Central, que critica o BNDES...
Não há dúvidas de que a política macroeconômica, com câmbio flutuante, metas de inflação e superavit primário, tem dado resultados positivos para o Brasil. Com todo o cuidado, vamos comparar um pouco o momento atual com o período 1995 a 1998. Naquela época, o regime cambial tinha bandas fixadas pelo BC. Para manter as taxas do dólar era preciso mexer constantemente nos juros. Foi uma política necessária para a sustentação do Plano Real, para evitar os erros dos pacotes anteriores de estabilização, que, por falhas de concepção, traziam a inflação de volta. Para evitar esse tipo de problema, foi necessário manter um dólar desvalorizado ante o real por um tempo. Não foi errado. A discussão é se esse regime poderia ter sido mudado antes. Mas não vou entrar nessa questão. O que eu quero dizer é que, naquela época, o ajuste se dava pelos juros. Eles absorviam os choques externos. Se vinha uma crise ; e tivemos várias delas nos anos 1990 ; o governo jogava os juros para cima. Em um determinado momento não deu para segurar isso e mudamos para o câmbio flexível. Hoje, é esse sistema que absorve os choques externos. Os juros se mexem um pouco, mas para acertar a inflação O câmbio, em geral, é menos problemático para a atividade. Por isso, nos últimos anos, tivemos mais crescimento e m enos juros. Me parece uma boa política.
O país está próximo de uma eleição presidencial. Até agora, o mercado não deu demonstrações de insegurança com o que pode ocorrer a partir de 2011, quando o vencedor tomará posse? Trata-se de uma quadro muito diferente de 2002, quando a desconfiança foi enorme. O que mudou?
A tranquilidade do mercado está na consolidação da estabilidade. Não se espera nenhuma ruptura com o que está aí, seja quem for o próximo presidente da República. E não há porque ter mudanças radicais, seja com Dilma Rousseff, seja com José Serra. Poderemos ver, daqui por diante, até uma certa volatilidade do mercado. Mas nada parecido com o que vimos em 2002. Isso está descartado.
Recentes declarações de José Serra sobre o Banco Central criaram ruídos no mercado. Há, realmente, riscos de interferência política na condução dos juros?
Estou convencido de que, quando os integrantes do Copom (Comitê de Política Monetária) se reúnem para discutir o nível da taxa de juros, olham para o que está acontecendo na economia, para as projeções, para os modelos definidos pelo BC. As decisões são tomadas em cima disso, de forma técnica. Todos podem reclamar. Mas é a credibilidade da política monetária e o regime consistente de metas de inflação que dão segurança para todo mundo.
E o superavit primário? Nos últimos meses, de olho nas eleições, governo e Congresso fizeram muitas estripulias aumentando gastos permanentes, com servidores e aposentados. O senhor vê risco fiscal se desenhando no horizonte? O próximo presidente terá que aumentar a economia para o pagamento de juros da dívida para recuperar a credibilidade das contas públicas?
Não vejo necessidade de aumento da meta de superavit. Os 3,3% do Produto Interno Bruto (previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias, LDO, aprovada pelo Legislativo) são suficientes para manter as contas públicas sob controle e para derrubar a relação entre a dívida e o PIB. Agora, o governo precisa dar mais transparência ao superavit. Nos últimos tempos, a economia foi feita com receitas extraordinárias, sem consistência. Há, ainda, a questão dos abatimentos na meta. Desconta-se tudo de uma forma não muito clara. O cumprimento da meta fiscal é vital para a manutenção da estabilidade econômica do país, pois garante o crescimento sustentado a longo prazo. Portanto, o governo deve manter o comprometimento com o ajuste fiscal. Abrir mão dele seria um retrocesso perigoso.