postado em 02/09/2010 08:36
O risco de faltar recursos para a casa própria está forçando o governo a uma solução ousada: a emissão de títulos garantidos pelos próprios empréstimos da Caixa Econômica Federal, que só no primeiro semestre alcançaram R$ 33,5 bilhões. A meta é reforçar a instituição para novos financiamentos. Atento à escassez de fontes como a caderneta de poupança, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e o próprio Tesouro Nacional, o Executivo federal prepara uma operação de securitização (conversão dos contratos em papéis negociados no mercado) das dívidas dos mutuários e, assim, injetar dinheiro novo no mercado.Sem dar detalhes da iniciativa, o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), Luciano Coutinho, admitiu ontem que o governo está desenhando as medidas para incrementar os recursos disponíveis para a habitação. Fontes de alto escalão garantem que o pacote, ainda mantido sob segredo, prevê a emissão de papéis lastreados em contratos de financiamentos da Caixa Econômica Federal, principalmente os do programa de moradias populares. ;O Minha Casa, Minha Vida será patrocinado pelo mercado;, revelou uma delas. A meta é evitar que o projeto lançado para turbinar a campanha da petista Dilma Rousseff ao Palácio do Planalto transforme-se em um verdadeiro fiasco.
A Caixa vai emitir papéis no Brasil e no exterior lastreados em empréstimos imobiliários. Esses títulos, segundo fontes ouvidas pelo Correio, vão pagar entre 4% e 8% ao ano. ;Os analistas chegaram à conclusão de que o mercado para investidores de outros países em empreendimentos imobiliários para a classe mais abastada está saturado e que o nicho popular é altamente rentável para entidades financeiras;, avaliou um dos envolvidos no projeto de reforço da Caixa.
Demanda
Coutinho é um dos entusiastas do processo de securitização no Brasil. Em evento em Brasília, disse a jornalistas que, por meio de operações semelhantes, será possível aumentar os recursos destinados aos programas habitacionais. ;É preciso aprimorar os mecanismos para melhorar a capacidade dos bancos de operar e emitir papéis securitizados. Existem ideias em discussão, mas não estão na esfera do BNDES;, afirmou.
Os envolvidos na elaboração do projeto afirmam que, na visão da equipe econômica, apenas recursos públicos (FGTS e Tesouro) não seriam suficientes para o programa engrenar. ;Até 2014, o Brasil precisará de R$ 500 bilhões para o mercado imobiliário. A poupança, hoje, dá conta da demanda, mas não vai conseguir por muito tempo;, alertou José Luis Rodrigues, sócio da consultoria JL Rodrigues.
Resistência
A despeito da possibilidade de a securitização rechear os cofres da Caixa e impulsionar o Minha Casa, Minha Vida, nos bastidores, parte da diretoria do banco resiste à operação ou pelo menos tem se mostrado receosa. A preocupação decorre de como a estratégia será executada. Alguns dos dirigentes temem que instituições financeiras adquiram os papéis e o cliente final ; consumidor que realizou, por exemplo, o financiamento de um apartamento ; seja assediado a migrar para o novo banco ou procure novos empréstimos em outras fontes.
Há ainda receio de que essas operações tragam insegurança ao mercado brasileiro ante um eventual aumento da inadimplência e dê início a uma bolha imobiliária, a exemplo da crise que explodiu nos Estados Unidos há dois anos. A despeito desse temor, analistas descartam uma repetição do problema no Brasil, já que as regras domésticas são muito mais severas. Quem adquire crédito na Caixa nunca irá saber quem é o investidor que comprou o título lastreado em seu empréstimo e não terá qualquer relação com ele. ;É o melhor método para reciclar dinheiro, para que não falte recursos para investimentos;, explicou Rodrigues.
Em nota, a Caixa reconheceu a securitização como um importante instrumento de captação de recursos para financiar o crédito imobiliário. Mas, ainda assim, em um trecho da nota esquivou-se do assunto. ;O governo federal regula essa operação, porém não a realiza, isso porque, para securitizar crédito imobiliário, deve-se possuir carteira de crédito imobiliário, o que não é função e nem atividade do governo;, disse.
O número
R$ 500 bilhões
Total necessário para bancar o sonho de moradia até 2014 no país
R$ 500 bilhões
Total necessário para bancar o sonho de moradia até 2014 no país
E eu com isso
Ao optar pela securitização dos créditos imobiliários, o governo pretende ofertar mais dinheiro aos consumidor. A operação pode aumentar a concorrência entre os bancos e reduzir o custo de empréstimos para a compra da casa própria. Quanto mais as instituições disputarem clientes, mais vantagens poderão ser obtidas. Mas, ainda assim, há riscos para o mercado. Caso a inadimplência se eleve demais entre os que estão financiando uma residência, os compradores dos papéis lastreados em empréstimos correm o risco de ficar com um título podre na mão, o que afetaria negativamente o custo dos financiamentos ou ainda daria vida aos mesmos fantasmas que levaram, em 2008, a uma quebradeira em cascata no setor nos Estados Unidos. (VM)
Investimento precisa aumentar
A base do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 5,5% entre 2011 e 2013 será o avanço dos investimentos ao ritmo de 10% ao ano. Pelas previsões do presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), Luciano Coutinho, 5 grandes grupos vão impulsionar esse avanço: petróleo e gás, energia elétrica, construção civil, logística e agronegócio. ;No caso do petróleo, isso representa o desenvolvimento de cadeias produtivas para suprir a Petrobras;, disse. Responsável pela exploração das reservas gigantes de petróleo do pré-sal, a estatal será um dos vetores da expansão.
Na avaliação de Coutinho, os investimentos vão chegar a uma proporção de 19% do PIB em 2010. No ano da Copa do Mundo no Brasil, 2014, a taxa terá atingido 22%, um avanço ainda pequeno diante da imensa necessidade de obras de infraestrutura e logística para receber o mundial . ;O crescimento do Brasil vai ser em torno de 5,5% nos próximos anos. Para garantir isso, precisamos investir mais. Temos de aumentar a poupança (interna) para realizar esses investimentos;, afirmou.
O presidente do BNDES destacou a importância do crédito aos consumidores e a necessidade de ampliação da taxa de poupança do país como garantias para o tão almejado crescimento sustentável. Segundo suas projeções, no fim de 2010 a oferta de crédito no Brasil irá corresponder a 49,5% do PIB. Em 2014, chegará a 70%. (VM)