Economia

Incorporadoras brasilienses garantem que não cobram juros antes da chave

Mas advogados afirmam que prática proibida ainda existe

Vera Batista
postado em 27/09/2010 08:50
Compradores de imóveis na planta comemoraram a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que proíbe a cobrança de juros antes da entrega das chaves. No último dia 14, os ministros da 4; Turma, por unanimidade, rejeitaram um recurso da Queiroz Galvão, consideraram a cobrança abusiva e obrigaram a construtora a pagar em dobro a taxa cobrada de 1% ao mês. A economia para os clientes pode chegar a 13% ao ano. Mas, mesmo com a decisão da Corte, a atenção ao assinar contratos deve ser redobrada. Associações de mutuários, empresas e o Ministério Público ainda se desentendem sobre o assunto.

Para a advogada Enô de Souza, da Associação de Mutuários e Consumidores de Imóveis (Asmut), a notícia é boa. ;Em um negócio avaliado em R$ 100 mil, o desembolso chegaria a R$ 13 mil ao ano;, assinalou. Porém, embora o STJ tenha considerado que as parcelas anteriores ao recebimento do imóvel (a chamada ;poupança; para a construtora iniciar a obra) devam ser isentas dos juros, porque o comprador ainda não usufruiu do imóvel, a decisão, segundo ela, não criou Jurisprudência e não pode ser usada como padrão. ;O próprio STJ já decidiu várias vezes de maneira divergente. Depende do caso.;

Na avaliação do advogado Leandro Pacífico, da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH), entretanto, a determinação do STJ não só firmou jurisprudência, como também pode retroagir para outros contratos ou para quem já está com ações na Justiça. ;O STJ tem o poder de pacificar divergências entre os tribunais regionais;, lembrou. A confusão fica ainda maior no caso específico do Distrito Federal. Em 1997, 27 empresas ligadas à Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi) firmaram contrato com o Ministério Público (MP) concordando, entre outras cláusulas, em extinguir a cobrança dos juros anteriores à chave.

Conduta
Em 2001, novamente, construtoras e MP assinaram outro Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), reforçando a intenção. Hoje, os envolvidos no acerto garantem que, na região, a prática, que já havia sido vetada formalmente pelo Código de Defesa do Consumidor, não existe. ;Está claro. Se uma empresa de fora quiser agir diferente, estará indo contra a cultura de Brasília;, disse Wilson Charles, gerente comercial da Emplavi Realizações Imobiliárias Ltda. ;Se isso acontecesse, as concorrentes denunciariam;, afirmou o promotor Trajano Sousa de Melo.

O presidente da Ademi-DF, Adalberto Valadão, garantiu que, entre suas associadas, que representam mais de 90% do mercado local, há mais de 20 anos não se menciona o ;juro no pé;, como é chamado pelo setor. ;Somos a primeira unidade da Federação a concordar. Fomos até criticados, à época, por assinar o termo. Garanto que as 82 empresas daqui nem pensam nisso.; A advogada Enô de Souza, entretanto, assegurou que existem dezenas de ações contra os juros cobrados antes do Habite-se. ;As construtoras continuam fazendo o que querem e o Tribunal de Justiça (TJDF) às vezes concorda;, contestou.

O número
13%

Valor a que chegam as taxas anuais vetadas pelo STJ


Custo está embutido

O ministro Luis Felipe Salomão, relator do processo julgado pela 4; Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), afirmou que os juros antes do gozo do bem é irregular porque ;todos os custos da obra, inclusive os decorrentes de financiamento realizado pela construtora, estão embutidos no preço do imóvel oferecido ao público;. No caso, a compradora pagou correção monetária pelo Índice Nacional de Custo da Construção (INCC) e juros de 1% ao mês. Porém, o promotor Trajano de Melo alega que existe uma hipótese em que é possível cobrar esse percentual: quando a empresa transfere a propriedade do terreno.

Segundo Melo, se o contrato prever a venda do terreno e o compromisso de construir depois, a empresa entregou o bem e pode cobrar por ele. ;Por isso, o mutuário deve ler absolutamente tudo;, aconselhou a advogada Enô de Souza. Ela lembrou que a cobrança do INCC é legal, porque representa a correção monetária dos valores no contrato de financiamento imobiliário. ;Depois da entrega, cobram-se IGP-M, mais juro de 1%, e nunca antes. A ganância das empresas trouxe problemas sérios. Muita gente perdeu o imóvel, porque não teve como pagar;, insistiu.

O advogado Leandro Pacífico constatou que vários consumidores chegam até ele sem nenhuma informação sobre o assunto. ;Alguns só percebem que são explorados quando observam um aumento abusivo da prestação;, afirmou. Esses mutuários não sabem que, se quiserem ser ressarcidos do prejuízo, terão que entrar na Justiça com uma ação individual, como fez a compradora com o processo contra a Queiroz Galvão que deu origem à decisão do STJ. Conforme explicou o promotor Trajano de Melo, esse é o melhor caminho. ;Dificilmente, em acordo com o MP, as empresas devolvem em dobro;, disse. (VB)

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