postado em 31/07/2010 08:37
A Receita Federal está prestes a reconhecer a união entre casais do mesmo sexo, no que diz respeito à questão tributária. Um parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, aprovado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, permite aos contribuintes incluírem parceiros homossexuais como dependentes na declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física. O entendimento deve ser publicado na próxima semana no Diário Oficial da União e seguirá as mesmas regras utilizadas hoje para casais heterossexuais em situação reconhecida de união estável.
O parecer foi elaborado com base na consulta de uma servidora pública e segue uma tendência presente no Judiciário de reconhecer o direito de parceiros do mesmo sexo. Há 10 anos, o Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS) reconhece parceiros homossexuais como beneficiários na Previdência e concede a esses casais pensão em caso de morte ou auxílio-reclusão (quando um dos parceiros é preso). A norma é resultado de uma ação civil pública e exige, para a inclusão de dependentes "apenas a comprovação de vida em comum", como citado no texto.
Para o consultor tributário do Centro de Orientação Fiscal (Cenofisco), Jorge Lobão, a permissão para a declaração de renda em conjunto é uma evolução. "Não vejo porque não ser feito, é um avanço em matéria do direito", comentou. Em sua avaliação é natural que transformações que envolvam comportamentos sociais demorem a ser efetivadas. "A Receita está acompanhando a evolução da sociedade, mas nunca avança em relação a ela. É o comportamento dos cidadãos que dita as mudanças das normas", ponderou.
Um dos exemplos dessa evolução é a permissão para deduzir do Imposto de Renda gastos com crianças acolhidas por casais. "Há muito tempo, não era uma despesa considerada dedutível, o que acabava virando um grande empecilho ao acolhimento desses menores", explicou. O mesmo processo ocorre com o desconto de despesas educacionais, atualmente limitado pelo fisco. "Daqui a algum tempo, essa universalidade dos gastos com educação vai ser reconhecida, como foi com a saúde", afirmou.
No caso do INSS, a comprovação de vida conjunta é exigida por meio da apresentação de pelo menos três documentos, em uma lista de 16, na qual constam, por exemplo, conta bancária conjunta, prova de mesmo domicílio, apólice de seguro e escritura de compra de imóveis em conjunto. A concessão de benefícios é seguida por alguns fundos de previdência complementares, como a Fundação Real Grandeza. A instituição começou a reconhecer a dependência de companheiros homoafetivos a partir de 2002, desde que a união também seja comprovada pelo INSS.
Dedução
O leão permite que os contribuintes abatam no cálculo do Imposto de Renda os gastos com saúde sem qualquer limitação, uma vez que entende (com base na Constituição Federal) que essa é uma atribuição do Estado. Já os gastos com educação (direito básico garantido na mesma Constituição) só podem ser deduzidos até o limite de R$ 2.708,94.
Público exigente
A lenta transformação dos aspectos legais que envolvem o reconhecimento de casais homossexuais é impulsionada aos poucos pelos padrões de consumo desenvolvidos por esse público, segundo avaliação de especialistas. De acordo com o diretor-geral da consultoria GFK, Paulo Carramenha, a maior exposição dos parceiros homoafetivos faz com que a indústria identifique esse público como um segmento específico de mercado e crie produtos voltados para eles. Em contrapartida, a aceitação social é maior. "É um público mais exigente e detalhista, com alto poder aquisitivo. Quando as empresas identificam esse potencial e desenvolve produtos para eles, cria também um círculo virtuoso, no qual os homossexuais são mais vistos, mais aceitos e também consomem mais", afirmou.
Pesquisa
Em levantamento realizado recentemente, a GFK, especializada em pesquisas na área de consumo, identificou os produtos voltados para o público homossexual como uma das dez principais tendências para o mercado nos próximos anos. Além do alto poder aquisitivo, o público homoafetivo tem outras características que atraem as empresas. "É um público constituído em sua maioria de pessoas solteiras ou casais sem filhos, com muitas atividades. Isso os leva a buscar produtos e serviços que favoreçam a praticidade", explicou.
Para o consultor, o Brasil deve seguir a tendência de algumas cidades em que os serviços voltados para esse público são mais desenvolvidos. "Em Milão, podemos dizer que uma boa parte da economia é voltada para esse público. A mesma coisa deve ocorrer por aqui, iniciando em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro e espalhando para o restante do país, com o tempo", estimou.