Jornal Correio Braziliense

Economia

No DF, servidor acentua diferença

Graças aos vencimentos de funcionários públicos, a capital é a única região do Brasil a registrar alta na concentração de rendimentos

Os expressivos ganhos salariais do funcionalismo público têm aprofundado o fosso que separa os ricos dos pobres no Distrito Federal. A capital federal foi a única unidade da Federação a registrar crescimento no índice que mede a desigualdade de renda. Entre 1995 e 2008, a taxa avançou de 0,58 para 0,62 ; quanto mais próximo de 1, maior a disparidade entre classes sociais na região. O desempenho candango é comparado apenas ao do sertão nordestino nos anos 1980 e 1990. O local idealizado por Oscar Nyemeier e Juscelino Kubitscheck para a realização de sonhos é onde há a maior dificuldade para redução da miséria no país.

O mérito da capital é ter um dos Produtos Internos Brutos (PIB, soma de todas as riquezas nacionais) com maior crescimento. Os avanços são atribuídos principalmente aos rendimentos de servidores públicos, que representam cerca de 50% da renda da cidade. Em seguida, comércio e indústria respectivamente despontam como impulsionadores da economia local, setores que são movidos pelo dinheiro de ricos e pobres. Ainda assim, por falta de investimento em educação e uma dinâmica econômica que descentralize a renda, a cidade será uma das ultimas a zerar os níveis de pobreza. ;O Distrito Federal é um caso singular. É o único que aumentou a desigualdade. Foi um dos menores desempenhos em redução da pobreza. Aparentemente, é um modelos de expansão econômica concentrador de renda;, disse Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Em setores
A cidade também é dividida em setores, que são considerados ricas ou pobres. O empresário Antônio Rocha, 53 anos, é morador da parte nobre. Como empreendedor, gera emprego e renda e é representante de um dos segmentos que impulsiona a economia local, a indústria. Dos cinco filhos, dois têm curso superior, dois estudam em faculdade particular e o mais novo está no ensino médio, também em escola privada. Acredita na educação como forma de ascender socialmente. Integrante da classe A da cidade, Rocha começou na vida empresarial aos 19 anos, como representante comercial de uma empresa do ramo eletrônico. Na época, não imaginava poder chegar ao topo da pirâmide social candanga. No início dos anos 1990, mudou a área de atuação para ter a própria empresa de construção civil e hoje preside a Federação das Indústrias (Fibra-DF).

O desempregado Delcio Pereira da Silva, 36 anos, vive na outra extremidade da pirâmide social. O homem mora com a esposa Sandra Gonçalves da Silva, 42, e mais três filhos em um lote na região mais pobre das quadras QR de Samambaia. O terreno foi presenteado pelo governo local depois de 14 anos de espera na lista de inscritos na Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (Codhab). Apesar de viverem no local há mais de um ano, a casa ainda não está pronta por falta de dinheiro para concluir a obra. Seus cinco moradores convivem em três cômodos: quarto, cozinha e banheiro. O patrimônio inclui ainda uma TV, uma geladeira e um fogão. Telefone, só celular pré-pago. A água é encanada, mas a moradia é desprovida de esgoto tratado.

Poeira e lama
A renda total da família raramente ultrapassa um salário mínimo e varia a cada mês, vinda de bicos e do salão de beleza que Sandra improvisou em frende de casa. ;O que mais falta por aqui é asfalto;, realtou. Todas as ruas da quadra próximas são de terra. Durante a seca, os moradores convivem com a poeira; quando chove, com a lama. Além do salão de beleza, a família começou a construir uma loja no lote onde vive. De acordo com Sandra, a ideia é o espaço virar uma mercearia, mas antes será alugado para levantar os recursos para o investimento. ;A gente vai construindo aos poucos. Quando entra um dinheirinho, compramos um saco de cimento;, explicou. Em 2016, marido e mulher esperam ser parte dos 20 milhões de brasileiros que chegaram às classes C e D.

; Baixa renda infla comércio
Vânia Cristino

A despeito do crescimento na desigualdade da distribuição da renda no Distrito Federal, os pequenos comerciantes, como Francisco Fernandes, dono de uma panificadora na QNR de Ceilândia, dependem cada vez mais das classes C, D e E para impulsionar suas vendas. O movimento é sempre maior a partir da segunda quinzena de cada mês, período em que os moradores das proximidades recebem o auxílio do Programa Bolsa Família. ;O que mais vendo são ovos. São pelo menos 720 por semana;, disse. A procura também é grande por itens mais baratos, como pães, arroz e fubá. Esses alimentos, aliados às venda de televisores por conta da Copa do Mundo, foram decisivos para aquecer o comércio em maio.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o volume de vendas do varejo no país subiu 1,4% no mês passado, depois de cair 3,1% em abril. O avanço ficou dentro do que esperavam os analistas de mercado, que calcularam uma alta entre 1,2% e 2,6%. ;É um sinal de que estamos migrando para um ritmo de crescimento menos intenso, mas também mais sustentável;, observou o economista chefe do Banco Schahin, Sílvio Campos Neto. Sem boa parte dos incentivos fiscais que vigoraram no primeiro trimestre do ano, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para carros e eletrodomésticos, um certo arrefecimento das vendas era dado como certo.

Fumo e bebida
A Confederação Nacional do Comércio (CNC) não considera o avanço de 1,4% ruim. Anualizado, esse percentual aproxima-se dos 18%, praticamente o dobro do melhor desempenho apresentado pelo setor, que foi de 9,7% em 2007. ;Nossa expectativa para o ano é de um crescimento de 10,9%;, divulgou o economista da entidade, Fábio Bentes. Segundo ele, o crescimento das vendas no acumulado do ano já chegou a 11,5%. Para atingir os 10,9% estimados, o percentual terá que cair. Segundo o IBGE, as vendas de produtos alimentícios, bebidas e fumo em hipermercados influenciaram o desempenho do comércio em maio. Nesse segmento, o volume de produtos comercializados cresceu 8,2% sobre igual mês do ano anterior. (Colaborou Gustavo Henrique Braga)

; Ascensão dos pobres
Diana e os filhos Caio e Lorrana: ;as coisas melhoraram; nos últimos anos

A família da dona de casa Diana de Almeida Nery, 32 anos, moradora da Estrutural, vive em um barraco improvisado de um único cômodo. O espaço é dividido com o marido e o casal de filhos, Bruna Lorrana, 6 anos, e Caio Serra, 8. ;Nossa estada aqui é provisória. Estamos construindo uma casa aqui perto;, revelou. O barraco atual é equipado com geladeira, fogão, televisão e máquina de lavar. O único telefone da casa é um celular pré-pago. Tudo foi conquistado com a renda de um salário mínimo que o pai das crianças recebe pelo trabalho como segurança.

As compras do mês são feitas de uma vez só, no supermercado, assim que chega o salário. ;O que mais incomoda aqui é o lixão. Esses dias, pegou fogo lá e o cheiro estava insuportável. Até passei mal;, desabafou Diana. Ela diz que ;as coisas melhoraram; nos últimos anos: a rua em que mora e já não é de terra. Mas as morosas obras do esgoto ainda não conseguiram eliminar um outro desagradável problema do lugar. ;Muita gente joga (o esgoto)na rua. Já teve até briga de vizinho por causa disso. É ruim, porque a gente escorrega e tem que andar no meio dessa água.;

Leandro Cândido, 26 anos, também morador da Estrutural, trabalhou desde os 8 anos como catador. Há três meses, contudo, conseguiu o primeiro emprego como fiscal de piso no lixão, o que lhe garante uma renda de um salário mínimo para sustentar esposa e filha. ;Ganho menos, mas vale a pena pela estabilidade. Agora, tenho todos os direitos trabalhistas;, resumiu. O operário, que estudou até a quinta série do Ensino Fundamental, vive com a família em um barraco com sala, banheiro e dois quartos. (GHB)