postado em 26/09/2010 08:31
Goiás foi a unidade da Federação que mais se beneficiou da expansão do emprego e da renda, segundo o estudo da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). Em saúde e educação, também obteve melhoras significativas. Esse desempenho permitiu que, embora se mantendo na classificação de desenvolvimento moderado, o estado elevasse a sua pontuação no índice, de 0,6961 para 0,7141.O Correio visitou duas cidades goianas com realidades distintas: Catalão, líder no ranking estadual de desenvolvimento, e Padre Bernardo, que ainda amarga a 241; posição, à frente apenas de cinco outras localidades. Situada a 320km de Brasília, a primeira é o melhor exemplo de dinamismo econômico no estado. A atividade industrial catalana foi responsável, em 2007, por 37,7% de um Produto Interno Bruto (PIB) total de R$ 2,91 bilhões, o quinto maior de Goiás. A região abriga mais de 50 empresas de médio e pequeno porte, além de grandes companhias, como a mineradora Vale e a montadora Mitsubishi.
A 100km de Brasília, Padre Bernardo tem um hospital que é referência na região e consegue manter suas crianças na escola. No entanto, sem capacidade de gerar emprego e desprovida de cursos universitários, a cidade não proporciona voos amplos para os jovens. ;Gosto muito de viver aqui. Mas quem quer estudar e trabalhar acaba deixando Padre Bernardo;, lamenta Gabrielle Neves, de 20 anos, funcionária do supermercado do sogro.
Catalão - Locomotiva regional
Apesar de preservar à primeira vista o clima de interior, o despertar barulhento no centro, ritmado pelos sons do tráfego de veículos e das construções espalhadas por diversas esquinas, não deixa dúvidas ao visitante: Catalão é uma cidade em plena expansão. Situado a 320km de Brasília e a 260km de Goiânia, o município de pouco mais de 81 mil habitantes vive atualmente uma transformação puxada pela industrialização e pelo aumento na oferta de serviços e do comércio.
Com incremento nos indicadores de emprego e renda, saúde e educação, Catalão assumiu em 2007 o primeiro lugar no estado entre as cidades com alto padrão, segundo o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM). O indicador local passou de 0,7705 para 0,8301, em uma escala na qual quanto mais próximo de 1, melhor é o nível de desenvolvimento. ;Muitas empresas vieram para cá e a cidade cresceu, não só economicamente, mas em importância política também. Melhorou muito e a expansão é constante;, considera Carolina Laverde, 14 anos, estudante do ensino médio articulado com educação profissional voltada para a área química.
O crescimento de Catalão foi observado pela jovem nos últimos seis anos, desde que chegou com a família formada por mãe, pai e uma irmã mais nova, do Paraná. Carol ainda não sabe em que empresa vai trabalhar. ;Vou escolher a melhor proposta;, diz. Apesar da pouca idade, responde com firmeza quando indagada se vai voltar ao estado de origem depois dos estudos. ;Não. Vou ficar aqui mesmo.;
A Mitsubishi é responsável por uma transformação na vida do mecânico Eduardo Morais, 36 anos. Morador de Catalão há 30, chegou acompanhando o pai, gerente do Banco Mercantil. Há quatro anos, trabalhava como autônomo, administrando um pequeno comércio. ;Na montadora, está melhor, porque tenho uma série de benefícios garantidos, que não dependem das vendas;, destaca. Durante a semana passada, Morais participou de um curso de aperfeiçoamento em transmissão automática, ministrado na unidade local do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai).
Outros 500 postos de trabalho diretos e indiretos serão criados até 2012 com a instalação de uma unidade de processamento de sementes de soja da Pioneer, subsidiária da
DuPont do Brasil. O anúncio da construção da fábrica foi feito na quinta-feira e a previsão de investimentos é de US$ 50 milhões, em uma área de 28 hectares.
Dinamismo
Além de atrair grandes redes varejistas e franquias famosas, o dinamismo do comércio também fomenta a produção local, à qual pretende se dedicar a estudante de costura e design Sabrina Souza de Camargo, 17 anos. ;O que eu quero mesmo é trabalhar com minha própria confecção e abrir uma loja;, explica. Natural de Catalão e com dois irmãos menores, Sabrina diz que a cidade se desenvolveu bastante desde que era pequena. ;As empresas ajudaram muito nesse processo;, acredita.
A agricultora Simone Guimarães veio do interior de São Paulo há 22 anos e concorda: ;Quando vim, isso tudo era terra, mas já era uma cidade que prosperava muito. Continua sem parar;, afirma, enquanto cuida do filho Claudio, que pratica skate em volta dela. Simone lembra que a maior expansão se deu na estrutura de ensino. ;Antes, para fazer o colegial era preciso sair da cidade. Hoje, além da rede pública, existem as escolas particulares e a Universidade Federal;, destaca.
Apesar do crescimento acelerado, Catalão ainda enfrenta um grave problema com o deficit de moradia e a cobertura de rede de esgoto, que atinge apenas 52% da área urbana, segundo o prefeito, Velomar Rios. ;Os terrenos são muito caros e a população não tem acesso. Para a questão do esgoto, estamos esperando o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) 2. Se formos contemplados, acho que passaremos uns dois anos só fazendo essas obras;, estima.
Padre Bernardo - Poucas perspectivas
Estudante do terceiro ano do ensino médio em Padre Bernardo, Pedro dos Santos, 18 anos, vai se mudar para Brasília. Aluno do Colégio Estadual Professor José Monteiro de Lima, ele sonha em cursar arquitetura. ;Aqui, não temos universidade;, reclama. Cursando o segundo ano, Paulo Ramos, 18 anos, também vai tentar vestibular em Brasília. Quer fazer veterinária. ;Eu preferiria, com certeza, fazer faculdade em Padre Bernardo, se houvesse essa possibilidade. Será cansativo viajar todos os dias;, acredita.
Na sexta-feira, os dois jovens participavam da feira de matemática da escola. O diretor, Francisco Teixeira Filho, diz que atividades como essa têm o objetivo de manter os estudantes envolvidos com a instituição. ;Tentamos segurá-los aqui a maior parte do dia. Desenvolvemos projetos em todos os turnos e nos fins de semana. Eles aprendem desde tricô até dança, artes cênicas, informática e línguas;, diz.
Considerada uma das melhores do estado, a escola ganhou mais uma razão para manter os alunos dentro de seus muros. A epidemia de crack que assusta as grandes cidades chegou a Padre Bernardo. ;Grande parte de nossa juventude usa drogas;, lamenta o diretor. Para ele, os jovens sofrem com a falta de perspectivas. ;Padre Bernardo precisa de empregos. Só temos uma faculdade de ensino a distância, que tem poucos cursos. A maioria dos nossos jovens, quando termina o segundo grau, para de estudar.;
Pai de quatro filhos, Valdivino Lima, 48 anos, diz que a renda é instável na cidade. Na seca, a única atividade econômica possível para ele é capinar terrenos para peneirar e ensacar sementes que serão vendidas para a formação de pasto. ;Tenho gastos com ferramenta, frete e, às vezes, preciso contratar alguém para me ajudar. Só consigo saber se vou realmente vender quando acaba a seca;, conta. A única renda fixa da família são os benefícios pagos pela Previdência Social em virtude dos dois filhos que possuem necessidades intelectuais especiais. Com o dinheiro, eles reformaram a casa. ;Agora, temos um quarto para as crianças;, diz a mãe delas, Sirlene Barbosa, 35 anos.
Vocação
O secretário municipal de Administração, Salvador Pereira Duarte, reconhece a dificuldade de geração de empregos do município e conta que ele mesmo teve que se graduar em Brasília. Segundo ele, a vocação do município é o agronegócio. ;Temos um convênio com o governo federal para a instalação de um abatedouro e, como Padre Bernardo produz soja, estamos tentando trazer uma indústria na área;, afirma.
O orçamento da prefeitura, de R$ 900 mil mensais, está comprometido com o custeio da saúde e com o pagamento dos funcionários. Os recursos do Fundeb (fundo educacional) são além do necessário para manter as escolas, mas a prefeitura gasta R$ 50 mil com quatro ônibus para levar universitários a Brasília.
Estudante do segundo semestre de letras em uma instituição privada de Taguatinga, Maria dos Santos, 26 anos, pega todo dia, às 17h, na praça central da cidade, um dos ônibus fretados pela prefeitura. Chega à faculdade uma hora e quarenta minutos depois. Ela e a colega Géssica Jesus dos Santos, aluna de enfermagem de 19 anos, sonham em deixar a cidade. ;Sempre procuro emprego em Padre Bernardo, mas não acho. Quero trabalhar em Brasília;, diz Géssica. ;Aqui, só há um hospital. Não tem campo de trabalho;, lamenta outra futura enfermeira, Rafaela Tavares, 20 anos.
Mesma situação é a de Emerson de Castro, 25 anos, aluno de radiologia. ;O hospital de Padre Bernardo já tem três técnicos na minha área. Eles não vão precisar de radiologista com ensino superior;, antevê. Estudante de administração, Luciano dos Santos, 23 anos, é uma voz dissonante entre os colegas: ;Pretendo seguir carreira aqui mesmo em administração rural. Sou filho de Padre Bernardo;, orgulha-se. (MM)