Vânia Cristino/ Especial Estado de Minas
postado em 22/10/2010 08:00
Mesmo com um deficit de R$ 9,191 bilhões em setembro, o pior resultado em 12 meses, o ministro da Previdência Social, Carlos Eduardo Gabas, disse ontem que o governo não fará qualquer mudança pontual e muito menos uma reforma constitucional para mudar as regras do sistema previdenciário. O ministro garantiu que a Previdência brasileira é sólida, ainda que as contas no vermelho já ultrapassem R$ 40,1 bilhões no acumulado do ano. Ele defendeu a viabilidade do regime de repartição simples do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Por esse regime, as contribuições feitas pelos trabalhadores em atividade, somadas à contribuição patronal de 20% sobre a folha de salários, cobrem o pagamento mensal das aposentadorias e pensões dos inativos da iniciativa privada. No Brasil, embora a conta da Previdência urbana seja equilibrada, a arrecadação do setor rural não é suficiente para o pagamento dos benefícios. O resultado é que, todo mês, o Tesouro Nacional tem que repassar dinheiro para a cobertura do deficit.
O ministro deu ontem a nova estimativa para o rombo do ano. Serão necessários R$ 44,5 bilhões para fechar a conta. A estimativa anterior era um pouco maior, em torno de R$ 47 bilhões. Na nova previsão, feita no mês passado, a Previdência já levou em consideração a melhoria do mercado de trabalho. Mais trabalhadores com carteira assinada significam mais contribuição para o sistema. Nos novos cálculos não entrou a despesa, estimada em R$ 1,5 bilhão, que o INSS terá com a recomposição do valor das aposentadorias e das pensões concedidas no mês anterior à mudança do teto a partir das emendas constitucionais que reformaram o sistema em 1998 e 2003, já decidida em última instância pelo Supremo Tribunal Federal.
O ministro aproveitou a divulgação do resultado do INSS para criticar a reforma que o governo francês está tentando fazer e que vem sendo objeto de acirrados conflitos no país (leia abaixo). "A crise financeira levou a França a descontar na Previdência Social", declarou, para logo em seguida emendar que o "governo brasileiro não defende medidas que tirem direitos dos trabalhadores".
Erros do passado
Para o economista Marcelo Abi-Ramia Caetano, do Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada (Ipea), o ministro está equivocado. Não se trata, segundo ele, de retirada de direitos, mas de adequação das regras ao novo perfil demográfico, de envelhecimento da população. ;O problema é que a França esperou a crise chegar para fazer a reforma. A situação lá deveria servir de lição para a gente. A reforma da Previdência Social no Brasil se impõe e deveríamos aproveitar o período de crescimento econômico, com geração de emprego e renda, para fazê-la e não repetir os erros do passado, quando também as reformas aqui foram feitas em períodos de crise;, avaliou.
Durante a divulgação dos dados, o ministro até que tentou ser neutro nas declarações em relação à posição dos candidatos à Presidência da República sobre os aposentados. Mas não conseguiu. Questionado sobre as promessas do candidato do PSDB, José Serra, de dar aumento real para os inativos, Gabas alfinetou. "Ele está prometendo uma coisa que não sei se vai cumprir. Quando estiveram no governo, os tucanos não deram nenhum aumento real para os aposentados", atacou.
SARKOZY ENFRENTA OS SINDICATOS
No décimo dia de graves distúrbios nas ruas das cidades francesas por causa do projeto de lei que eleva de 60 para 62 anos a idade mínima para a aposentadoria, os ânimos se acirraram ontem. O governo do presidente Nicolas Sarkozy não só se recusou a retirar a proposta, como pediu pressa ao Senado na sua aprovação. Os sindicatos convocaram dois novos dias de protestos nacionais contra a reforma, enquanto milhares de estudantes e trabalhadores, que temem uma piora nas perspectivas de empregos para os jovens, se manifestaram em Paris, Lyon, Nanterre e outras cidades.
Por causa da greve nas refinarias e nos depósitos de combustível, quase um quarto dos 12,5 mil postos de gasolina do país estão desabastecidos, embora policiais tenham sido mobilizados para liberar o acesso a algumas centrais de distribuição. Em duas regiões da França, as autoridades determinaram um racionamento para carros e caminhões. "Não podemos ser o único país do mundo em que, quando há uma reforma, uma minoria quer bloquear todos os demais. Ao sequestrar a economia, as empresas e o cotidiano dos franceses, vamos destruir empregos", reclamou Sarkozy.
Apelo
O ministro do Trabalho, Eric Woerth, pediu aos senadores que acelerem os debates para que o texto da reforma seja submetido à votação rapidamente. A intenção é aprová-lo já na semana que vem. "Tivemos mais de 120 horas de discussão. O debate não deve demorar por demorar", disse Woerth. O apelo provocou a reação da oposição. Parlamentares do centro, socialistas e ambientalistas criticam a decisão do governo, acusando-o de querer avançar à força, mesmo contra a vontade popular - segundo pesquisas, 71% da população francesa rejeita a reforma.
As seis principais centrais sindicais francesas sinalizaram a intenção de continuar lutando mesmo após a eventual aprovação da medida, com a convocação de protestos para 28 de outubro e 6 de novembro. "O governo arca com a total responsabilidade pelos novos protestos, à luz da sua atitude intransigente, seu fracasso em ouvir e suas repetidas provocações", disseram os sindicatos em nota, após um dia de reuniões em Paris. Vários países europeus têm tomado medidas para cortar gastos públicos, mas em nenhum lugar a reação é tão forte quanto na França.
CULTURA AFETADA
Os protestos já começam a afetar o turismo e as atividades culturais na França. O ator norte-americano Tim Robbins e sua banda cancelaram uma temporada que fariam em Paris. A cantora performática Lady Gaga adiou dois shows marcados para a capital por ;problemas logísticos;. A Air France-KLM informou que as greves estão custando 5 milhões de euros por dia para a companhia aérea, e a cervejaria Brasseries Kronenbourg alertou que o seu fornecimento pode ser afetado em breve se a falta de combustível prosseguir.