A guerra cambial travada no mercado internacional, responsável pela valorização do real e pela invasão maciça de produtos importados na economia brasileira, custará caro ao próximo presidente da República. O Brasil registrará, em 2010, o maior deficit em transações correntes ; fluxo de dinheiro que entra no país ou é enviado ao exterior para o pagamento de produtos e serviços ; dos últimos 63 anos, rombo que poderá atingir US$ 100 bilhões em 2011 ; quatro vezes mais do que os US$ 24,3 bilhões de 2009.
A situação está tão desconfortável, que uniu o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, em discurso propalado no último fim de semana em reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI), em Washington, Estados Unidos. Eles alardearam para os riscos de os deficits externos crescentes tanto nos países emergentes quanto nos desenvolvidos empurrarem o mundo para uma nova crise. No Brasil ; onde as transações correntes cavaram um buraco de US$ 31,1 bilhões nos oito primeiros meses do ano, um recorde para o período ;, todas as turbulências tiveram como epicentro o setor externo.
O que torna a preocupação mais latente no país é que o deficit vem sendo financiado, em grande parte, por recursos de curto prazo, de olho apenas nas altas taxas de juros pagas pelos títulos da dívida brasileira (10,75%). O receio de Meirelles e Mantega é de que uma possível interrupção do fluxo de capitais estrangeiros, motivado, por exemplo, pela elevação das taxas de juros nas economias desenvolvidas, deixe as contas descobertas.
Para o economista Cristiano Souza, do Banco Santander, o aumento do rombo externo é inevitável, uma vez que ele é puxado pelo aquecimento do consumo doméstico. Mais atividade no país significa maior importação de produtos e matérias-primas de outros países, melhor lucratividade das filiais de multinacionais instaladas por aqui (o que gera maiores remessas de lucros para as matrizes) e mais gastos com aluguel de equipamentos e transporte. Todos esses fatores aprofundam o deficit nas transações correntes, pois mais recursos deixam o país. ;Os ministros têm razão em levantar o problema porque não há risco no curto prazo, mas a economia brasileira continua crescendo e alimentando o deficit. Um momento de aversão generalizada ao risco poderia afugentar o investidor e dificultar o Brasil;, disse.
Corte de gastos
Por enquanto, não há perspectiva de reversão da enxurrada de dólares para o país. Mas se ela ajuda a fechar as contas externas, está provocando distorções enormes no câmbio, só fazendo crescer a preocupação da Fazenda e do BC, segundo análise da economista sênior para a América Latina do Royal Bank of Scotland (RBS), Zeina Latif. ;A questão não é que atingimos um deficit externo preocupante. Ainda há espaço para aumentar (o saldo negativo). A discussão surge por conta da valorização das moedas de países emergentes, tema que tem apelo não só para o Brasil, mas para outros países;, afirmou.
Zeina lembrou que o real forte ante o dólar exacerba os problemas de competitividade dos produtos brasileiros e impede a venda deles no exterior, desequilibrando ainda mais as contas externas. A seu ver, a receita para minimizar esses efeitos e dar condições dos exportadores disputarem um mercado ainda deprimido é diminuir os gastos do governo para manter uma política fiscal mais saudável e reduzir a burocracia e os custos de produção. ;Se não fizermos essa agenda, não adiantará ficarmos tentando conter a valorização do real. Esse é um fenômeno mundial e quanto menos dependermos do financiamento externo, com contas mais saneadas, melhor preparados estaremos;, concluiu.
Saldo comercial de US$ 1,7 bi
A balança comercial brasileira registrou superavit de US$ 1,677 bilhão nos seis primeiros dias úteis de outubro, segundo dados divulgados ontem pelo Ministério do Desenvolvimento. O saldo foi 346% maior do que o computado no mesmo período do ano passado.
As exportações somaram US$ 6,173 bilhões e as importações, US$ 4,496 bilhões. No ano, o superavit acumulado é de US$ 14,454 bilhões, resultado 34,2% menor do que os US$ 21,956 bilhões contabilizados em igual período de 2009. O mercado espera, segundo o relatório Focus do Banco Central, saldo positivo de
US$ 15,85 bilhões para todo o ano de 2010.
Inflação maior
O retorno da inflação em setembro, após três meses de resultados próximos de zero, piorou as expectativas dos analistas, de acordo com o Boletim Focus divulgado ontem pelo Banco Central. O mercado aumentou a projeção para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deste ano, de 5,07% para 5,15%. A estimativa de 2011 também foi revisada para cima, de 4,92% para 4,98%, e se mantém acima do centro da meta de 4,5% fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
A elevação dos preços tem sido puxada principalmente pelo grupo de produtos alimentícios e serviços e motiva parte do mercado a crer em pressões maiores sobre os custos. A deterioração das estimativas pode obrigar o Comitê de Política Monetária (Copom), segundo a avaliação de parte dos analistas de mercado, a antecipar para o primeiro trimestre do ano que vem um novo ciclo de aperto monetário, em vez de realizar os ajustes no segundo trimestre.
No que diz respeito à projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), o mercado manteve a aposta em 7,55% para este ano e em 4,50% para 2011, percentual que permanece estável há 44 semanas. E, apesar da preocupação do governo com a forte volatilidade da taxa de câmbio e a supervalorização da moeda brasileira, as instituições consultadas pelo BC estacionaram suas estimativas para o preço do dólar em R$ 1,75 para o fim deste ano, patamar superior ao atual, no qual a moeda norte-americana oscila próxima dos R$ 1,66. (GC)