Economia

Brasil vive a desigualdade africana

Melhora geral da economia não foi suficiente para reduzir, de forma expressiva, o fosso que separa ricos e pobres

postado em 14/07/2010 07:48
A despeito das expressivas taxas de crescimento econômico nos últimos anos, do controle da inflação e da melhora do emprego e da renda, os avanços não foram capazes de reduzir substancialmente as endêmicas desigualdades entre pobres e ricos no Brasil. Levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base em informações de 1995 a 2008 ; ou seja, dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso e de seis anos da administração Lula ;, mostra que a diferença de renda entre o topo e a base da pirâmide caiu apenas 0,06 ponto percentual ; no Distrito Federal, o fosso que separa os extremos da população aumentou. O Índice Gini do país, que mede a distância social, passou, nesses 13 anos, de 0,60 para 0,54, nível ainda semelhante aos de nações africanas mais atrasadas.

Melhora geral da economia não foi suficiente para reduzir, de forma expressiva, o fosso que separa ricos e pobresOs estudiosos constataram, porém, que os horizontes são promissores. Mantido o atual ritmo de crescimento da economia ; o Brasil terá, em 2010, salto entre 7% e 8%, o maior em 24 anos ; e se houver investimentos maciços em educação e qualificação profissional, as perspectivas são de que o país elimine, até 2016, a miséria que ainda é motivo de repúdio. Atualmente, quase 20 milhões de brasileiros estão mergulhados na pobreza absoluta, o que estimula a violência e aumenta os desafios dos próximos governantes. Ou seja, o espaço para errar ficou menor.

Não é preciso ser nenhum expert para perceber que, sozinho, o crescimento econômico no Brasil não faz milagres. Segundo o Ipea, as regiões que mais se desenvolveram foram as que registraram os piores desempenhos nos quesitos distribuição de renda e ascensão social. A explicação: o baixo nível educacional, especialmente nas áreas metropolitanas, com grande concentração de pessoas vivendo com menos de um quarto do salário mínimo por mês, o que é caracterizado como pobreza extrema.

Pior imposto
No período pesquisado pelo Ipea, 13,1 milhões de brasileiros saíram de miséria, de zonas de conflito armado, e deixaram de fazer dos lixões seus supermercados e fonte de subsistência. Com isso, a participação dos miseráveis na população do país caiu de 20,9% para 10,5%. Em estados como Alagoas, no entanto, 32,3%, ou quase um terço dos habitantes, não tem nada a comemorar. Nem mesmo os programas sociais direcionados para a região Nordeste, onde 24,9% estão à margem da sociedade, foram suficientes para pôr fim às enormes desigualdades. Na Região Sul, com elevado nível de escolaridade, a pobreza extrema se restringe a 5,5% da população.

Diante desse quadro, o Brasil deveria se mirar em nações como o Japão e a Coreia do Sul, que investiram fortemente na educação e na qualificação para gerar riqueza e desenvolvimento. No Brasil, mesmo com quase 1,5 milhão de desempregados, muitas empresas estão sendo obrigadas a importar mão de obra e tecnologia para crescer, reflexo dos vergonhosos resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que deu nota 4,6 para a educação básica em 2009.

;O que determinará a pobreza e a competitividade econômica é a quantidade e a qualidade da educação;, afirma o economista Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV). Para ele, a estabilidade econômica ; a inflação é o pior imposto para os mais pobres ; contribuiu para a redução do índice de miséria de 35% para 28% da população quando o Plano Real foi editado, em 1994. ;Agora, é hora de aproveitar a estabilidade para alongar os horizontes e priorizar a educação;, aconselha.

Concentração

Até mesmo o Brasil, que vem se expandindo a taxas chinesas, o Nordeste, a disparidade de renda entre mais ricos e pobres resiste a cair. Maranhão, Piauí e Ceará, estados que, em 1995, tinham mais da metade da população na miséria absoluta, continuam com contigentes elevados de pessoas sem condições de comer todos os dias. ;Possivelmente, o que se viu foi um crescimento econômico concentrado em segmentos que geram pouco emprego e quase nenhum impacto em desconcentração de renda;, pondera o presidente do Ipea, Marcio Pochmann. Quer dizer: além de serem escassos, os empregos na região pagam mal ou não oferecem proteção social ; muitos deles são degradantes.

O Centro-Oeste e o Norte também refletem de maneira gritante as desigualdades. Apesar da forte expansão econômica, a pobreza resistiu. ;É preciso ter redução de impostos para os pobres. Precisamos de uma coordenação que defina metas para a redução da miséria e integre toda a sociedade no combate a esse problema;, sugere Pochmann. O Sul e o Sudeste, por outro lado, cresceram pouco economicamente, mas registraram ascensão social elevada. Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, diminuíram a pobreza extrema em quase 60% em 13 anos. ;Nesse locais, há outros aspectos sendo considerados, como a organização da sociedade e a descentralização da economia. As empresas estão espalhadas por várias áreas e são de diversos segmentos;, explica o presidente do Ipea.

Um Chile em seis anos

Com a perspectiva de continuado crescimento do Brasil nos próximos anos ; os analistas falam em taxas médias anuais de 5% ;, tudo indica que 20 milhões de pessoas, hoje na miséria absoluta, migrarão para as classes C e D até 2016. A se confirmar tal previsão, será como criar um país de consumidores do tamanho do Chile.

Na avaliação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os primeiros estados brasileiros a se livrarem de vez da pobreza extrema serão Paraná e Santa Catarina: em 2012. Já o Distrito Federal, com o maior nível de desigualdade de renda do país, será um dos últimos a apagar tal mácula ; 2015. Antes disso, em 2013, Goiás, Espírito Santo e Minas Gerais terão feito história.

;Apenas entre 2003 e 2008, cerca de 19 milhões de pessoas saíram da miséria. Isso representa queda de 43%, e os indicadores continuam melhorando;, afirma o economista Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV).

;A variável mais importante nisso tudo é a escolaridade da população, e temos observado o aumento da qualidade da educação;, explica. Segundo ele, o país passou a ter mais escolas e, mesmo a passos lentos, a educação tem melhorado.

O presidente do Ipea, Marcio Pochmann, diz que o cronograma traçado para o fim da miséria no Brasil é ;apenas uma projeção;. A seu ver, é preciso que todas as variáveis que possam influenciar o desempenho dos estados sejam positivas do ponto de vista econômico e social. ;Todas as unidades da Federação precisam gerar emprego com proteção social, educar a população e qualificar para o mercado de trabalho, além de desconcentrar renda;, afirma.

A tendência é de que São Paulo e Mato Grosso deixem a miséria no passado em 2014. Nos dois anos seguinte, todos os estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste deverão completar o ciclo.

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