Economia

Mão amiga ao empregado

Empresas investem em programas para ajudar a recuperar a saúde financeira dos funcionários atolados em dívidas e cheios de dúvidas

postado em 18/07/2010 09:38
A crescente oferta de crédito disponível no mercado ao longo dos últimos anos levou os brasileiros a se endividarem como nunca. Hoje, as famílias brasileiras devem cerca de R$ 70 bilhões. Dados mais recentes do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC)(1) mostram que o número de consultas aumentou 9,24% na comparação de junho com o mesmo período do ano passado. Enquanto a indústria comemora o crescimento da demanda, a população começa a sentir no bolso o peso do acúmulo de prestações, como a viagem das últimas férias ou o carro financiado em 60 parcelas. Mas a dor de cabeça não é só dos inadimplentes. Sob pressão emocional, essas pessoas têm maior dificuldade de concentração no ambiente de trabalho e, em grande escala, podem comprometer a produtividade das empresas onde atuam.

Com a proposta de prevenir esse problema e, ao mesmo tempo, fortalecer os laços de colaboração dentro do ambiente corporativo às organizações perceberam a importância do investimento em programas para resgatar a saúde financeira dos funcionários atolados em dívidas. O tratamento envolve, além do ensino de conceitos básicos em planejamento financeiro pessoal, atendimento com psicólogos, advogados e até assistentes sociais, em muitos casos, o descontrole nos gastos tem origem em problemas pessoais e familiares.

Segunda intenção
;Tudo que a empresa puder fazer para o desenvolvimento pessoal ou profissional do colaborador é muito bem recebido entre os empregados, que passam a se engajar mais no trabalho. O aumento na produtividade ajuda a equilibrar o investimento na educação financeira dessas pessoas. Além disso, a medida serve como fator de atração e retenção de talentos;, explica Nélio Bilate, coordenador do Núcleo de Estudos de Gestão Estratégica de Pessoas da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). O especialista alerta, entretanto, que é preciso cuidado para não tratar o funcionário como se fosse uma criança.

Segundo o professor, as medidas devem ser meramente educativas, sem assumir responsabilidades em nome do endividado. No Laboratório Sabin, todos os funcionários recebem, no primeiro dia de trabalho, uma cartilha com orientações sobre como usar o salário de forma saudável. Os empregados têm acesso ainda a uma linha de empréstimo consignado com juros abaixo do mercado e ao atendimento personalizado com o consultor financeiro da empresa e mais uma equipe composta por RH, economista e psicólogo. Desde pequenas dúvidas até os casos mais críticos, os consultores orientam o melhor caminho para o funcionário colocar as contas em dia. Quanto aos empréstimos, a liberação só ocorre mediante o cumprimento de algumas exigências e uma avaliação situacional das contas do funcionário.

A superintendente de Gestão de Recursos Humanos da empresa, Marly Vidal, relata que a ideia surgiu em 2008, a partir da percepção da realidade financeira de alguns colaboradores que chegavam ao setor de RH para fazer os pedidos do empréstimo consignado na instituição financeira que o Sabin tem parceria e também adiantamento de férias e 13;, porém sem consciência sobre o uso adequado desse recurso. ;Tivemos casos como o de um funcionário recém-contratado que pediu financiamento para compra de um carro em 48 prestações. Outra pessoa nos procurou porque pretendia assumir uma dívida de dois anos para fazer uma festa;, revela Marly.

Resultados visíveis
No Sabin, a consultoria pode ser feita a qualquer momento, por telefone ou presencialmente, sem custo. E os resultados já se refletiram na folha de benefícios. ;No início, os atendimentos a pessoas que buscavam escapar dos juros do cartão de crédito eram bem maiores. Hoje, os funcionários estão mais conscientes;, comenta Werley Antônio de Resende, autor da cartilha.

A Souza Cruz, por sua vez, optou por contratar uma empresa terceirizada para prestar a consultoria financeira aos cerca de 7,2 mil empregados, estendida também a mais de 12 mil dependentes. Na fabricante de cigarros, o combate ao endividamento dos colaboradores faz parte de um programa chamado Papo, cuja dinâmica consiste no oferecimento de um número telefônico que leva ao atendimento pelos consultores. A ligação pode ser feita a qualquer momento, com possibilidade de evoluir para atendimento presencial.

A empresa oferece também empréstimos com juros simbólicos de 0,01% ao mês. O acesso ao crédito, entretanto, deve passar por uma avaliação da real necessidade do funcionário e só é liberado em situações de vital importância. O recurso foi usado, por exemplo, pelos trabalhadores lotados em unidades do Paraná, atingidos pelas enchentes do início do ano. Segundo a gerente de Desenvolvimento Organizacional da Souza Cruz, Sabrina Cruz, pesquisas internas apontaram satisfação de 98% dos colaboradores. ;Além disso, todas as situações levadas ao Papo foram solucionadas;, comemora Sabrina.

O modelo de consultoria usado pela Brookfield Incorporações é semelhante ao da Souza Cruz, porém, a empresa não trabalha com oferecimento de empréstimos. ;Nosso foco é fazer o funcionário entender e se responsabilizar pela situação;, explica Lygia Villar, superintendente de Recursos Humanos da incorporadora. O programa da Brookfield é chamado Fique Bem e atendeu 219 funcionários desde 2009.

1 - Índice de inadimplência
O indicador SPC Brasil é apurado com base na média de consultas ao banco de dados em todo o Brasil. Atualmente, o cadastro de consumidores conta com banco de aproximadamente 150 milhões de CPFs, dentre os quais existem pessoas com débitos e também aquelas que apenas foram consultadas, mas que se encontram em dia com os seus compromissos financeiros. No acumulado do ano, as consultas ao SPC apresentaram crescimento de 7,88%.

Evento ajuda com o orçamento
Quem está endividado, mas não tem acesso à consultoria financeira dentro da empresa onde trabalha poderá recorrer à clínica financeira, que será oferecida durante a Expo Money, no Centro de Convenções Brasil 21. A clínica é um serviço em que as pessoas terão atendimento individual durante 30 minutos com os consultores do evento. Qualquer dúvida pode ser levada, desde como sair de uma dívida no cheque especial até onde investir o dinheiro acumulado.

A expectativa dos organizadores é atender entre 30 e 40 pessoas. Para aproveitar o tempo com os especialistas, é recomendável levar documentos como extratos bancários e de aplicações financeiras, bem como boletos de financiamentos contratados. Quem preferir, pode levar a família para participar do atendimento. Será a primeira vez que o projeto vem para Brasília, mas centenas de pessoas já foram atendidas em outras capitais por onde passou a Expo Money, como Rio, São Paulo e Recife.

;Em Brasília, devido à grande quantidade de funcionários públicos, a tendência é um maior volume de endividamento, já que os servidores têm mais facilidade para contratar financiamentos, o que pode levar a complicações;, comenta Raymundo Magliano Neto, consultor e um dos idealizadores do projeto. Magliano recomenda que 30% dos investimentos pessoais sejam direcionados para renda variável, como bolsa de valores, mas é preciso cuidado, porque o retorno vem só a longo prazo.

A Clínica Financeira também pode ser levada para dentro das empresas, com consultoria aos funcionários via internet. As inscrições podem ser feitas pela internet, ou presencialmente. (GHB)

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