Economia

Capitalização dilui parcela de investidores e segue sob desconfiança

Rosana Hessel
postado em 03/10/2010 06:57
Enquanto a capitalização da Petrobras é considerada um sucesso pelo governo e por alguns operadores de mercado, há quem veja a operação com desconfiança. Apesar de os novos papéis da companhia estrearem a primeira semana com alta, algumas dúvidas prevalecem sobre a operação e também sobre o futuro da companhia. Um dos principais motivos desse ceticismo foi o aumento da participação do governo no capital votante da estatal, que passou de 57,5% para 63,6%, diluindo em 14,3% a participação dos acionistas minoritários, para 36,4% das ações ordinárias (com direito a voto). Já no capital total, a fatia da União passou de 39,8% para 48,31%, depois da confirmação da emissão de 187,9 milhões de ações do lote suplementar (veja quadro).

A estatal não poderá mais emitir papéis para esta megaoferta e o aviso de encerramento da operação está programado para amanhã. Na opinião do professor da Faculdade Ibmec Wenersamy Ramos de Alcântara a mudança na estrutura acionária da Petrobras dá a entender que ocorrido, na verdade, foi mais uma operação de estatização que de capitalização. ;A Petrobras já era tratada como um braço do Estado e, agora, mais ainda. Evidentemente, a perda de voz dos minoritários é péssima, pois prejudica a governança e a transparência da empresa;, afirma.

A assessoria de imprensa da Petrobras, em nota enviada Correio, alega que o governo já tinha o controle e esse quadro não mudou. ;Se houve crescimento, o governo buscou algo mais, e, no caso, rentabilidade sobre seu investimento, acreditando que essa é uma boa oportunidade e dará o retorno desejado. O fato alinha o governo, controlador, com o interesse dos demais acionistas;. A estatal diz ainda que, como controlador, o governo podia eleger, no mínimo, cinco membros do Conselho de Administração e que o aumento da participação não alterou esse quadro. Observa ainda que a Petrobras desfruta de reconhecimento mundial por sua transparência.

Reforço
Com a emissão do lote suplementar, de R$ 5,2 bilhões, o valor da capitalização da Petrobras alcança R$ 120,2 bilhões. Mas, de 4,3 bilhões de ações ofertadas ao mercado, apenas 1,46 bilhão (34%) ficou com os minoritários. Considerando os preços da oferta pública, o montante equivale a R$ 40,21 bilhões, ou seja, metade da fatia do governo. Mas vale lembrar que, da diferença de R$ 80 bilhões, é necessário descontar a parte da cessão onerosa ; contrato pelo qual a União cederá à empresa 5 bilhões de barris de reservas ainda não exploradas da camada pré-sal, avaliada em R$ 74,8 bilhões. Logo, a megaoferta teve resultado bem menor do que o divulgado.

Na realidade, o caixa da empresa foi reforçado apenas pelo dinheiro dos não controladores, que pagaram à vista ou em títulos do Tesouro pelos papéis da empresa. Logo, o que entrará no caixa com a capitalização contribuirá muito pouco para o plano de investimentos de US$ 224 bilhões (ou R$ 380,8 bilhões) até 2014. Alcântara levanta ainda a preocupação sobre a necessidade de a empresa emitir novos títulos para cobrir os investimentos. A estatal, entretanto, nega previsão de nova capitalização.

CVM
O professor faz duras críticas à forma como todo o processo foi conduzido, desde o início, especialmente em relação à demora para a divulgação do preço do barril do petróleo para o contrato da cessão onerosa. A lentidão fez com que a empresa perdesse mais de 20% de seu valor de mercado desde o início do ano. ;O que está ocorrendo, do ponto de vista da integridade e equanimidade do mercado de capitais brasileiro, é uma aberração. Considero esse fato a maior vergonha desde o caso Nahas (Naji Nahas, megainvestidor famoso por protagonizar escândalos no mercado);, diz. Alcântara lembra também comentário do gestor do megafundo norte-americano Templeton Asset Management, Mark Mobius, para quem a operação da Petrobras foi ;abominável e uma terrível violação dos direitos dos acionistas;.

A desconfiança sobre a capitalização atravessou o Oceano Atlântico. Os relatórios do banco suíço UBS divulgados tanto na Bolsa de Nova York quanto na de São Paulo recomendaram a venda dos papéis ordinários (com direito a voto) e desaconselharam a compra. A instituição apontou vários riscos do processo.

Outro questionamento é sobre o papel da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulador do mercado acionário. Procurada, a autarquia alegou que ;quando se registra uma oferta oferta pública, a finalidade disponibilizar informações de qualidade e suficientes para que o investidor avalie se deve investir em determinada companhia, não cabendo ao regulador entrar no mérito se um investimento é bom ou ruim;. Diz ainda que todas as informações são analisadas, mas que as providências são tomadas somente quando necessárias.

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