Economia

Dilma e Serra abraçam agenda recheada de propostas populistas

Vânia Cristino/ Especial Estado de Minas, Vera Batista
postado em 11/10/2010 09:47
; LUCIANO PIRES

Ao sabor de conveniências político-eleitorais, Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) deixaram de lado as biografias de gerentes rigorosos para abraçar, nesta reta final de campanha à presidência da República, uma agenda recheada de propostas populistas. De olho nos votos de aposentados, de servidores públicos e de trabalhadores que estão na base da economia, a petista e o tucano trocaram as planilhas pelos palanques. Omitindo custos financeiros, prazos e efeitos colaterais, propõem aumentos de salários quase todos os dias. A tática rende aplausos fáceis e votos, mas o resultado de tantas bondades pode ser um desequilíbrio ainda maior das contas públicas ; fato desconsiderado por políticos populistas.

Sem dizer qual a fonte de recursos, Serra prometeu elevar o salário mínimo de R$ 510 para R$ 600 já a partir do próximo ano. Dilma não ficou atrás e logo definiu esse valor como piso em um eventual governo. O que ambos não revelam é quanto isso custará ao país. A pedido do Correio, cálculos feitos pelo economista Marcelo Abi-Ramia Caetano, do Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada (Ipea), mostram que, se a promessa vingar, o impacto nas despesas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) será de R$ 11,9 bilhões no primeiro ano do próximo governo. Se nessa conta for adicionada a promessa de Serra de reajuste de 10% para aposentados e pensionistas que ganham acima de um salário mínimo, a fatura para a Previdência Social encostará nos R$ 24 bilhões. Um estrago desse tamanho tende a apressar a discussão em torno de reformas que os dois candidatos preferem evitar.

Recuo estratégico
Para Caetano, em vez de abraçarem o populismo ; um dos únicos pontos que igualam Dilma e Serra na campanha eleitoral ;, os dois deveriam defender mudanças urgentes no sistema previdenciário, porque a população brasileira está envelhecendo rapidamente. ;Hoje, já temos 7% das pessoas com mais de 65 anos. Essa proporção subirá para 23% em 2050 e, com ela, os gastos. Já comprometemos 12% do Produto Interno Bruto (PIB) com a Previdência ; aí somados o setor público federal, estadual, municipal e o INSS. Ou seja, um terço da nossa carga tributária, que é elevadíssima, vai para o pagamento de benefícios previdenciários;, reforça. Só o deficit do INSS neste ano chegará a R$ 47 bilhões.

Boa parte do descasamento entre a arrecadação e o pagamento de benefícios advém das regras, que os especialistas classificam como generosas, para a concessão de aposentadorias e pensões. Uma delas, na opinião de Caetano, é que as pessoas se aposentam muito cedo no Brasil, em torno dos 55 anos de idade, seguindo o tempo de contribuição (35 anos para o homem e 30 anos para a mulher). Outra é que as regras de pensão por morte ainda seguem o modelo no qual a mulher era dependente do marido. ;Essa fórmula não é mais sustentável ao longo do tempo;, observa um analista, que defende acabar com o acúmulo de benefícios (aposentadoria e pensão ou duas aposentadorias de regimes diferentes). ;É um tema que deverá ser debatido sob a ótica da justiça distributiva. Quem paga para que uma única pessoa tenha uma proteção dupla é a sociedade por meio dos impostos;, explica esse especialista.

O próprio Ministro da Previdência Social, Eduardo Gabas, chegou a defender o fim da acumulação de aposentadorias e pensões, além de mudanças nas regras de concessão das pensões por morte. O ministro disse que deixaria pronta uma proposta de reforma para o próximo governo, mas, diante das repercussões negativas, não voltou mais a tratar do tema. Para Marcelo Caetano, posições neutras em relação à reforma são mais do que compreensíveis. ;Todos sabem que propor uma reforma no sistema previdenciário é extremamente impopular em qualquer lugar do mundo. É só ver os protestos recentes na França, na Espanha e na Grécia;, observa.

Pura sedução
Anúncios de mais concursos públicos a partir de 2011 e compromissos com reestruturações de carreiras seduzem outra frente eleitoral importante para qualquer candidato: o funcionalismo. Não por acaso, Dilma e Serra passaram as últimas semanas mandando recados otimistas para quem é ou quer ser servidor público. O tucano, que defende um Estado ;eficiente;, promete a redução das nomeações políticas para cargos no governo e a implantação de programas baseados no mérito e em metas. A petista, que prega o Estado ;indutor do desenvolvimento;, tem insistido na tese de que a burocracia de primeiro mundo será consolidada à custa de reforços nos quadros e da valorização contínua do trabalhador. O que ambos não detalham é quanto isso pesará no Orçamento na forma de gasto corrente (leia mais na página 9).

Outro grupo sensível a discursos e propostas imediatistas são os aposentados. Dependendo da habilidade do candidato em convencê-los, o retorno pode ser na forma de alguns milhões de votos. Sabendo disso, os representantes das coligações encabeçadas por PT, de um lado, e PSDB, de outro, elaboram ações específicas aos brasileiros que deixaram o mercado de trabalho. ;Quando se fala em aumentar em 10% as aposentadorias, não se confessa que, para isso, teria que desvinculá-las do salário mínimo. Significa que o ganho imediato seria alto, mas, com o tempo, esse público perderia muito o poder de compra. Voltaríamos ao passado, quando os ganhos eram bons no início, mas depois não davam sequer para comprar remédio;, adverte Tony Seugirdor, consultor independente.

Ele ressalta que, quando se fala em aumento para aposentados e pensionistas, não se deve pensar apenas nos vinculados ao INSS. É preciso incluir os beneficiários pagos pela União, estados e municípios. ;Quando se olha para todo o bolo, a conta é enorme. Um rombo que não está previsto na proposta de Orçamento, que já foi encaminhada ao Congresso Nacional;, alerta o advogado Carlos Manuel, do escritório Lopes Filho. ;Por isso, tudo não passa de promessa eleitoreira.;

Da mesma forma, não está nos cálculos da União arcar com o pagamento de um provável 13; salário para os 12,6 milhões de lares que recebem valor médio de R$ 95 do programa Bolsa Família. ;Seria preciso ter mais R$ 1,2 bilhão no caixa só em 2011. E todo mundo sabe que, ao contrário, o governo tem que cortar seus gastos;, completa Seugirdor, lembrando que, com aposentados e o Bolsa Família, as promessas dos candidatos custariam R$ 25,2 bilhões em apenas um ano.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação