Economia

R$ 1.964 por brasileiro em seis meses

A arrecadação federal bate mais um recorde no primeiro semestre, mas o espaço para a continuidade dos bons resultados diminui

postado em 16/07/2010 08:23
O governo arrancou exatos R$ 1.964 do bolso de cada um dos 193,2 milhões de brasileiros, mesmo dos recém-nascidos, nos primeiros seis meses do ano. Mais uma vez, o valor é recorde. A arrecadação federal chegou ao volume inédito de R$ 379,491 bilhões no semestre, 12,48% superior ao mesmo período do ano passado. O montante engloba os tributos cobrados diretamente dos trabalhadores, como o Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), e os indiretos, embutidos nos preços dos serviços e produtos comprados pelos consumidores. Para o trabalhador que recebe um salário mínimo, o valor seria equivalente à entrega de praticamente quatro meses de esforços profissionais para saciar a fome do Leão.

No mês passado, o recolhimento de impostos também registrou recorde para junho, ao somar R$ 61,488 bilhões, numa alta real de 8,54% sobre idêntico período de 2009, já descontada a inflação. De acordo com o coordenador-geral de Estudos, Previsão e Análise da Receita Federal, Victor Lampert, a arrecadação mensal, quando comparada com períodos equivalentes de 2009, vem acompanhando a evolução da economia. ;Tem tido uma boa aderência aos indicadores econômicos;, afirmou. Segundo ele, os fatores que mais ocasionaram impacto nas receitas foram a evolução da produção industrial e o aumento das vendas e da massa salarial.

A arrecadação federal bate mais um recorde no primeiro semestre, mas o espaço para a continuidade dos bons resultados diminuiO espaço para continuar obtendo taxas de crescimento mensais expressivas, capazes de sustentar a gastança da máquina pública, no entanto, vem diminuindo gradativamente. A magnitude da expansão mensal das receitas administradas(1), comparada com o mesmo mês do ano anterior, desacelerou de 12,27% em janeiro para 8,65%. Para o tributarista Jorge Lobão, do Centro de Orientação Fiscal (Cenofisco), o encurtamento do fôlego vem de uma base deprimida registrada no início de 2009, mas que se recuperou ao longo do ano. ;A leitura pode ser feita assim: se você tem um parâmetro afetado de diferentes formas pela crise, é natural que o salto seja menor no decorrer do ano;, avaliou.

Pequena pausa
Lampert avalia que a desaceleração desses percentuais ainda não reflete de forma expressiva a acomodação da atividade, uma vez que os fatos geradores da arrecadação do mês passado ocorreram em maio. ;Na verdade, a pausa maior da economia aconteceu em junho. Esses números são decorrentes de fatos econômicos ocorridos em maio. Então, ainda não estão refletindo essa desaceleração do crescimento;, comentou.

De acordo com Lobão, os recordes registrados na arrecadação mensal e semestral resultam da combinação entre o crescimento da economia e a retirada de estímulos fiscais, como a redução da incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em bens de consumo duráveis. ;Não podemos deixar de lembrar que houve esse estímulo para as compras e muitos desses produtos foram financiados pelos consumidores, o que também gera uma arrecadação maior de impostos sobre as operações de crédito (IOF), além de aumentar os tributos ligados à produção e à venda;, comentou.

As receitas que lideraram a arrecadação no mês passado foram a previdenciária, com R$ 18,347 bilhões e a do Pis-Cofins, com R$ 14,455 bilhões. Esse último é influenciado principalmente pelas vendas no comércio. Os recolhimentos referentes ao Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) somaram R$ 2,163 bilhões. Em contrapartida, os valores do Imposto de Renda das empresas (IRPJ) e os da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) renderam aos cofres do governo, juntos, R$ 7,327 bilhões, montante R$ 1,664 bilhão menor do que o registrado no mesmo período de 2009.

1 - Controle direto
As receitas administradas são formadas pelos tributos recolhidos diretamente pela Receita Federal. Elas são a quase totalidade dos recursos que entram no orçamento fiscal do governo. Fazem parte desse grupo os impostos e as contribuições que mais afetam os brasileiros, como o Imposto de Renda, o IPI e o Pis-Cofins. Nessa conta, não entram as chamada ;demais receita;, como a do pagamento de royalties sobre a extração de petróleo.

Lei da mordaça na Receita
Envolvida em suspeitas de vazamento de informações fiscais sigilosas, a Receita Federal baixou, por ordem do próprio secretário da instituição, Otacílio Cartaxo, uma lei da mordaça sobre os funcionários. A preocupação de evitar declarações comprometedoras é tamanha que já afeta até mesmo o corpo técnico. Em entrevista concedida ontem para avaliar a arrecadação de junho, o coordenador de Estudos, Previsão e Análise, Victor Lampert, se recusou a comentar as projeções para o recolhimento de impostos, procedimento comum nesse tipo de encontro mensal, por orientação do chefe.

Indagado sobre se a arrecadação tende a ter crescimento menor, dado as informações acumuladas no primeiro semestre, Lampert foi taxativo. ;Isso já envolve previsão. Eu disse que não vou falar sobre projeção. O secretário me orientou a não fazer isso. Disse que minha competência para responder perguntas a respeito de arrecadação é com relação ao passado;, afirmou. Em clima tenso, ele ameaçou abandonar a entrevista e, por duas vezes, levantou-se com a intenção de deixar a sala, mas foi detido à porta pela assessoria de imprensa. Mesmo quando questionado sobre dados de 2008 e 2009, Lampert respondeu que não estava autorizado a falar.

;Vocês não estão satisfeitos com a pauta imposta, que não fui eu que decidi, que me foi colocada pelo secretário. Então, acho que deveriam se dirigir à assessoria para negociar com o secretário a abertura de outras coisas;, disse. O coordenador, que já foi apelidado de ;o Dunga da Receita;, por ser gaúcho e gostar de bater boca com a imprensa, como o ex-técnico da Seleção Brasileira, se recusou a comentar os dados da arrecadação para as câmeras de televisão, um ritual tradicional nos encontros ; Lampert está no cargo há três meses.

No início da noite, Otacílio Cartaxo telefonou para os repórteres para pedir desculpas pelo destempero de seu auxiliar. Ele afirmou que não aprova o comportamento do coordenador. O secretário negou que tivesse orientado Lampert a esconder determinadas informações. ;Tratava-se de uma matéria técnica. Que tipo de recomendação eu poderia fazer? Não entendo o que aconteceu;, afirmou. Diante da repercussão negativa, o secretário pensa em afastar o subordinado do contato mensal com os jornalistas. (GC)

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