postado em 15/08/2010 10:39
A Casa Civil da Presidência da República rejeitou o pedido de anulação da retificação de decreto do então presidente Ernesto Geisel, em 1978, que teria resultado na redução a um terço dos valores pagos a servidores em programas de desligamento voluntário na década de 1990. Só no Banco do Brasil foram desligados cerca de 40 mil servidores. O pedido de anulação foi feito pela Associação Brasileira de Previdência (Abraprev), que estima em cerca de R$ 20 bilhões o prejuízo dos servidores. A Casa Civil reconheceu que o documento foi alterado, mas argumentou que não há ;como saber se a alteração ocorreu antes ou depois de o documento ser examinado e assinado pelo então presidente da República;. A Abrapev vai ingressar agora com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a anulação da retificação.A Casa Civil afirmou que a demora de mais de 30 anos para a formulação da queixa tornou bastante difícil avaliar a questão. ;Nenhum servidor que aqui trabalhava na época foi localizado, as autoridades que subscreveram os atos já faleceram e temos apenas a documentação existente no Arquivo Nacional. O que temos é ato datilografado assinado pelo então presidente da República apenas na última folha;, diz o ofício assinado pelo subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, Beto Vasconcelos.
Considerando esse fato, o tempo transcorrido e a inexistência de assinatura eletrônica na época, a Casa Civil declarou: ;A alteração pode ter sido feita antes de o documento ser assinado pelo presidente, mas não ter sido estendida para a versão remetida para a Imprensa Nacional, como pode ter sido feita em momento posterior à assinatura do presidente. Tem-se, também, a hipótese de outra versão do documento ter sido assinada pelo presidente, pois é clara a falta de documentos a respeito no Arquivo Nacional;.
;Apócrifa;
Quanto à alegação de que a retificação seria apócrifa, feita pela Abrapev, a Casa Civil esclareceu que retificações não são assinadas pelo presidente da República. ;A função da retificação é ou sanar erro material evidente ou corrigir dissonância entre o assinado pelo presidente e o efetivamente publicado. Pode ter sido interpretado, na época, que o erro material era tão evidente que seria possível a alteração ex officio e sem a manifestação do presidente da República;.
A Casa Civil também respondeu às acusações feitas pela Abraprev: ;Talvez não tenha sido a atitude adequada, mas, diante de erro material tão evidente, revela-se absurdo, e até injurioso, classificar a ação como fraude e ato destinado a ;enriquecimento sem causa à custo do patrimônio de aposentadoria dos participantes;. Assim, deve prevalecer a presunção de validade do ato publicado no Diário Oficial da União, tanto pela ausência de qualquer elemento objetivo demonstrando que a vontade do presidente foi fraudada quanto pela falta de lógica do texto originalmente publicado;.
O presidente da Abraprev, Fernando Toscano, respondeu à decisão da Casa Civil. ;A resposta negativa ao pedido de nulidade me parece bem inconsistente e chega a ser lamentável. Como pode um decreto ser completamente alterado na sua forma sem que o presidente da República ao menos tenha assinado essa retificação? A retificação retirou direitos dos trabalhadores, proibindo-os de sacar suas reservas salvo em caso de demissão, ferindo o direito constitucional da livre associação. Além disso, os fundos de pensão se apropriaram indevidamente das cotas patronais (dois terços) que faziam parte das reservas que seriam utilizadas pelos participantes dos planos de previdência privada;. A Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ), que tem hoje R$ 125 bilhões em ativos, afirmou ao Correio que concedeu aos participantes todos os benefícios previstos no regulamento da instituição.
Entre os prejudicados estaria o ex-funcionário do Banco do Brasil João José Lopes, 55 anos. Ele recebeu, em 1995, o equivalente a R$ 275 mil hoje. Isso representaria 16,5% do total das suas contribuições. Sem a retificação do decreto presidencial, ele teria recebido três vezes mais, avalia a Abraprev.
30 anos depois;
Cópias do Decreto n; 81. 240/1978, assinado pelo então presidente Ernesto Geisel, evidenciam uma rasura no parágrafo 2; do artigo 31. Documentos fornecidos pela Casa Civil mostram que há um decreto presidencial datado de 20 de janeiro assinado pelo presidente Geisel. Outro documento, de junho daquele ano, sem a assinatura do presidente da República, retifica o decreto presidencial. Em 15 de junho de 1978, o então ministro da Previdência Social, Luís Gonzaga do Nascimento e Silva, enviou um aviso ao ministro-chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, Golbery do Couto e Silva, afirmando que teria havido um ;erro de remissão; no parágrafo 2; do artigo 31 do Decreto n; 81.240. A retificação diz expressamente: ;Onde se lê: no caso do item VII; leia-se: no caso do item VIII;.
Em setembro do ano passado, ao receber os documentos oficiais cedidos pela Casa Civil, a Abraprev descobriu que houve uma rasura no parágrafo 2; do artigo 31. Como a retificação diz que a expressão ;item VII; deveria ser substituída por ;item VIII;, fica evidente que a remissão original se referia ao ;item VII;. No decreto original arquivado na Casa Civil, porém, o parágrafo 2; já vem com a expressão ;item VIII;. Mas fica evidente que os algarismos romanos ;VIII; foram datilografados com outra máquina, com tipografia diferente. Até a vírgula que vem depois do número é completamente diferente do restante do texto. Teria havido, portanto, rasura no decreto original.
Considerando o decreto original, assinado por Geisel, em caso de saída voluntária de entidades de previdência privada, o beneficiário teria direito à restituição de 50% das contribuições feitas (incluindo as patronais). Com a retificação feita, ficou estipulado que a saída voluntária ;implicará a perda dos benefícios para os quais não foram contempladas as contribuições necessárias;. Na prática, quem aderiu aos programas de desligamento voluntário na década de 1990 recebeu apenas a metade das próprias contribuições, o que corresponde a 16,5% do montante apurado.