Marcone Gonçalves
postado em 12/07/2010 07:46
O economista Daniel Augusto da Costa preside um órgão pouco conhecido do grande público, o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, que, mensalmente, julga processos relacionados a crimes financeiros. Mas que ninguém duvide da disposição do chamado ;Conselhinho;, criado em 1985, de mexer onde mais dói naqueles que insistem em transgredir a lei em busca do lucro fácil: o bolso. Que o diga o empresário Daniel Birmann, dono do Banco Arbi. Por ter comandando uma série de operações irregulares, nas quais era o principal beneficiado, ele foi condenado a pagar R$ 81 milhões em multas. Com o Flamengo, o time de futebol de maior torcida do país, não foi diferente. O clube terá que desembolsar R$ 13 milhões por fraudes na exportação de jogadores. Apesar jogo duro com os fora da lei do mercado, Costa reconhece que a punição aos integrantes do mundo das finanças que desrespeitam as normas deveria ser mais ágil. Para que isso aconteça, faz duas sugestões. Primeiro: que o Conselhinho se transforme em um Conselhão, concentrando todo o poder para avaliar processos oriundos do Banco Central, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), da Superintendência de Seguros Privados (Susep), do Conselho Administrativo de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e da Previc, que regula e fiscaliza os fundos de pensão. Para ele, hoje a dispersão das decisões só favorece os que cometem ilícitos, pois permite visões diferenciadas dentro do Estado. E mais: abre espaço para recursos que entulham a Justiça e protelam decisões. A segunda proposta está relacionada ao BC. No entender do presidente do Conselhinho, o banco deve ser autorizado a fechar acordos com fraudadores para o encerramento de processos, desde que paguem caro por isso. Essa porta já está aberta à CVM. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista de Daniel Costa concedida do Correio Braziliense.BC deve ser mais ágil nas punições
CONSELHÃO
Hoje, é possível, com base em um mesmo fato, abrir processos no Banco Central, no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), além do Judiciário. Isso permite uma disparidade de entendimentos e de divergências entre diferentes órgãos do Estado. Talvez seja interessante termos um único órgão centralizando todas as infrações administrativas em fase de recursos, para aumentar a segurança jurídica. Esse modelo já funciona na Inglaterra, onde um conselho trata de questões ligadas ao mercado financeiro, de capitais e segurador. Certamente, o país ganhará com o enxugamento da máquina e deixará de abarrotar o Judiciário. A idéia é criar um conselhão.
PRESSÃO POLÍTICA
Uma das primeiras recomendações que recebi ao assumir o Conselhinho foi trazê-lo do Banco Central para o Ministério da Fazenda. Há uma preocupação do governo, do mercado e do próprio BC de desatrelar o Conselho do banco e evitar especulações em torno das escolhas ou prioridades das pautas de julgamento. Isso não ocorre, mas é importante evitarmos. Também não há pressão política para atuarmos desta ou daquela forma. Nas pouquíssimas vezes em que fui chamado para conversar no ministério da Fazenda, dei informações sobre a audiência relacionada ao assunto em questão.
PILHAS DE PROCESSOS
O Conselho vem recebendo novas atribuições ao longo de sua história. Temos um estoque de 1,1 mil processos para serem julgados. De 1991 a 2000, era uma média de 22,6 recursos por mês. Neste ano, a média é de 90 recursos.
QUESTIONAMENTO
Não chega a 5% a quantidade das decisões e penas aplicadas pelo Conselho que são levadas ao Judiciário. Quando os punidos recorrem, não há discussão de mérito que anule a decisão, mas reformas, em função de questões formais, e interpretação sobre prescrição legal. Está previsto em lei que determinado fato tipificado como ilícito administrativo pode ser também ilícito penal. Ocorre que a Justiça, a despeito da decisão do Conselho, pode entender que não está comprovado o crime. Mas, na maioria dos casos, as decisões são similares.
DISTORÇÃO NO BC
O julgamento administrativo está muito mais consolidado no âmbito do mercado financeiro do que em outros setores da atividade econômica. Isso já está na origem do BC, que, ao longo dos anos, investiu muito mais em qualificação dos profissionais responsáveis pela supervisão, por ser o responsável pelo motor da economia, que é o sistema financeiro. No entanto, o grau de sintonia não é o mesmo quando comparamos o BC e a CVM. São formas diferentes de conduzir os processos. Enquanto na CVM já há uma cultura voltada para a decisão colegiada, no BC, ainda que existam delegações para a formação de comitê, há recursos para outras alçadas e, depois, o processo ainda é levado a um diretor. Embora esse diretor acerte na maior parte das vezes, ainda é uma só pessoa tomando a decisão.
RESPEITO MAIOR
O Conselho tem sua posição respeitada porque uma decisão colegiada é mais aceita, inclusive, pelo próprio condenado. Quando ele se depara com o julgamento formulado por integrantes dos setores público e privado, pensa: ;Poxa, vale à pena levar isso ao Judiciário?;. Dificilmente, pois sabe que não terá a especialização que o Conselho tem, nem o conhecimento técnico para a decisão adequada. Por isso, o Conselho é respeitado pelo mercado. Talvez seja esse um dos motivos de não aparecer tanto na mídia. Não há tanta divergência diante de um conjunto de temas áridos.
NÃO À CONTAMINAÇÃO
É importante efetivar a cobrança das multas aplicadas. Estamos sempre tentando acelerar os julgamentos. Pelo dispositivo legal, não se executa a pena enquanto o processo não for julgado em transitado no âmbito administrativo. Corremos contra o tempo. A celeridade nos julgamentos é necessária para que o mercado entenda que certas situações são inaceitáveis. Isso, sem caracterizar qualquer espécie de perseguição à pessoa condenada, mas para evitar que certas práticas e condutas sejam reiteradas, contaminando o mercado.
RISCO MORAL
É preciso evitar o risco moral. Alguns processos no Conselho acabaram demorando 20 anos, por causa do excesso de intervenções das partes. Enquanto não se limitar os recursos, continuaremos tendo situações como essa tanto no Judiciário quanto no Executivo. A CVM chegou a criar um processo com rito sumário para infrações até determinado patamar, no qual o superintendente julgava com possibilidade de recurso ao colegiado. Só que ainda sobrou um recurso ao Conselhinho. O que era para ser um rito sumário, ficou mais ordinário do que o ordinário, em que só tem dois graus de recursos.
DOR NO BOLSO
O termo de compromisso, equivalente ao termo de ajustamento de conduta do Ministério Público, pelo qual a CVM negocia o pagamento de determinadas quantias para encerrar processos por irregularidades no mercado de capitais, é fantástico. A máquina pública tem menos dispêndio. O custo de um processo é absurdo. Já instamos o BC a adotar o mesmo instrumento para o sistema financeiro, pois os benefícios são inegáveis: o sujeito não precisa reconhecer a culpa, a instituição não vai fazer representação e ainda vai educar o mercado. Com isso, o poder público atuará onde mais dói: o bolso. E não há risco de a condenação compensar a infração.
BANQUEIRO PRESO
A população tem uma visão equivocada do funcionamento do sistema financeiro. Quer ver um banqueiro preso e não considera relevante uma condenação de inabilitação. O Naji Nahas foi condenado pelo Conselhinho. O Cacciola foi condenado. Mas a população espera é ver a pessoa na cadeia. Porém, na tarefa de supervisionar o mercado, o Brasil está muito bem. É por isso que não entrou na crise mundial de 2008 como os países do Primeiro Mundo. Não há melhor resposta possível, e quem vive o mercado sabe que a supervisão é feita de forma adequada.
MAIS EDUCAÇÃO
Para resolver a insegurança e o medo das novas gerações, com relação às questões financeiras e aos investimentos em mercado de capitais, os governos federal, estaduais e municipais precisam dar educação ao povo. Sem educação, não há como saber como funcionam as autarquias do setor financeiro. É preciso aplicar mais recursos nessa área, o que resultará em aumento da poupança e dos investimentos. Precisamos difundir que temos uma adequada supervisão do sistema financeiro.
EVASÃO DE DIVISAS
O maior volume de irregularidades julgadas hoje pelo Conselho é de evasão de divisas por meio operações irregulares no câmbio. Por isso, há a discussão de se trazer para cá a competência de julgar as questões de lavagem de dinheiro, já que estão umbilicalmente ligadas à evasão de divisas.
SERVIDOR PUNIDO
O Conselhinho já condenou, sim, servidores públicos, inclusive alguns do BC, que atuaram como liquidantes e interventores em instituições financeiras que faliram. Foram ações dolosas, de pessoas que, mesmo com a melhor das intenções, escorregaram e ultrapassaram os limites da lei.