A próxima quinta-feira será o Dia Nacional da Saúde. Porém, há pouco para se comemorar. Uma pesquisa elaborada pelo instituto Ipsos, em parceria com a Reuters, revela que 62% dos brasileiros desconfiam que teriam dificuldade para conseguir serviços de assistência de saúde com qualidade a preço acessível, caso um membro da família ficasse doente. Quando considerada a média de 22 países pesquisados, o temor cai, atingindo 52% dos entrevistados. O resultado veio para reafirmar o cenário de insatisfação com o setor no país. Pelo décimo ano consecutivo, as queixas referentes aos planos de saúde lideram o ranking de reclamações do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Os itens mais questionados são negativa de cobertura, reajustes abusivos e má prestação do serviço. Com relação ao preço, a própria Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é alvo de ações movidas pelo Idec e pelo Ministério Público, cobrando mais transparência quanto aos critérios adotados para definir os aumentos anuais. ;Apesar de autorizados pela agência reguladora, os reajustes pela forma como são determinados atualmente são abusivos. Não há transparência e são adotados de forma unilateral, com prejuízo para o consumidor;, criticou Juliana Ferreira, advogada do Idec.
A pesquisa, com mais de 23 mil entrevistados, mostra que japoneses (85%), húngaros (83%), russos (71%) e sul-coreanos (71%) são os mais inclinados a indicar que seria difícil para um membro muito doente da família conseguir serviços de assistência médica de qualidade a um preço acessível. Na outra ponta, os cidadãos que vivem na Suécia (75%), na Bélgica (70%), no Canadá (69%) e na Holanda (69%) são os mais inclinados a indicar que seria fácil consegui-lo. Dos pessimistas, 55% são mulheres e 33% têm menos de 35 anos. Com relação à renda, 56% estão na base da pirâmide social.
Para poucos
Informada sobre a pesquisa pela reportagem, logo após marcar uma consulta para o filho Diego Souza, 27 anos, a dona de casa Vera Lúcia de Souza, 63, não se surpreendeu com o resultado. ;Quando a pessoa tem dinheiro, tudo fica mais fácil, não é verdade?;, brincou. Contudo, Vera se considera uma privilegiada, já que o convênio que usa é subsidiado pelo emprego do marido.
Já o estudante Diego Oliveira Barbosa, 22 anos, viveu na prática as dificuldades impostas por um sistema de saúde caótico. ;Quem não tem como bancar um plano de saúde sempre passa por apuros em casos de necessidade médica. Quando precisei fazer uma cirurgia, passei seis meses na fila do SUS até desistir e pagar milhares de reais do próprio bolso em um hospital particular. Não tive escolha;, desabafou. Para Juliana, do Idec, um dos principais problemas hoje é a omissão da ANS quanto à regulamentação dos planos antigos, aqueles cujo contrato foi assinado antes da entrada em vigor da Lei n.; 9.656/98. A omissão, segundo ela, atinge também os planos coletivos.
O corretor de imóveis Francisco Damázio Filho, 48 anos, conta com seguro-saúde, mas reconhece que o gasto para obter um tratamento adequado é elevadíssimo. ;É inviável pagar uma internação em UTI com recursos do próprio bolso. A impressão que tenho é que o pré-requisito para conseguir atendimento pelo SUS é estar morrendo. Então, o jeito é arcar com o plano;, lamentou.
Fiscalização
A fim de criar regras claras para o processo de fiscalização quanto à atuação das operadoras de planos de saúde, a ANS publicou, na última quinta-feira, a Resolução Normativa n; 223, que dispõe sobre o programa
Olho Vivo. A norma reorganiza a agência para intensificar a fiscalização sobre as 39 maiores operadoras de planos de saúde médico-hospitalares e odontológicas do país, que juntas atendem a 50% do total de beneficiários da saúde suplementar. Segundo o órgão regulador, o projeto pode ser definido como o conjunto de ações para adequar as operadoras à legislação que regula o setor de saúde suplementar.
Procon é ignorado
Um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) constatou que 60% da população que recebe até dois salários mínimos desconhecem o Instituto de Defesa do Consumidor (Procon). Ironicamente, é exatamente essa parcela da população que eleva as taxas atuais de consumo. Dados do instituto de pesquisa Data Popular mostraram que, pela primeira vez neste ano, a massa de renda das famílias da classe D vai ultrapassar a da classe B. Na outra ponta, para quem ganha acima de dois salários mínimos, o percentual de respostas afirmando que conhecem ou já ouviram falar do órgão de defesa do consumidor varia entre 95% e 98%.
Mesmo entre as faixas de renda mais altas, onde o Procon é mais conhecido, apenas 19% dos entrevistados declararam já ter usado os seus serviços. Segundo Luciana Gross Cunha, coordenadora da pesquisa da FGV, quanto maior a renda e mais alta a escolaridade, maior a procura pelo instituto. Os moradores das capitais e das regiões metropolitanas também usam mais o serviço do que os moradores do interior. Enquanto nas regiões metropolitanas o índice de conhecimento é de 96%, no interior, cai para 90%.
Diferença
Em meio à falta de conscientização quanto aos próprios direitos, as famílias com ganho mensal entre R$ 511 e R$ 1.530 têm para gastar com produtos e serviços em 2010, segundo o Instituto Data Popular, R$ 381,2 bilhões, ou 28% da massa total de rendimentos de R$ 1,380 trilhão. Enquanto isso, a classe B, cuja renda varia de R$ 5.101 a R$ 10.200 por mês, vai ter R$ 329,5 bilhões à disposição. O maior potencial de compras ; R$ 427,6 bilhões ; está concentrado na classe C. A coordenadora da pesquisa afirma que, apesar do alto poder de compra quando considerada a massa salarial, sob o ponto de vista individual, o poder aquisitivo é o que faz a diferença quanto ao uso dos instrumentos de defesa do consumidor(1). ;Para questionar, é preciso ter acesso às mercadorias.;
Com exceção das pessoas que recebem até dois salários mínimos, quase a totalidade da população conhece o Procon. ;Isso é um sinal positivo e serve de alerta para as empresas saberem que, em caso de desrespeito aos direitos do consumidor, há um instituto sério para defendê-los;, comentou Luciana. (GHB)
1 - Alimentos com deflação
O Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S), da Fundação Getulio Vargas (FGV), encerrou o mês de julho com queda de 0,21%. De janeiro a julho, o IPC acumula alta de 3,42% e, nos últimos 12 meses, de 4,36%. A principal queda foi constatada nos itens alimentícios, com deflação de 1,19%, ante -0,94%, com destaque para as hortaliças e os legumes (de -7,59% para -8,84%).