Economia

Planalto usa PAC para dirigir verbas

Ministros e parlamentares perderam poder de definir os projetos que avaliam como prioritários. Programa vira orçamento paralelo administrado pela Casa Civil

postado em 30/08/2010 08:00
Às vésperas de o governo enviar ao Congresso a proposta de Orçamento da União para 2011, um desconforto enorme se instalou nos arredores do Palácio do Planalto. Ainda que todos tenham a consciência de que o documento a ser entregue aos parlamentares pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, não passa de uma obra de ficção, técnicos respeitados chamam a atenção para a mais nova distorção nas finanças públicas: o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que vem sendo chamado de 4; Orçamento ou Orçamento paralelo.

E não há qualquer exagero nesse alerta. Xodó da candidata petista à Presidência da República, Dilma Rousseff, do qual se intitula ;a mãe;, o PAC hoje é manejado exclusivamente pelo Planalto. Nenhuma das centenas de obras listadas no programa recebe recursos se não tiver o aval da Casa Civil. Ou seja, mesmo com os projetos estando distribuídos por vários ministérios, nenhum ministro tem autonomia para definir quais empreendimentos receberão dinheiro. As listas com os desembolsos saem diretamente da pasta antes comandada por Dilma e, agora, sob a responsabilidade de Erenice Guerra.

Cabresto
O que torna mais preocupante na concentração de decisões sobre o PAC, cujo orçamento já passa de R$ 1 trilhão, é que o Legislativo, que deveria exigir transparência na execução das obras, também se tornou refém do poder paralelo montado no Palácio do Planalto. Projetos de interesse de deputados e senadores só são incluídos no PAC se for desejo do presidente da República e da Casa Civil. E, claro, se houver a garantia de que não haverá contestações mais à frente. É a política do cabresto.

Obras como a construção de moradias, de interesse do governo, tiram recursos das propostas apresentadas por parlamentaresPor lei, o Orçamento da União é composto por três grandes blocos de receitas e despesas: o fiscal, o da seguridade social e o das empresas estatais, todos propostos pelo governo e aprovados pelo Congresso. ;Tudo o que se refere ao PAC está sob a restrita decisão do Planalto;, afirma um dos mais experientes técnicos do governo. ;É uma distorção geral, pois essa concentração de poder retira toda transparência da distribuição de recursos. Pena que poucos se deram conta disso;, acrescenta.

Outro servidor que participa da elaboração do Orçamento anual do governo vai além. ;Com o aumento do peso do PAC no contexto geral das despesas da União, ministros e secretários perderam a relevância que tinham, sendo relegados à condição de meros coadjuvantes no debate interno travado com a Casa Civil ; quando há debate, ressalte-se;, diz. ;Os critérios para definir o que sai do papel não são claros e, no fim, sempre prevalece o olhar do Planalto;, emenda. Procurada pelo Correio, a Casa Civil não se manifestou.

O número
ARTIFÍCIO
Governo manobra até 30%
das dotações do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) de acordo com os critérios de conveniência ou de urgência. O mecanismo é previsto pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)


Decisão leva em conta o carimbo

É visível o desequilíbrio de forças entre o que sai dos cofres carimbado com a marca PAC e o que é reservado como recurso orçamentário puro e simples injetado na máquina. No Ministério das Cidades, por exemplo, R$ 12 bilhões estão disponíveis neste ano para dar sustentação ao programa que é o carro-chefe do governo, e menos de R$ 1 bilhão está destinado a outros investimentos e ao custeio da pasta. ;A disparidade é enorme. Sem falar que essa verba de menos de R$ 1 bilhão ainda está sujeita a cortes determinados pelo Planejamento;, adverte um funcionário do Tesouro Nacional.

O status de ;autônomo e não contingenciável; acompanha o PAC desde seu surgimento, em 2007. Na Câmara e no Senado, pouca gente se arrisca a criticar abertamente a fórmula que hoje dita o ritmo do financiamento de obras públicas no Brasil. ;O Congresso está amarrado. Como um parlamentar vai tirar dinheiro de um projeto alardeado como fundamental para essa ou aquela cidade? A caneta do ministro não tem tanta tinta como antigamente, mas o parlamentar também não está em uma condição muito melhor. Nessa disputa de poder, o Planalto sempre tem saído bem na foto;, reforça o mesmo técnico do Tesouro.

A discussão sobre o papel do PAC dentro do Orçamento geral da União e o protagonismo do Planalto na tomada de decisões de última instância acontecem nos bastidores do governo, mas também nos meios acadêmicos. Armando Cunha, ex-diretor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV), adverte, no entanto, que mecanismos semelhantes já foram utilizados em larga escala no país antes da era Luiz Inácio Lula da Silva.

;Esse conceito de reunir um conjunto de projetos que são geridos no centro do governo, inclusive com a figura do coordenador, vem desde os anos 1990. O PAC é uma continuidade dessa ideia;, afirma Cunha, ressaltando ainda que o mecanismo esvazia, de modo natural e instantaneamente, a ação individual de ministros ou de ministérios. (LP)


Data-limite até amanhã

A justificativa técnica para que o PAC tenha tratamento orçamentário privilegiado é exatamente o caráter transversal inerente aos projetos. Essa formatação, porém, desafia a lógica tradicional da ação governamental sob o ponto de vista de seu funcionamento prático. Da maneira como está organizado, o Estado não consegue abrir mão da fragmentação ministerial. ;As interdependências que caracterizam a ação governamental são extremamente difíceis de serem articuladas. Daí essa dificuldade toda, que, aliás, não é de se admirar;, lembra Armando Cunha, especialista da Fundação Getulio Vargas (FGV).

O prazo final para que o Executivo envie ao Congresso Nacional o projeto de lei orçamentária(1) para 2011 termina amanhã. Na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) sancionada pelo presidente Lula no início do mês, há um mecanismo que permite que o Executivo manobre livremente até 30% das dotações do PAC, dependendo da conveniência ou da urgência. O texto prevê ainda uma meta de superavit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) de R$ 125,5 bilhões. (LP)

1 - Gastos planejados
Baseada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), a Lei Orçamentária Anual (LOA) estabelece o planejamento dos gastos dos Três Poderes da União para o ano seguinte ao que foi elaborada. Nela deverão constar todas as despesas obrigatórias da próxima gestão e também a previsão de recursos para investimentos. O Congresso Nacional tem que aprovar a proposta enviada pelo governo até o fim do ano, para evitar a retenção parcial dos recursos.

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