postado em 05/09/2010 08:54
São Paulo ; Voz dissonante da média de opiniões do mercado financeiro, a economista Zeina Latif aposta em queda nas taxas de juros no ano que vem. ;Fecharemos este ano com a Selic (taxa básica da economia) em 10,75% e estou trabalhando com 10,25% para 2011. Acredito que o próximo movimento do Banco Central será de corte de juros e não de alta;, afirma Zeina, considerada uma das mulheres mais influentes na área econômica brasileira. Ela acaba de assumir a posição de economista-sênior para a América Latina do Royal Bank of Scotland (RBS). Na sua avaliação, a condição essencial para que a baixa dos juros se concretize no próximo ano, mesmo com a economia brasileira caminhando de forma robusta, é que se confirme um cenário combinando frágil expansão mundial e baixa inflação nos países mais ricos. ;Se tivermos a economia global indo para o caminho de uma estagflação (estagnação econômica com inflação), obviamente será preciso uma política monetária diferente da atual;, diz a doutora pela Universidade de São Paulo (USP), da qual recebeu o Prêmio Economista do Ano, em 2008. Ela aposta que o Produto Interno Bruto (PIB) do país crescerá mais de 7% neste ano e ressalta que, mesmo com o quadro atual favorável à interrupção do processo de alta dos juros, o BC terá de ficar muito atento ao avanço da atividade, de forma que o país não cresça muito além do seu potencial, criando desequilíbrios que possam custar caro no futuro. Ela assinala ainda a necessidade de o governo botar um pé no freio na gastança que inflou o PIB no segundo trimestre deste ano. Apesar de a candidata petista à Presidência da República, Dilma Rousseff, já ter afirmado ser contra um arrocho fiscal, Zeina acha que, no primeiro ano de um possível mandato da ex-ministra da Casa Civil, ela terá de se render a um controle maior das despesas, sob o risco de estimular a alta da inflação. Leia a seguir, os principais trechos da entrevista exclusiva que Zeina concedeu do Correio Braziliense.;Juros podem cair em 2011;
Como a senhora avalia a decisão do Banco Central de interromper o processo de alta dos juros?
Apesar do ceticismo do mercado, não acho que a decisão do BC de parar com a alta da taxa Selic foi ousada, equivocada, arriscada. Quando a gente compara o recente ciclo de aperto monetário com os anteriores, vemos que este foi mais preventivo, pelo menos do que se refere ao comportamento do hiato do produto (a diferença entre o crescimento efetivo do PIB e o PIB potencial, capacidade de expansão sem riscos para a inflação). Do ponto de vista das expectativas inflacionárias, não. Quando o BC começou a fazer o aperto monetário, já havia deterioração. Mas, convenhamos, expectativas inflacionárias são muito contaminadas pelos índices correntes. Aquilo que, ao meu ver, tem que pautar as decisões do BC é o comportamento do hiato do produto. No que se refere a esse aspecto, o aperto monetário começou numa situação muito melhor do que em 2008, quando só reagiu no momento em que as medidas de capacidade instalada da indústria e as estimativas de hiato do produto já estavam no pico. Desta vez, o BC começou o aperto em abril, com um hiato ainda negativo, com a economia operando não significativamente acima do potencial. Então, é razoável que interrompa o ciclo mais cedo também.
Mas não há ainda muitas incertezas no cenário internacional?
Essa é justamente a segunda razão de a decisão do BC não ter sido equivocada. O cenário, pelo menos por hora, sugere que teremos lá fora um ciclo mundial muito mais fraco do que vigorou até 2008, antes da crise. Naquele momento, havia um crescimento extremamente elevado e pressão de inflação muito forte. O ciclo mundial de agora é de baixo crescimento, de baixa inflação e preços de commodities (mercadorias com cotação internacional) bem comportados. Isso faz diferença grande na nossa inflação.
Mas não poderiam ocorrer surpresas nesse cenário?
Claro que sim. Um cenário que seria terrível, que a gente não pode descartar, é de baixo crescimento com inflação. No limite, o mundo iria para a estagflação, em que a economia fica parada, mas com preços em alta. Isso seria péssimo. Se isso acontecer, o BC terá que repensar a política monetária aqui. Felizmente, tal possibilidade não parece a mais provável. Portanto, acho que não caberia ao Copom (Comitê de Política Monetária) prolongar a alta dos juros. Não vejo a atual parada na alta da Selic como algo que machuque a reputação do BC brasileiro.
Muitos preveem alta dos juros em 2011. A senhora compartilha dessa visão?
Não. Pelo contrário, trabalho com queda de 0,5 ponto percentual. Fecharemos este ano com os atuais 10,75% e estou trabalhando com 10,25% para o ano que vem. Acredito que o próximo movimento do BC é de corte de juros e não de alta, mas desde que continue o cenário de baixo crescimento mundial e de baixa inflação e, claro, sem preocupações com os preços das commodities.
Como está a situação das contas externas? Estamos dependentes de capitais de curto prazo?
Não vejo o tamanho do deficit em transação corrente (que triplicou nos sete primeiros meses do ano) como algo que acenda a luz amarela. O Brasil tem bons indicadores externos, não tem problemas de solvência e existe um apetite do mundo em financiar os países emergentes, sobretudo aqueles que estão tendo crescimento forte. Acho que ainda existe espaço para o Brasil aumentar o deficit em conta corrente e ficar com resultados negativos por alguns anos sem que isso gere problemas para a dívida externa, de insolvência ou algum tipo de pressão cambial. Além disso, há um fluxo muito forte de capitais de médio e longo prazo vindo para cá.
O Brasil está correndo riscos fiscais diante da atual gastança do governo?
Vejo uma política fiscal que poderia ser melhor tanto do ponto de vista de tamanho do superavit primário quanto da qualidade do gasto público. Essa é a grande agenda. Houve uma piora da credibilidade da autoridade fiscal, no sentido de os agentes econômicos desconfiarem da capacidade ou do desejo de se cumprir uma meta de superavit e muitas vezes de não saber qual meta está sendo perseguida. A percepção da piora das contas públicas é presente. Em 2009, tivemos, pela primeira vez, a capacidade de fazer política monetária e fiscal anticíclicas. Agora, há muitos ruídos na gestão da política fiscal, dimensionados pelas questões eleitorais.
O governo fez um gordo orçamento para investimentos em 2011. Isso beneficiaria a candidata Dilma Rousseff em uma possível vitória?
Não temos como não defender investimento tanto dentro do Orçamento do Tesouro quanto das estatais. A dúvida é qual o espaço para isso acontecer e de que investimentos estamos falando. Há muitas respostas por vir. Qual será o time econômico do próximo governo? Qual será a orientação em relação a essas coisas, porque só falar em aumento do investimento eu entendo como muito genérico. Quando olhamos a literatura econômica, a experiência mundial, não tem uma indicação clara de que aumento de investimento do setor público gere também incremento do investimento privado, que é o que tende a alavancar mais o crescimento da economia. Será somente uma aceleração de investimentos sem muita clareza de orientação?
Qual é, na sua opinião, a principal agenda econômica para o próximo governo?
Eu entendo que seja a agenda fiscal. É preciso que ela seja bem equacionada, pois ajudará na condução da política monetária e, obviamente, terá impactos na taxa de câmbio de equilíbrio do país. Acredito que a chave que merecerá mais ajustes é a do desenho da política fiscal, seja na parte de qualidade, seja também no tamanho da economia para o pagamento de juros da dívida. Ninguém está preocupado com a solvência do país, ainda mais à luz da deterioração da política fiscal dos países desenvolvidos. A questão é ter geração maior de poupança no país e qualidade de investimento privado que, de fato, possa acelerar o crescimento do país sem inflação.
Mas a candidata do governo já disse que é contra arrocho fiscal.
Agora não é hora, ao meu ver, de tomar discurso dos candidatos como um sinalizador do que vai ser a política econômica daqui para frente. Em início de mandato, geralmente se têm políticas fiscais mais conservadoras. Não acho que serão tão conservadoras quanto no início do governo Lula em 2003, porque lá houve mudança de partido. Mas, de qualquer forma, é natural que se avaliem algumas coisas. Talvez hoje o que traga maior apreensão dos investidores é a política parafiscal, o crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Mas creio que isso mudará. Não há mais necessidade de se ter um BNDES tão presente na economia.
O atual ritmo de crescimento do Brasil é sustentado?
Os 7% que teremos neste ano, não. O consenso entre os economistas é de que o Brasil tenha potencial para crescer 4,5%. Minha avaliação é de que o país está se aproximando de 5% de crescimento de forma sustentável, devido ao ciclo de investimentos que começou em 2005. Faz muita diferença ter um movimento tão robusto da construção civil. As taxas de investimento nos principais países da América Latina são próximas de 25% do PIB e, no Brasil, está abaixo de 20%. Se houver reformas ambiciosas para aumentar a capacidade de investimento do setor privado, acho que poderá haver uma aceleração de crescimento brasileiro bastante interessante.