postado em 11/10/2010 09:50
Cientes de seu poder na hora de depositarem os votos nas urnas, os servidores públicos conquistaram espaço relevante no discurso dos dois candidatos à Presidência da República neste segundo turno. Tamanha influência levou José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) a rasgarem a cartilha de bons gestores públicos, ao limarem de suas plataformas qualquer indicativo de contenção de gastos com esse grupo, beneficiado por aumentos generosos de salários nos últimos anos da administração Lula.Pela proposta de Orçamento de 2011 em análise no Congresso, os poucos mais de 2 milhões de funcionários efetivos da União custarão aos cofres públicos R$ 184 bilhões no primeiro ano do próximo mandatário. Para os servidores, no entanto, essa fatura não é suficiente, o que se tem traduzido em constantes movimentos de greve. A prevalecerem as ameaças atuais, pelo menos 30 carreiras prometem cruzar os braços no ano que vem. Isso, é claro, se Dilma ou Serra não atender os pleitos que serão colocados na mesa.
Apesar desse quadro nada animador, tanto a presidenciável petista quanto o candidato tucano optaram por uma postura conciliadora, deixando as portas abertas para a concessão de mais benefícios ao funcionalismo. O que, se confirmado, significará menos recursos para serem aplicados em obras de infraestrutura e em áreas prioritárias como saúde, educação e segurança pública. ;Infelizmente, nenhum dos postulantes ao Palácio do Planalto quer se indispor com um grupo tão influente, como o dos servidores;, diz um técnico do governo.
A postura semelhante entre Serra e Dilma não impede, porém, que a petista seja a preferida nas repartições. O argumento é o de que o tucano retomaria a política de enxugamento do Estado adotado na administração de Fernando Henrique Cardoso, seja por meio das privatizações de estatais, seja pela terceirização da máquina em vez do reforço de pessoal por meio de concurso público. Para se contrapor a essa visão, Serra vem dizendo que defende um Estado forte e eficiente, o que passa pelo aprimoramento de todas as carreiras do Executivo.
Dilma, por sua vez, promete ir além de seu padrinho, o presidente Lula, que somente nos últimos 34 meses autorizou a criação de mais de 92 mil vagas no setor público e prometeu abrir outras 10 mil depois do segundo turno das eleições ; marcado para 31 de outubro. Estão prometidos postos no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na Polícia Federal, no Senado, no Banco Central, na Petrobras e na Receita Federal. Diante desse quadro, Dilma vê como positivo o fato de o gasto com o funcionalismo ter saltado 163% entre 2001 a 2010, mas o desembolso com obras de infraestrutura não chegar a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB).
Independentemente da fartura de concursos promovidos no governo petista e de reajustes de quase 300% nos salários de parte do funcionalismo, a nomeação de pessoas de fora da administração para ocupar cargos de chefia e de assessoria continua sendo visto como um incômodo em relação à Dilma. Os servidores também temem perder, com ela ou com Serra, o direito a um sistema previdenciário diferenciado. ;Defendemos que a aposentadoria do funcionalismo seja pública, de responsabilidade do Estado. Esse é um dos principais fatores para a estabilidade da carreira;, diz Jorge Cezar Costa, presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate). Outro ponto nebuloso para o funcionalismo se refere à ascensão na carreira pela chamada meritocracia.
Educação à deriva
O mercado de trabalho representa um dos maiores desafios para o próximo presidente da República. O forte ritmo de crescimento econômico escancarou a velha deficiência da educação pública e o país vive um apagão de mão de obra qualificada. Os dois candidatos que agora se enfrentam no segundo turno ; Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) ; prometem investimentos no ensino técnico, mas o sucateamento é generalizado em todos os níveis de aprendizado. Curiosamente, a situação crítica foi descortinada a partir de resultados positivos. O índice de desocupação atingiu o menor patamar da história em agosto, 6,7%, e a expectativa dos analistas é por resultados ainda melhores até o fim do ano.
;Minha geração nunca acreditou que o Brasil teria um índice assim. Achavam que isso é coisa da Europa, dos Estados Unidos. Hoje a Europa está com 10% de desemprego;, exulta o presidente Lula. Mas os analistas temem que tais números provoquem efeitos colaterais na economia se medidas preventivas não forem adotadas. O economista Sérgio Vale, da MB Associados, ressalta que o Brasil passou por grandes reformas que estimularam o capital, mas o mercado de trabalho ficou estagnado.
Vale afirma que não houve melhoria efetiva da educação. ;O próximo governo pode, perigosamente, se parecer com os governos Geisel e Dutra, sem nenhum pensamento sobre mão de obra.; O professor de administração da Universidade de Brasília (UnB) e consultor Jorge Pinho tem opinião semelhante. ;Hoje, as pessoas têm o título acadêmico, mas não têm a competência necessária para exercer as profissões. Isso é consequência da péssima qualidade do ensino;, critica. (GHB)
País está no limite
Rosana Hessel
Apesar de a campanha do segundo turno das eleições já ter começado, os candidatos à Presidência da República ainda não apresentaram propostas concretas para o programa de governo muito menos para a área de infraestrutura. Para piorar, Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) optaram por direcionar os holofotes para discussões que ressuscitam temas ideológicos ultrapassados, como o aborto, deixando de fora do debate problemas estruturais que podem comprometer a continuidade do atual ritmo de crescimento que colocou o Brasil na crista da onda da economia mundial.
A análise dos especialistas ouvidos pelo Correio é de que a estratégia dos candidatos vem sendo levantar temas polêmicos como forma de desviar a atenção para assuntos mais importantes, tanto pelo fato de seus programas não estarem prontos quanto por tais assuntos não renderem os votos que garantam a vitória nas urnas em 31 de outubro próximo. ;Discutir aborto nessa altura do campeonato é um retrocesso. É preciso colocar na mesa de debates um programa concreto. Falar que a infraestrutura está ruim, que pode comprometer seriamente o futuro do país;, diz Paulo Resende, professor da Fundação Dom Cabral. ;A falta de um programa faz com que os presidenciáveis fiquem apenas no jogo de cena. Mas eles precisam avançar o debate e apresentar propostas efetivas para a melhoria do Brasil. O tempo para isso está cada vez mais curto;, complementa.
Parte do silêncio de Dilma e de Serra é porque eles não têm muito o que apresentar em relação aos períodos em que o PT e o PSDB estiveram no poder. Nas administrações de Lula e de Fernando Henrique Cardoso, os gastos com obras de infraestrutura ficaram aquém do necessário. Com isso, o risco de um apagão logístico se tornou iminente, dadas às elevadas taxas de crescimento do país. ;A infraestrutura atual não suportará o avanço médio de 5% anuais previsto para os próximos cinco anos;, afirma Resende.
Para ele, diante de mais um aumento na previsão do Fundo Monetários Internacional (FMI) para a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro deste ano, de 7,1% para 7,5%, os gargalos históricos dos portos, aeroportos, estradas, rodovias e, principalmente, das grandes cidades que ainda não possuem uma linha de metrô decente para aliviar os congestionamentos nos horários de pico, ficam cada vez mais evidentes.
Desânimo
Quem acompanha a economia de perto garante que os desembolsos de R$ 48 bilhões para infraestrutura previstos no Orçamento da União de 2011, dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), são insuficientes para corrigir os graves problemas enfrentados pelo país. ;Com a situação atual, seria necessário um volume três vezes maior de recursos, especialmente para os aeroportos, que são os portões de entrada para os visitantes estrangeiros;, argumenta o professor da Fundação Dom Cabral.
Na avaliação do professor Paulo Fleury, diretor-geral do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com um modelo consistente de investimentos para a infraestrutura, o país só teria a ganhar, pois consolidaria seus potencial de expansão econômico e a sua competitividade internacional.
Ele lembra que, na metade dos anos de 1970, ;quando éramos 70 milhões em ação;, o governo investia 1,8% do PIB ; a soma de tudo o que é produzido no país ; em infraestrutura. Essa relação caiu para 0,2%, em 2002, primeiro ano do governo Lula, e, neste ano, será de 0,48%. ;Trata-se de um percentual ainda muito baixo. O grande desafio do futuro presidente será elevar esse indicador, pois o Estado não conseguirá investir sozinho;, afirma. Pena que ninguém queira falar sobre o assunto.
Enganos constantes
Viajar de avião em uma véspera de feriado ou pegar uma estrada para o campo ou para a praia é transtorno certo em vez de descanso merecido. Horas perdidas pelos atrasos das companhias aéreas ou nos engarrafamentos nas vias interestaduais é algo inevitável nos dias de hoje, uma vez que as promessas são raramente cumpridas no campo dos transportes. A realização no Brasil da Copa do Mundo, em 2014, e das Olimpíadas, em 2016, levanta dúvidas, e muitas, sobre se as obras realmente necessárias estarão prontas para atender esses eventos ou se os gargalos vão ficar ainda mais evidentes.
O site do candidato tucano José Serra divulga um estudo recente feito pelo Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea), no qual os aeroportos das 12 cidades que serão sedes dos jogos da Copa do Mundo estão no limite da capacidade e alguns ;beiram o colapso;. O aeroporto de Manaus, por exemplo, com capacidade de nove pousos e decolagens nos horários de pico recebe quase o dobro do limite ; que é 17. Brasília, um dos mais críticos na opinião dos especialistas, tem capacidade para 36 pousos e decolagens e recebe 45.
A Infraero, autarquia que administra mais de 60 aeroportos brasileiros informa que planeja investir R$ 5,15 bilhões até 2014 para preparar o país para a Copa. ;Com esses recursos, a Infraero garante que atenderá a demanda de passageiros projetada até 2014, incluindo a que surgirá em função da Copa;, informa a empresa em nota.
O projeto do trem-bala entre São Paulo e Rio de Janeiro do governo Lula, uma das vitrines do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e, consequentemente, da campanha de Dilma é controverso. ;O projeto, além de caro, é inviável pois é para superfícies planas e não com desníveis como os existentes entre Rio e São Paulo;, alerta o professor Paulo Fleury, diretor-geral do Instituto de Logística e Supply Chain, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Para ele, a Copa e as Olimpíadas representam riscos reais de colapso do sistema. ;Os princípios gerais que deverão nortear a atuação do futuro governo federal no setor, devem ser o da participação parcial ou total do capital privado no investimento e na operação dos serviços, e o planejamento integrado dos modais visando criar condições para o rápido desenvolvimento da intermodalidade;, diz. (RH)