Economia

Recuperação rápida faz Brasil, Índia, China e Rússia atrair investimentos

Mas dólares escondem distorções

postado em 12/09/2010 08:00
O pós-crise mostra que o peso relativo de alguns países aumentou no complexo tabuleiro de xadrez da economia mundial. Puxados por Brasil, Índia, China e Rússia, os emergentes não só restabeleceram os níveis de emprego, consumo e crédito em tempo recorde, como acumulam em 2010 taxas de crescimento bem superiores às registradas pelas nações centrais. Como a retomada da parte rica do globo insiste em não acontecer, o capital financeiro e produtivo ; sempre em busca de rentabilidade alta e do risco baixo ; procura novos portos para atracar.

Os bons ventos que sopram a favor dos países em desenvolvimento, no entanto, escondem perigos que devem ser considerados. Especialistas ouvidos pelo Correio ressaltam que cautela e vigilância são palavras que nunca podem ser esquecidas, ainda que a euforia do momento e os números positivos sufoquem qualquer tentativa de alerta fora do tom.

Rubens Ricupero, embaixador e ex-ministro da Fazenda (1994), diz que a desregulamentação do sistema financeiro expôs a tolerância excessiva dos mercados à criação de instrumentos financeiros perigosos, como os derivativos e as hipotecas de valor duvidoso. O analista prevê que os Estados Unidos e as potências europeias só recuperem o potencial de crescimento abocanhado pela crise em três ou quatro anos. Até lá, a bola da vez serão os emergentes.

No caso do Brasil, Ricupero lembra que a combinação do real valorizado com o aumento do deficit em conta-corrente é preocupante. ;Há algumas áreas de risco. Uma delas é a aposta muito elevada na apreciação do real. Em países onde isso ocorreu de forma acentuada, podemos verificar o surgimento de uma grande crise logo em seguida, porque esse fenômeno promove a entrada maciça de capitais e o deficit em conta-corrente estoura. No Brasil, falta aprender essa lição;, completa Ricupero. O deficit em conta-corrente registrado em julho deste ano, conforme dados do Banco Central, chegou a US$ 4,499 bilhões ; o pior saldo para os meses de julho desde o início da série histórica. O rombo aumenta a dependência do Brasil ao capital estrangeiro e é visto com ressalvas pelos especialistas.

Múltiplas causas
Maílson da Nóbrega, outro ex-ministro da Fazenda (1988-1990), explica que a crise revelou ter múltiplas causas, mas que a raiz de tudo foi a imprudência. Para ele, os ricos vão passar um longo período de baixo crescimento regado a corte de gastos e aumento de impostos. Já as famílias americanas vão continuar reduzindo o endividamento, fazendo recuar o crédito e o consumo, o que terá impactos diretos sobre a rotina do mundo. ;O Brasil mostrou que estava muito menos vulnerável do que os outros. Precisa agora ficar atento ao pós-crise;, recomenda. Maílson acredita em uma maior ;interação; do Estado com o sistema financeiro, mas descarta que a onda intervencionista tenha vindo para ficar. ;O Estado interventor está morto;, completa.

Alex Agostini, economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Ratings, afirma que a visão do investidor em relação à composição do mercado financeiro mudou e o Brasil está se destacando. ;O principal aprendizado para todos é que não dá para deixar o mercado se autorregulamentar: é preciso ter fiscalização e mais restrições;, justifica. Nos relatórios que servem de base para as análises da agência, Agostini diz que por causa dos estragos causados pela crise ninguém ;está colocando os ovos em um único lugar;, o que por si é um sintoma louvável.

Antes da quebradeira

Entre 2004 e 2006 a taxa de juros média praticada pelo mercado imobiliário americano começou a subir. Em alguns estados, os preços dos imóveis já caíam e a inadimplência dos compradores subia. Os pagamentos em atraso pipocavam, sobretudo, nos empréstimos tipo subprime ; hipotecas de risco elevado voltadas a pessoas com histórico de crédito duvidoso. Sem regulação, bancos e intermediários que atuavam no setor começaram a comercializar esses papéis. O Federal Reserve (Fed), o Banco Central americano, chegou a estimar em 2007 que a crise provocada por esses títulos poderia custar até US$ 100 bilhões.

Nos Estados Unidos e na Europa, a falta de liquidez começou a estimular um corre-corre entre os investidores. Àquela altura, nem todos conseguiam resgatar o dinheiro aplicado nos títulos que passavam de mão em mão. Na virada de 2007 para 2008, milhares de famílias americanas já não conseguiam pagar as prestações em dia, viram subir o endividamento doméstico e muita gente começava a perder o emprego. O sinal estava dado.

Os bancos centrais nos países desenvolvidos começaram a intervir com sucessivos cortes de juros e injeções de dinheiro para fortalecer e blindar bancos e empresas privadas. A quebradeira no setor privado, no entanto, anulou boa parte das primeiras iniciativas emergenciais tomadas ainda no primeiro semestre de 2008.

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