postado em 01/08/2010 10:19
Maycon Teles, 23 anos, começou no emprego atual há pouco mais de uma semana. O universitário trabalha desde os 16 para custear a faculdade de administração de empresas e tem no currículo passagem por quatro lojas de roupas, sempre na função de vendedor. Mudou para melhor: agora, recebe 50% a mais e teve a carteira assinada, após dois anos de trabalho na informalidade. A legalização da atividade veio acompanhada da independência. O salário fixo lhe permitiu planejar gastos e comprovar a renda. Graças a isso, Teles conseguiu sair da casa da avó, em Patos de Minas (MG), para viver sozinho em um apartamento alugado no próprio nome, em Taguatinga.
"Agora, posso planejar o futuro sem depender de outras pessoas", comemora. Essa é uma realidade cada vez mais comum. Os bons ventos da economia permitiram um incremento, só no primeiro semestre, de 1,47 milhão de pessoas no contingente de trabalhadores com carteira assinada. Apesar da elevação dos juros, que contém a atividade, a estimativa é que essa expansão chegue a 2,5 milhões até dezembro, um recorde, segundo informações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Palloma Rodrigues Santos, 21 anos, aproveitou a onda de contratações e, há cerca de um mês, deixou a vida de free lancer para assumir o primeiro emprego com carteira assinada na mesma loja que contratou Maycon.
Ela pretende juntar dinheiro para fazer uma pós-graduação em moda e teve de distribuir o currículo escondida do pai, que tem planos de vê-la nos quadros do funcionalismo público. "Quando consegui o emprego no setor privado, ele entendeu. Agora que minha renda aumentou 80%, não quero depender dos meus pais para fazer a pós. Já sou bem grandinha para deixar esse custo sobre eles", diz. O reflexo na arrecadação causado pelas pessoas que saíram da informalidade é direto. As contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) registraram saldo recorde de R$ 5,8 bilhões de janeiro a junho, um crescimento 158,4% comparado ao mesmo período do ano passado.
Sem declaração
Contudo, é cedo para comemorar. De acordo com estimativas da Fundação Getulio Vargas (FGV), o volume financeiro movimentado no país sem qualquer declaração fiscal chega a R$ 578,4 bilhões, quantia superior ao Produto Interno Bruto (PIB) da Argentina. A economia subterrânea no Brasil representa cerca de 18,4% do PIB, contra uma média de 10% nos 30 países que compõem a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). É uma realidade que Uilson Alves Farias, 29 anos, conhece bem.
O ambulante, morador de Planaltina (GO), estudou até concluir o ensino fundamental. O baixo grau de escolaridade foi incapaz de lhe garantir uma boa posição no mercado de trabalho. Segundo ele, os únicos empregos com carteira assinada que encontra são para ganhar um salário mínimo, pouco para manter a mulher e a filha. A opção encontrada foi a de vender artesanato nas ruas. "Comecei adolescente, há 16 anos. Desde então, nunca parei. As dificuldades são muitas, mas prefiro assim. Na rua, consigo ganhar cerca de R$ 1 mil por mês", afirma. A maior das dificuldades citadas por Farias é o medo da fiscalização. Em quatro ocasiões, teve toda a mercadoria apreendida.
"Tem dias que ganho bem, outros não. Para todo lugar que vou, levo os produtos. Nunca paro de tentar vender, a não ser quando fico doente. Aí, fico sem dinheiro nenhum", queixa-se. O pesquisador da FGV Fernando Barbosa Filho alerta que a bonança dos tempos de crescimento econômico ajuda, mas, por si só, é insuficiente para levar o país aos níveis de informalidade das nações desenvolvidas. "Não dá para precisar quando, mas sem mudanças como a desburocratização das leis trabalhistas, a redução da economia subterrânea tem um limite", diz. Entre as maiores barreiras, estão ainda o peso e a má distribuição da carga tributária.
Burocracia
O diretor do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), André Franco Montoro Filho, também aponta a burocracia da legislação trabalhista como uma das amarras para o avanço da formalização. Mas reconhece os avanços dos últimos anos. As principais conquistas, segundo ele, foram as regulamentações do Microempreendedor Individual e do Simples Nacional (imposto único das pequenas empresas). "Muita coisa melhorou, mas a grande crítica a esses programas é a descontinuidade dos incentivos, que condena a empresa a se manter pequena."
Segundo Montoro, o baque que o pequeno empresário sente ao superar o teto de faturamento anual de R$ 2,4 milhões do Simples, e consequentemente, perder as facilidades fiscais, funciona como um incentivo à sonegação. "O mesmo ocorre com programas como o Bolsa Família. Quem recebe perde o direito se conseguir emprego formal. A pessoa é tentada a trabalhar sem carteira assinada para manter a assistência do governo. A melhor saída seria fazer essa transição de maneira suave", sugere.
Mas nem sempre o trabalho informal é uma opção. É também nas ruas que o vendedor de algodão doce José Teixeira, 50 anos, morador do Gama, ganha a vida. Há cinco anos, deixou a família em Paulo Afonso, no sertão baiano, para fugir sozinho da seca. No Nordeste, plantava feijão e mandioca, mas quando a chuva não vinha, perdia tudo. "Só sei fazer as coisas da roça, nunca estudei. Aí, fica difícil ser contratado", lamenta. A única aposentadoria que Teixeira imagina para si é voltar para a terra natal e viver do que o solo produzir.
A sócia da consultoria PricewaterhouseCoopers Elidie Bifano separa em duas frentes as amarras para a formalização dos postos de trabalho no Brasil: a burocracia nas leis trabalhistas e o alto custo dos encargos previdenciários. "A CLT é baseada em conceitos da década de 1940. Muita coisa mudou no mercado de trabalho e deixou a legislação completamente defasada diante da nova realidade." Elidie argumenta ainda que o custo dos encargos se reflete diretamente no preço final dos produtos, o que deixa as empresas brasileiras em desvantagem ao concorrer no mercado internacional.