Economia

Petrobras está sob bombardeio

Indefinição sobre o preço do barril de petróleo que será usado pelo governo para comprar ações da estatal durante o processo de capitalização provoca insegurança de investidores e faz o valor de mercado da companhia encolher R$ 78 bilhões este ano

Rosana Hessel, Vera Batista
postado em 20/08/2010 07:10

A indefinição do governo sobre o preço do barril do petróleo que será base para o processo de capitalização da Petrobras, previsto para setembro, colocou a estatal sob um bombardeio incessante a ponto de os acionistas verem seus papéis perderem valor dia após dia desde o anúncio feito no fim do ano passado. Somente neste ano, a oscilação das ações da companhia é tamanha que a queda acumulada supera 25%, conforme levantamento feito pelo Correio com a corretora Prosper. Considerando o fechamento das bolsas, o valor estimado de mercado da estatal no fim de 2009, de R$ 312 bilhões, encolheu para R$ 234 bilhões ontem, o que significa uma desvalorização de R$ 78 bilhões ; quantia três vezes e meia superior ao total estimado das ações da Latam, nova holding nascida da fusão entre as companhias aéreas TAM e LAN, que será uma das maiores do mundo.

Em meio a informações desencontradas sobre o processo de capitalização da estatal e, especialmente, a respeito do preço do barril na cessão onerosa ; valor que a empresa terá que remunerar o governo ;, os papéis da Petrobras lideraram as baixas da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). As ações ordinárias (com direito a voto) despencaram ontem 3,65%, cotadas a R$ 30,36 e acumulando perdas de 25,69% no ano. As ações PN (sem direito a voto) recuaram ontem 3,25%, passando a valer R$ 26,78, com desvalorização de 25,39% em 2010. Esses papéis chegaram a valer R$ 49 em maio de 2008.

Indefinição sobre o preço do barril de petróleo que será usado pelo governo para comprar ações da estatal durante o processo de capitalização provoca insegurança de investidores e faz o valor de mercado da companhia encolher R$ 78 bilhões este anoApesar de ninguém admitir oficialmente que haja uma disputa forte em relação ao preço do barril, é visível a existência do cabo de força sendo puxado de um lado pelo governo, que é o acionista majoritário e controlador da Petrobras, para um preço mais alto possível , pois garantiria uma maior arrecadação durante a capitalização, sem falar que a União aumentaria com isso a sua participação no capital da empresa, passando de 32% para 40%. Do outro lado, ficam a estatal, os acionistas e os operadores de mercado, que esperam algo mais baixo, permitindo assim uma participação maior dos minoritários. Por trás desse embate, a questão é que o Estado pagará suas ações com barris de petróleo, enquanto os demais acionistas terão de comprar os papéis usando dinheiro vivo.

Em meio a tantas especulações, o intervalo entre os valores estimados para o barril é bem espaçado: de US$ 4 até US$ 12 para o petróleo retirado da camada pré-sal (reservas localizadas a mais de 6 mil quilômetros abaixo do nível do mar) em áreas ainda não licitadas na Bacia de Santos (SP). Se for considerado o preço de US$ 10, por exemplo, a Petrobras receberia R$ 87,5 bilhões na forma de 5 bilhões de barris.

Momento de decisão
Nesta semana, o ministro de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, disse ao Correio que considera um valor justo para o barril algo entre US$ 5 e US$ 10. Por sua vez, o diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Haroldo Lima, vem descartando a hipótese de um preço elevado e sugere algo entre US$ 7 e US$ 8 o barril. Em entrevista à Reuters, ele disse que ;um valor próximo a US$ 5 para as reservas do pré-sal seria um preço muito pequeno, enquanto um mais perto de US$ 10 está fora de cogitação;.

;O preço dessa indefinição está sendo muito alto para os acionistas minoritários da Petrobras. O mercado esperava algo em torno de US$ 4 a US$ 6 o barril, mas um valor perto ou acima de US$ 10 torna a capitalização praticamente inviável, pois quanto maior for, maior será a diluição das ações, porque o acionista atual terá que desembolsar muito mais dinheiro para ter a mesma participação;, comentou o economista da Prosper, Demétrius Lucindo.

O que os acionistas minoritários da Petrobras ; muitos que compraram os papéis com parte do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) na última década ; estão passando, com a imposição do controlador, é algo comum no mercado de capitais brasileiro, informou Lucindo. ;Muitos entram na bolsa, mas não conhecem as armadilhas que ela tem. Infelizmente ainda não há maturidade para que os direitos dos minoritários sejam respeitados como acontece nos países desenvolvidos;, completou.

Entrega de análises
Ontem foi a data prevista para que a ANP e a Petrobras entregassem os relatórios preliminares sobre a certificação das reservas que serão utilizadas no processo de capitalização. A ANP divulgou nota informando que a avaliação da empresa Gaffney Cline dos reservatórios de Franco foi entregue ao Ministério de Minas e Energia (MME), que confirmou o recebimento do documento na tarde de ontem. A agência reguladora informou ainda que o relatório conclusivo ficará pronto somente no fim do mês.

E, bem mais tarde, mais precisamente às 20h23, a Casa Civil, o MME e o Ministério da Fazenda enviaram uma nota conjunta de apenas cinco linhas confirmando o recebimento das avaliações das duas certificadoras. ;O governo solicitou informações adicionais para a ANP e a Petrobras e aguardará a conclusão dos laudos de certificação para a definição dos parâmetros da cessão onerosa;, disse a carta.

A Petrobras também enviou ontem um comunicado ao mercado informando que a decisão sobre o preço dos barris depende da conclusão das avaliações das certificadoras. ;Até o momento, qualquer discussão sobre o valor dos barris da cessão onerosa é mera especulação, isso porque os laudos das certificadoras ainda não estão prontos;, disse a nota após notícias de que o valor poderia chegar a US$ 12, conforme dados obtidos com a certificadora contratada pela autarquia reguladora.

;Discurso infeliz;, disse Sérgio Quintella, diretor da Valore Investimentos Personalizados, sobre a divulgação da nota da estatal. O resultado não foi pior, assinalou ele, porque ainda se mantém a intenção de fazer a oferta pública de ações no fim de setembro.

Para o analista de investimentos Eduardo Collor, o mercado não gosta dessas importantes decisões no apagar das luzes do governo Lula. ;Virou uma novela mexicana; que pode ser entendida como pouca seriedade da empresa. ;Quando isso acontece, o investidor despreza o papel pela falta de transparência. As ações caem;, disse. O analista prevê que as ações da Petrobras devem registrar uma leve recuperação hoje, mas voltarão a cair na próxima semana. O governo deverá definir o preço do barril no dia 23.

Cronologia

R$ 312 bilhões
no fim de 2009

Ontem, fechou valendo
R$ 234 bilhões
de acordo com as cotações em bolsa

As ações PN acumulam queda de
25,39%
em 2010

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