postado em 27/08/2010 07:20
Desde pequenos, meninos e meninas costumam ser educados para dividir o mundo entre áreas masculinas e femininas. Bonecas e acessórios cor-de-rosa vão para um lado, carrinhos e bolas de futebol, para o outro. O resultado disso é que, anos mais tarde, alguns setores ficam dominados por homens, enquanto outros viram território quase que exclusivo delas. Uma das áreas mais atingidas por esse fenômeno é a tecnologia da informação (TI). Levantamentos informais da Sociedade Brasileira de Computação (SBC) mostram que as meninas formam, no máximo, 10% das turmas que ingressam nos cursos de graduação voltados para a área.A desigualdade é tão grande que especialistas planejam formas de tentar chamar a atenção das jovens do ensino médio para a TI. A Universidade de Brasília (UnB), por exemplo, vai organizar eventos específicos para meninas durante a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, de 18 a 24 de outubro, e na Semana da Extensão da universidade, em novembro. ;Queremos que elas construam pequenos jogos, aproveitem o espaço para fazer exercícios de programação;, explica a professora Maria Emília Walter, do Departamento de Ciência da Computação. Mulheres que trabalham na área também farão palestras para as adolescentes.
O esforço tenta quebrar o estereótipo que envolve a profissão. ;As pessoas têm a imagem do nerd, sentado em frente ao computador, trabalhando sozinho o tempo inteiro. Isso é uma coisa que provoca aversão nas mulheres. Nós temos o perfil mais sociável por natureza, precisamos interagir com o outro;, afirma Mirella Moro, diretora de educação da Sociedade Brasileira de Computação (SBC). Há quatro anos, a SBC realiza o Women in Information Technology (WIT), atividade paralela ao congresso nacional da entidade. No workshop, profissionais de todo o mundo falam sobre a presença feminina no setor e sobre a necessidade de compor quadros funcionais mais diversos, com homens e mulheres trabalhando juntos.
Bandeira que a consultoria internacional ThoughtWorks carrega quando abre novas filiais. ;Não deixamos de contratar homens que se encaixam no perfil procurado, porém fazemos questão de divulgar vagas onde as mulheres estarão prestando mais atenção;, diz Carlos Villela, gerente de Desenvolvimento da ThoughtWorks no Brasil. A empresa não costuma divulgar oportunidades de trabalho em fóruns de internet, que registram quase 90% de audiência masculina. Um dos caminhos, diz Villela, é falar de novas vagas em eventos mais amigáveis para as mulheres, como reuniões em restaurante e cafés.
;Na esportiva;
Ao contrário do estereótipo preconceituoso que coloca ciências exatas como quase repulsivas para as mulheres, a cientista da computação Paula Moura Mattos, 25 anos, sempre gostou de matemática ; tanto que chegou a pensar estudar a disciplina na faculdade. Paula acabou optando por computação ao olhar a grade curricular do curso, repleta justamente de matérias da área de exatas. Hoje, a jovem trabalha em uma empresa que presta serviços de segurança para o Banco do Brasil. Na sua área específica (desenvolvimento de linguagem C), é a única funcionária. Paula também é representante quase que exclusiva das mulheres na pós-graduação em engenharia de software. Além dela, há apenas outra colega na turma de 13 alunos.
E não é complicado fazer parte desse mundo tão masculino? ;Eu não penso muito nisso. Em todos os lugares que trabalhei, sempre fui a única mulher e sempre tentei ser a melhor. Não por ser mulher, mas porque queria me destacar;, conta Paula Mattos. A gerente de projetos Melissa Fayad, 32 anos, concorda com Paula. ;Nunca coloquei a minha atenção no fato de eu ser mulher. Minha postura sempre foi de alguém que está querendo aprender;, diz Melissa, funcionária da Caixa Econômica Federal. No local, ela coordena uma equipe de 18 pessoas ; 16 delas, homens.
Paula e Melissa afirmam nunca terem sofrido preconceito. ;No meu primeiro emprego, os colegas diziam que eu não iria dar conta do trabalho. Mas é só levar na esportiva;, releva a jovem de 25 anos. Para a professora Célia Ghedini, do Departamento de Computação da UnB, a presença maciça de homens pode fazer com que eles se fechem a parcerias com colegas do sexo feminino. ;Não se trata de preconceito, é só que a maioria faz a força;, opina. A docente da UnB conta que, certa vez, teve o pedido de orientação de doutorado negado por um professor estrangeiro quando ele descobriu que ela estava grávida. ;O fato de eu ter um recém-nascido não me impede de estudar. Fui para a Inglaterra com um bebê de dois meses e voltei com o título;, lembra.
Célia reconhece que as novas gerações estão mais interessadas nos computadores, mas restringem essa afinidade a atividades interativas, como jogos e redes sociais. ;Ninguém quer usar a máquina para desenvolver o raciocínio lógico e abstrato. Eu mesma tenho duas filhas que não querem nem ouvir falar de computação;, brinca.
Divergência
O domínio masculino pode não ser tão intocável assim no mercado de trabalho. Um estudo independente feito pelo consultor Túlio Ornelas Iannini sustenta que elas já ocupam 40,2% das vagas do setor. A pesquisa, feita com o apoio da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação de Minas Gerais (Assespro/MG), ouviu 1,8 mil trabalhadores da área entre agosto de 2008 e outubro de 2009. Foi a primeira iniciativa para tentar traçar o perfil dos profissionais de TI no Brasil.
Conforme o levantamento, as mulheres são, inclusive, maioria em nichos específicos do mercado. Em administração de banco de dados, por exemplo, elas são 64,4% das funcionárias. ;Essa especialização cresceu muito nos últimos anos e não foi prioridade para os homens. É uma área que exige grande capacidade de organização, as mulheres têm mais facilidade com isso;, afirma Túlio Iannini. Outro setor bastante feminino, segundo o estudo, é o de webdesign, com mulheres em 59,7% dos cargos.
Como explicar, porém, a discrepância entre a presença de mulheres no mercado e a encontrada nas universidades? É possível que isso esteja relacionado ao baixo índice de profissionais qualificados para trabalhar em TI. A pesquisa de Túlio revelou que apenas 25% dos trabalhadores têm ensino superior completo. Desses, menos de 10% são mulheres. Mirella Moro, diretora de educação da Sociedade Brasileira de Computação, explica que o baixo índice de formação ocorre porque os salários são satisfatórios mesmo para quem não tem diploma. ;Isso, no entanto, limita o crescimento profissional. A geração atual é muito mais competitiva, mas ainda impressiona-se com a história do dono da empresa que venceu na vida sem ter graduação;, lamenta Mirella.
Saiba mais
A consultoria internacional ThoughtWorks abriu uma filial brasileira em dezembro do ano passado. A empresa levanta a bandeira feminina, embora tenha nove mulheres em uma equipe de 48 funcionários. Leia o que algumas dessas profissionais disseram ao Correio sobre a atividade com ciência da computação:
Bárbara Flores, 26 anos, consultora de qualidade: "Eu acredito que os currículos de computação sejam um pouquinho assustadores, com nomes complicados, eu não fazia ideia do que eram algoritmos. Uma coisa importante eu aprendi: para fazerr computação, não é preciso ser apaixonado por matemática. Eu gostava muito mais de português e ingles."
Priscila Blauth, 28 anos, consultora de qualidade: "Há áreas ótimas para as mulheres. A qualidade de software e de processos, por exemplo, exige o perfil de uma pessoa mais detalhista, é uma coisa mais feminina."
Verônica Rodrigues Moschetta, 34 anos, gerente administrativa: "Uma das cosias que a gente está fazendo aqui tentar esclarecer qual é exatamente a carreira ligada a essa formação. As pessoas acham que a carreira é você estar na frente de um cubículo o dia inteiro sem falar com ninguém. Mas há uma série de coisas que podem ser feitas: trabalhar com redes de relacionamento, desenvolver softwares , conhecer empresas, você pode desenvolver o próximo aplicativo do iPad"