Economia

Peixe contrapõe ministérios

Pesca quer limitar o bagre do Vietnã no Brasil. Itamaraty teme reação do parceiro comercial, cujos negócios cresceram 1.567% desde 2006

postado em 23/08/2010 08:39
Gregolin, que prometeu providências, enfrenta a pressão dos produtoresUm peixe está sendo motivo de discórdia dentro do governo federal. Pressionado há três meses pelos produtores nacionais que estão tendo indigestão com a entrada do bagre vietnamita no país a preços abaixo do mercado brasileiro, o ministro da Pesca e da Aquicultura, Altemir Gregolin, prometeu há duas semanas solicitar ao colega da Agricultura, Wagner Rossi, a suspensão das importações enquanto faz uma análise do risco do produto. A iniciativa de Gregolin, no entanto, foi freada por um terceiro ministério, o das Relações Exteriores, que alertou as outras pastas envolvidas para um fato que agora parece ser maior do que o problema do pangasius(1): uma medida como essa poderia prejudicar as relações entre os dois países.

;O Itamaraty nos chamou a atenção para a questão de que a corrente de comércio entre o Brasil e o Vietnã saltou de US$ 60 milhões para quase US$ 1 bilhão (1.567%) nos últimos quatro anos. A importação do pangasius é pequena dentro disso. Agora, estamos tentando dentro do governo encontrar formas de resolver o problema sem prejudicar as relações do Brasil com o Vietnã;, disse ao Correio o secretário-executivo do Ministério da Pesca, Cleberson Zavaski.

Diplomatas examinam com técnicos do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior formas de tratar a questão dentro das regras estabelecidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Eles avaliam se, em vez de suspender as importações do pangasius do Vietnã, o país poderia adotar procedimentos de salvaguarda, medidas antidumping ou elevação das alíquotas de importação.

Enquanto o peixe vietnamita ; que gosta mesmo é de água doce ; fica nadando nesse mar de possibilidades, não é confortável a situação do ministro da Pesca, cada vez mais pressionado pelo setor, que questiona as condições do produto para o consumo. ;O peixe brasileiro é criado em águas limpas, o do Vietnã vem do Rio Mekong, que é poluído;, disse o presidente do Conselho Nacional de Pesca e Aquicultura (Conepe), Fernando Ferreira, que virá a Brasília novamente hoje para uma reunião na qual irá cobrar de Gregolin uma solução.

Substância proibida
O setor afirma que os produtores no Vietnã adicionam tripolifosfato de sódio, uma substância branqueadora que também faz o peixe ;inchar; porque provoca retenção de água. O uso dessa substância é proibido pelo Ministério da Agricultura no Brasil. A eliminação dela pelos sistemas de esgotos sem adequado tratamento causa elevação da concentração de fósforo nas águas, o que acarreta a proliferação de algas. Em excesso, esses organismos usam grandes quantidades de oxigênio e evitam que os raios de sol entrem na água, prejudicando a sobrevivência dos peixes.

De acordo com o secretário de Monitoramento e Controle da Pesca e Aquicultura, Eloy de Sousa Araújo, na análise do risco do produto que o ministério está fazendo são levados em conta os riscos ao meio-ambiente. ;Analisamos até mesmo as caixas do produto que chegam do Vietnã, para ver se há algum resíduo que possa provocar contaminação após o descarte da embalagem;, explicou.

Segundo o secretário, o ministério já fez este ano a análise de risco do salmão chileno, cuja conclusão foi de que o produto tem nível de qualidade adequado. Nesse caso, não houve suspensão das importações durante a análise, mas agora um acordo de cooperação entre as pastas da Pesca e da Agricultura permite que as duas medidas sejam tomadas em paralelo.

1 - Invasão perigosa
O pangasius é um peixe de água doce que, no Brasil, é conhecido como bagre. De janeiro a junho deste ano, o Brasil importou 3.300 toneladas do pangasius do Vietnã. O setor alega que há produtos similares nacionais, vindos, inclusive, da aquicultura familiar, como o mapará e a piramutaba, na Amazônia. O peixe do Vietnã entra no Brasil a US$ 2 o quilo, enquanto o brasileiro pode custar até o dobro do preço. Segundo o presidente do Conepe, depois da entrada do pangasius do Vietnã no Brasil, 3 mil funcionários já foram demitidos em indústrias de Santa Catarina e 2 mil na Região Norte.

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