Vânia Cristino/ Especial Estado de Minas
postado em 04/08/2010 08:15
Diante do caos criado pela Gol nos aeroportos de todo o país nos últimos dias, a companhia foi obrigada a apresentar à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) um plano de ação para tentar contornar um problema. Em uma reunião de emergência convocada pelo órgão regulador, a empresa comprometeu-se a remanejar cinco aeronaves Boeing 767, com capacidade para 230 passageiros e utilizadas em fretamentos, para a cobertura de sua malha. A frota atual da Gol conta com aeronaves de 140 a 178 lugares. Além disso, a aérea propôs a apresentar relatórios semanais sobre a quantidade de horas voadas por seus tripulantes e a ativar a antiga escala de trabalho ; uma das principais queixas dos funcionários, que não conseguiam registrar as horas extras a partir de um nova metodogia de registro.A Gol disse à Anac que o problema teve origem no mês passado, quando implantou uma atualização de seu sistema operacional, gerando dados incorretos que culminaram no planejamento inadequado da escala dos tripulantes. Por causa disso, foi obrigada a cancelar voos por causa do excesso de horas trabalhadas, o que criou um efeito cascata, fazendo com que o problema fosse sentido ainda ontem por quem desejava embarcar nas aeronaves da companhia. De acordo com dados da Infraero, até a noite de ontem, a empresa era responsável por cerca de um terço dos atrasos registrados no país. Dos 583 voos operados, 212 (36,4%) tiveram atrasos superiores a meia hora e 48 (8,2%) foram cancelados. Desde sábado, as decolagens após o prazo chegaram a 43,73% e os cancelamentos, a 10,45%.
Em nota, o Ministério da Defesa informou que o ministro Nelson Jobim demonstrou confiança nas ações tomadas pela agência reguladora e cobrou uma resposta positiva das companhias que atuam no setor. ;As empresas interessadas em usufruir do promissor mercado aéreo brasileiro precisarão também, cada vez mais, melhorar os seus serviços;, disse. No entanto, a situação pode não melhorar tão rapidamente. De acordo com o Sindicato Nacional dos Aeronautas, os trabalhadores da Gol, que reinvidicam outros direitos, poderão realizar uma paralisação no dia 13 de agosto, o que causaria uma nova onda de atrasos.
Reclamações
Somente na segunda-feira, primeiro dia da crise, cinco aeroportos do país que contam com juizados especiais registraram 84 reclamações, a maioria referente a problemas de demora e cancelamentos da Gol. Em Brasília, até ao fechamento desta edição, foram anotadas 23 queixas. O advogado Antônio Ricardo Farini, de 32 anos, teve que aguardar quatro horas para conseguir embarcar em Salvador com destino a Brasília. ;Durante todo esse tempo, ninguém deu informação alguma;, relatou Farini, que entrou com uma ação contra a companhia. ;Além do forte estresse, perdi vários compromissos de trabalho.;
Recém-chegado à cidade, o engenheiro Eric Augusto Coelho, de 29 anos, que mora na França, trouxe a esposa para conhecer o Brasil. No entanto, a impressão que ele levará do país não será das melhores. O casal teve que esperar três horas até conseguir embarcar de Fortaleza (CE) para o Distrito Federal. Irritado, Coelho se encaminhou até o juizado com a intenção de receber alguma possível indenização por parte da empresa aérea. Mas não teve sucesso. ;A única coisa que consegui receber, até agora, foi um voucher para alimentação;, reclamou.
Duopólio no mercado
De acordo com especialistas, a situação é uma amostra de como os usuários do serviço aéreo no país podem sair prejudicados num mercado onde as duas principais companhias do setor, Gol e TAM, dominam 83% dos voos domésticos. Como o Código Brasileiro de Aeronáutica não permite que marcas estrangeiras realizem transporte local, os consumidores ficam reféns do mau atendimento prestado pelas empresas nacionais que operam por aqui. ;Além da baixa concorrência, temos uma legislação que não se mostra eficiente e uma péssima infraestrutura. Isso não permite a entrada de novas empresas nos aeroportos mais movimentados por falta de espaço;, apontou o presidente da Consultoria LatinLink, Ruy Coutinho, que já dirigiu o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Ele lembrou, porém, que tramita no Congresso Nacional uma proposta que visa aumentar de 20% para 49% o limite de participação do capital estrangeiro nas empresas de transporte aéreo nacional. ;Assim, as companhias menores poderão ver a entrada de recursos internacionais, incrementando seus investimentos;, apoiou. As mudanças na legislação brasileira já foram aprovadas por uma comissão especial e devem ser levadas ao plenário até o fim deste mês.
Para o analista da consultoria Austin Rating Felipe Queiroz, a queda do duopólio aéreo só vai acontecer com o amadurecimento do próprio setor. ;A renovação da infraestrutura aeroportuária é extremamente importante, uma vez que há limitação no número de decolagens e pousos em determinados locais;, analisou. Em entrevista ao Correio, o presidente da Azul, David Neeleman, concordou que a saída para se evitar problemas como os desta semana é a Anac criar saídas que estimulem a competição. ;Abrir o mercado para novas empresas é a melhor maneira de aumentar a qualidade. Assim, quem prestar um mau serviço perde participação, o que obriga as empresas a melhorarem por uma questão de sobrevivência;, receitou.
Um céu, duas empresas
Juntas, Gol e Tam dominam 83% dos voos realizados dentro do país
Tam - 42,20%
Gol/Varig - 40,69%
Webjet - 6,24%
Azul - 5,43%
Aviança - 2,47%
Trip - 2,07%
Fonte: Anac/junho de 2010
Veja os seus direitos
Em vigor desde 13 de junho, a Resolução n.; 141 da Agência Nacional de Aviação amplia a proteção aos consumidores com problemas durante o embarque
Assistência material
Para os casos de atraso, cancelamento e overbooking, a empresa é obrigada a prestar assistência material, de acordo com o tempo de espera do usuário:
; A partir de 1 hora: facilidades de comunicação (internet ou telefone);
; A partir de 2 horas: alimentação adequada até o embarque
; A partir de 4 horas: acomodação em local adequado dentro do aeroporto ou hospedagem (quando necessária), com transporte do aeroporto ao local de acomodação.
Atraso de voo
Se a decolagem atrasar mais de quatro horas, a companhia aérea deve oferecer aos usuários as seguintes alternativas:
; reacomodação em outro voo da empresa;
; remarcação do voo para data e horário da conveniência do passageiro;
; reembolso integral, incluindo a tarifa de embarque.
Se o atraso ocorrer em aeroporto de escala ou de conexão, além da reacomodação e da remarcação, a empresa
deve oferecer as opções de:
; receber o reembolso integral e retornar ao aeroporto de origem;
; permanecer na localidade onde ocorreu a interrupção e receber o reembolso do(s) trecho(s) não voado(s);
; reacomodação em voo de outra empresa para o mesmo destino;
; concluir a viagem por outra modalidade de transporte como ônibus, taxi etc.
Cancelamento
; Reacomodação em outro voo da companhia aérea;
; reacomodação em voo de outra empresa para o mesmo destino;
; remarcação do voo para data e horário da preferência do usuário;
; reembolso integral.
Interrupção
Se a interrupção ocorrer em aeroporto de escala ou de conexão, além da reacomodação e da remarcação, a empresa deve oferecer as opções de:
; receber o reembolso integral e retornar ao aeroporto de origem;
; permanecer na localidade onde ocorreu a interrupção e receber o reembolso do(s) trecho(s) não voado(s);
; concluir a viagem por outra modalidade de transporte.
O que fazer?
Caso o passageiro quiser manifestar sua queixa pela má prestação de serviço de uma companhia aérea, ele tem três caminhos:
Anac
Pelo site www.anac.gov.br/faleanac ou no telefone
0800 725 4445 o usuário pode registrar sua queixa. Inspetores da agência apuram as informações e caso registre que as empresas aéreas não cumprem a Resolução n.; 141 podem aplicar multas que variam de R$ 4 a R$ 10 mil.
Procon
O consumidor também pode se queixar nos Procons estaduais pelo mau atendimento prestado pelas companhias. Neste caso, de posse do CPF, do RG e da passagem, o cliente registra a reclamação no órgão que, por sua vez, notifica a empresa. As multas podem variar de R$ 212 a R$ 3,1 milhões.
Juizados especiais
Os aeroportos de Congonhas e Cumbica, em São Paulo, Galeão e Santos Dumont, no Rio de Janeiro, Juscelino Kubitschek, em Brasília, contam com juizados especiais, onde funcionários dos Tribunais estaduais atendem os passageiros e convocam um representante da empresa aérea para uma conciliação. Não é preciso advogado.
Caso não haja acordo, o usuário sai do juizado com a data da primeira audiência marcada.