postado em 19/10/2010 07:12
Diante da falta de perspectivas para a reversão da tendência de derretimento do dólar em relação ao real, o governo brasileiro ampliou o calibre da munição que vem usando na guerra cambial e tomou novas medidas para barrar a enxurrada da divisa norte-americana que vem inundando o país. Ontem à noite, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou outro aumento na alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para o capital estrangeiro aplicado em renda fixa, agora de 4% para 6%. Há menos de 15 dias, logo após o primeiro turno das eleições, a taxa foi elevada de 2% para 4%. O governo decidiu também fechar o cerco ao movimento especulativo no mercado futuro de câmbio. As medidas valem a partir de hoje.[FOTO2]O arrocho no imposto vai afetar os contratos derivativos ; operações que apostam na variação de ativos como o dólar ;, também pagarão 6% de IOF. Atualmente, o investidor que fecha um acordo para ser concluído futuramente é obrigado a depositar uma parte do valor da negociação como garantia. Até ontem, a taxação sobre essa parcela era de apenas 0,38%. A intenção do governo é desestimular os fluxos de recursos de curto prazo, que procuram obter lucro com a desvalorização do real.
Até o fim de setembro, os negócios fechados com aposta na queda do dólar totalizavam mais de US$ 25 bilhões, dos quais cerca de US$ 11 bilhões foram em contratos na Bolsa de Valores de São Paulo (BM) e os outros US$ 14 bilhões, expressos nas chamadas posições vendidas dos bancos ; operações em que vendem o dólar sem ter a moeda, esperando um momento em que poderão comprá-la por um preço mais baixo e lucrar com a diferença.
Sinalização
A expectativa é que as novas medidas surtam efeito, já que, até agora, as alterações foram praticamente inócuas na tarefa de conter a queda do dólar. ;O Brasil é hoje um país muito atraente, é um país sólido, e, além disso, oferece taxa de juro elevada. É muito difícil segurar a valorização (do real). O que estamos fazendo é atenuar a alta;, afirmou Mantega. Justamente em função dessa forte atratividade, alguns analistas que não acreditam na eficácia das novas medidas. ;Estão enxugando gelo. Em um primeiro momento pode até ter impacto, mas (o país) continua atrativo. O investidor vai colocar recursos onde? No Japão, com juro zero?;, questionou o diretor da corretora Pionner, João Medeiros.
Mas outra parte do mercado recebeu o comunicado como uma sinalização positiva. ;As medidas vão diminuir o fluxo (de dólares para o Brasil), com certeza. A taxação sobre o investimento em derivativos foi na veia. Vai afetar a rentabilidade das operações rapidamente;, observou o economista Roberto Luis Troster, ex-presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Além das mudanças na taxação de investimentos, o governo também já havia ampliado o limite de compra de dólares do Tesouro Nacional, para honrar dívidas que vencerão nos próximos quatro anos, e deu a possibilidade ao Fundo Soberano Brasileiro (FSB) de adquirir a divisa norte-americana a título de investimento.
DÓLAR MENOR QUE EM 1999
Apesar da relativa manutenção das cotações nos últimos três dias, a batalha cambial travada no mercado financeiro global derrubou o valor do dólar em comparação com a moeda brasileira a um patamar inferior ao de dezembro de 1998, se for descontada a inflação do período. Estimativas do mercado mostram que o real está cerca de 8% mais valorizado do que no mês que antecedeu a implantação do regime de câmbio flutuante no Brasil. O fato continua preocupando o governo, que mantém diariamente os leilões de compra de dólares via Banco Central ; uma forma de enxugar a liquidez e tentar conter o derretimento ainda mais rápido das cotações ; e o discurso oficial de que continua pronto para agir em todas as frentes necessárias.
De acordo com levantamento feito pela Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), o índice da taxa de câmbio real ; número que considera a variação da moeda, descontando a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) ; passou de 52,85 pontos em dezembro de 1998 para 48,30 pontos. ;Se você desconsiderar apenas a inflação de 2003, que ficou em torno de 15% quando o governo Lula assumiu, a cotação do dólar hoje já cairia para
R$ 1,40;, exemplificou o economista André Sacconato, da Tendências Consultoria.
O dólar fraco diminui o poder de compra de potenciais consumidores de produtos brasileiros, como os próprios Estados Unidos e os países da União Européia, e dificulta as exportações. A trajetória de queda acentuada, entretanto, pode estar próxima do fim, segundo avaliação de Sacconato. Para ele, a moeda norte-americana deve se estabilizar entre R$ 1,65 e R$ 1,70. ;Enquanto houver disponibilidade de dólares no mercado internacional, eles certamente virão para cá, mas, por outro lado, o governo deu mostras claras de que vai continuar tomando medidas para evitar que o real continue se valorizando. Claro que ele não vai inverter a tendência, mas suavizará o processo;, avaliou.
Ontem, a moeda norte-americana abriu os negócios em alta, mas encerrou o dia relativamente estável em relação à cotação de sexta-feira, com um leve recuo de 0,06%, vendida a R$ 1,664. No ano, entretanto, a queda da moeda chega a 4,4%. ;Não dá para imaginar que o dólar vai continuar caindo indefinidamente. Com certeza, se romper o piso de R$ 1,60, a equipe econômica vai entrar na jogada com mais força ainda;, afirmou.
Tributação
Para o chefe da mesa de operações da corretora Interbolsa do Brasil, Eduardo Duarte, caso o derretimento do dólar continue, uma das medidas mais incisivas que podem ser tomadas é a tributação de Imposto de Renda sobre as aplicações estrangeiras. ;Acho que (as medidas anunciadas ontem) vão ter efeito sim. O fato de o Mantega (ministro da Fazenda) ter deixado a porta aberta para novas ações é superimportante. Se o dólar continuar caindo, a medida mais bombástica seria se o governo retornasse com a cobrança do Imposto de Renda sobre o estrangeiro;, comentou. Atualmente, a entrada de recursos externos no mercado acionário é isenta da cobrança do IR. (GC)
IMPORTADOS PROVOCAM DEFICIT
; Com o dólar no chão, o país continua abarrotado de produtos importados. Os reflexos do derretimento da moeda se evidenciou na terceira semana de outubro, quando a balança comercial brasileira apresentou um deficit ; diferença entre importações e exportações ; de US$ 265 milhões. Números divulgados ontem pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) mostram que, entre 11 e 17 deste mês, as empresas brasileiras exportaram US$ 3,018 bilhões, com média diária de US$ 754,5 milhões, e compraram US$ 3,283 bilhões em mercadorias do exterior, com média de US$ 820,8 milhões. Houve aumento de 9,5% na entrada de produtos de fora em relação à segunda semana de outubro.