A disputa em torno da Presidência da República e os riscos que o próximo comandante do Brasil terá de enfrentar na área econômica fizeram os economistas disseminarem uma importante indagação: o país está ou não convivendo com bolhas de crédito, de moedas e de ativos que, quando estourarem, poderão custar caro à sociedade? Ainda que ninguém seja capaz de cravar, com todas as letras, a existência de tais distorções, o assunto tem preocupado o governo. Tanto que o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, rompeu com o conservadorismo e passou a externar a sua preocupação publicamente. "Estamos monitorando o assunto cuidadosamente. Estamos fazendo todo o necessário para evitar a formação de bolhas", vem dizendo.
As palavras de Meirelles foram cuidadosamente pensadas. Por mais que não queira comprar brigas com seus colegas neste fim de governo Lula, ele acredita que boa parte dos perigos que rondam a economia brasileira está sendo criada no Ministério da Fazenda, com a farra fiscal patrocinada por Guido Mantega. A gastança é tamanha que o BC tem mantido a taxa básica de juros (Selic) nas alturas - 10,75% ao ano -, atraindo uma montanha de dólares para o país. As consequências disso são a supervalorização do real e a dependência do capital estrangeiro para o financiamento da dívida pública, que, em seu estado bruto, chega a 60% do Produto Interno Bruto (PIB).
Para o economista Armando Castelar, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), é preciso ter cautela nas avaliações, pois a intensa entrada de recursos estrangeiros vem contribuindo para estimular a produção no Brasil. "Por isso, não acredito que esteja havendo um superaquecimento", afirmou. "Em relação aos ativos, porém, não há dúvidas de que as ações das empresas brasileiras estão caras, mesmo que ainda não tenham chegado ao patamar em que estavam antes da crise de 2008", ressaltou.
Ao analisar o comportamento do crédito imobiliário, que cresce a mais de 50% ao ano, Castelar observou que o volume total de empréstimos para a compra da casa própria equivale a menos de 4% do PIB brasileiro. "Em alguns países, a massa desses empréstimos corresponde a 60% do PIB", afirmou. "De fato, porém, está ocorrendo uma valorização intensa dos imóveis em algumas regiões, como Rio de Janeiro e São Paulo. Mas é difícil ter um parâmetro de comparação com outras cidades. Por isso é tão difícil dimensionar a existência de uma bolha neste mercado", complementou.
QUESTÃO DE TEMPO
O alerta do Banco Central sobre a ameaça de bolhas que rondam o Brasil é endossado por Ruy Quintans, professor da Faculdade Ibmec no Rio de Janeiro. "Há, sim, a possibilidade de formação de bolhas por aqui", afirmou. Para ele, o interesse dos investidores estrangeiros em trazer dólares para o Brasil é decorrente da elevada taxa de juros paga pelos títulos públicos. "É isso o que tem feito a cotação do dólar cair e a do real aumentar. E como os gastos públicos estão se expandindo, é difícil acreditar em uma redução mais expressiva dos juros por aqui. Então, os dólares tendem a continuar entrando e a taxa de câmbio continuará desfavorável ao país. Não tem solução de curto prazo", avaliou.
Quintans identifica como mercados mais propensos a bolhas o de renda fixa, para onde os dólares estão se dirigindo em maior volume, e o de renda variável, isto é, o acionário. "Como os mercados imobiliário e bancário são muito regulados no Brasil, creio ser mais difícil uma bolha se formar aí." Para o economista, caso os Estados Unidos, de fato, aumentem ainda mais a quantidade de dinheiro em circulação em sua economia, o Brasil estará em maus lençóis. "É inevitável fazer um ajuste nas contas públicas, com corte nos gastos, e bem forte", sentenciou.
O ajuste também é visto como solução permanente pelo economista Keyler Carvalho Rocha, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP). "As despesas são crescentes por razões de interesse político, especialmente neste ano", avaliou. De qualquer forma, há aspectos positivos que ele identifica na intensa entrada de dólares no país: o alongamento dos prazos de vencimento dos títulos públicos. Mas isso, segundo Rocha, não caracteriza uma bolha.
"O risco está mesmo no mercado de ações, no qual pode haver uma saída rápida e os preços, despencarem." Esse risco não está presente no mercado imobiliário.