postado em 28/07/2010 07:42
Um dia após o Banco Central (BC) anunciar o deficit de US$ 5,18 bilhões nas contas externas do país em junho, o maior valor mensal dos últimos 63 anos, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, convocou uma entrevista para minimizar os impactos do rombo. Para ele, o resultado negativo é uma consequência natural do crescimento da economia doméstica, num ano em que a maior parte dos países desenvolvidos prevê estagnação. ;A primeira causa do deficit é o sucesso do Brasil em relação a outros países. Sofremos menos com a crise e estamos aumentando mais as importações do que as exportações;, justificou, mostrando preocupação com a repercussão negativa da divulgação.O raciocínio de Mantega é baseado no fato de que, toda vez que a economia vai bem, é necessário aumentar as importações de produtos e insumos para a produção nacional. Apesar de aparentemente serem motivadas por fatores positivos, as compras externas acabam por desequilibrar a balança comercial. Atualmente, enquanto as vendas externas crescem ao ritmo de 26,5% no ano, os desembarques acumulam avanço de 44,7%. Isso reflete o aquecimento doméstico e uma dificuldade dos exportadores em colocar suas mercadorias nos mercados tradicionais. ;Nós temos mercado (interno) e ele continua crescendo, enquanto os mercados norte-americano e europeu não crescem;, avaliou.
Segundo o ministro, além das importações, o bom desempenho da economia acaba custando mais caro ao país, uma vez que também é preciso elevar a contratação de serviços de transporte e o aluguel de equipamentos usados, por exemplo, por empresas como a Petrobras. ;Claro que eu preferia que não houvesse, mas para evitar um deficit externo em ano de crise, só se crescermos 2% ao invés de 7%. Não vamos sacrificar crescimento para não ter deficit;, afirmou. No acumulado no semestre, o buraco chegou ao recorde de US$ 23,76 bilhões, equivalente ao triplo do registrado no mesmo período de 2009 e quase empatando com o saldo negativo de todo o ano passado (US$ 24,3 bilhões).
Ineficiência
Para o estrategista-chefe do Banco WestLB no Brasil, Roberto Padovani, é razoável atribuir o salto no deficit externo à expansão do país, mas o argumento, em sua opinião, esconde a ineficiência da economia doméstica em relação ao volume investido. ;O que foge ao debate é a incapacidade de promover crescimento sustentável;, destacou. Na avaliação de Padovani, o Brasil não tem nível de investimento suficiente para sustentar uma atividade maior sem elevar as importações. ;O deficit, em si, não é explosivo, mas mostra que o país pode crescer muito pouco por ano;, considerou.
Outro fator que contribui para a piora nas contas externas, segundo Mantega, é a valorização do real frente ao dólar. Ela diminui a competitividade das exportações e motiva as empresas a remeterem lucros e dividendos (1) das filiais nacionais às suas matrizes estrangeiras. O ministro descartou a adoção de novas medidas para reduzir o poder da moeda nacional e disse acreditar que o próprio mercado deve regular a taxa cambial.
;O estrangeiro tem um grande interesse pelo Brasil, tanto via investimentos, quanto por fluxo financeiro, o que aumenta a oferta de dólares para o mercado doméstico. Mas, a médio prazo, a tendência é de desvalorização do real;, estimou. A expectativa do ministro é de que o resultado negativo nas transações correntes desvalorize automaticamente o real. Nesse caso, o dólar mais forte deve favorecer o setor exportador e, ao mesmo tempo, desestimular o envio de lucros ao exterior.
1 - Remessas
O melhor desempenho do Brasil na crise levou filiais de multinacionais instaladas aqui a aumentarem o envio, para suas matrizes, de lucros e de dividendos. O valor de U$ 14,96 bilhões, resultado do lucro obtido pelas operações no país no primeiro semestre, ajudou as companhias estrangeiras a fecharem seus balanços e reforçarem seus caixas. Até o fim do ano, as remessas devem chegar a US$ 32 bilhões.
País capta no exterior
O Tesouro Nacional captou ontem US$ 750 milhões nos mercados europeu e norte-americano, com a reabertura do bônus da República Global 2021, com vencimento em janeiro daquele ano. O primeiro lançamento do papel foi realizado em abril, quando foram obtidos US$ 787,5 milhões em recursos estrangeiros.
A operação foi reaberta ontem pela menor taxa de juros já registrada para papéis denominados em dólares, 4,547% ao ano, o que significa que o governo terá que pagar aos investidores um retorno líquido menor. A emissão segue uma estratégia de melhorar o perfil da dívida externa do país. O bônus é considerado parâmetro para as captações das empresas brasileiras no mercado externo com o pagamento de encargos mais leves.
Com as duas etapas da operação, o montante total do Global 2021 circulando soma US$ 1,537 bilhão. O Tesouro pode estender a emissão em até US$ 75 milhões e deve divulgar o resultado final hoje.