Vânia Cristino/ Especial Estado de Minas
postado em 02/11/2010 08:00
Depois de muito relutar em debater temas considerados espinhosos por seus principais conselheiros, a presidente eleita, Dilma Rousseff, não só usou parte relevante de seu discurso de vitória para mandar recados aos agentes econômicos, como fez questão de ressaltar, ontem, em entrevistas a redes de TV, que manterá intacto o tripé que dá sustentação à estabilidade do Brasil: câmbio flutuante, metas de inflação e ajuste fiscal. ;Não acredito que manipular o câmbio resolva. Basta lembrar onde isso levou a Argentina e que quase fomos juntos;, disse. E complementou: ;O povo brasileiro não aceita que governos gastem acima do que seja sustentável e não tolera mais inflação como solução irresponsável para eventuais desequilíbrios;.[SAIBAMAIS]
Dilma ressaltou ainda que o país não medirá esforços para se proteger da guerra cambial que atormenta o mundo e está tirando a competitividade dos produtos nacionais no exterior. ;O Brasil não pode correr o risco de menosprezar a guerra cambial que está ocorrendo no mundo. Há moedas que estão subvalorizadas (como é o caso do iaun chinês), prejudicando o equilíbrio do comércio internacional. Temos que impedir o dumping (concorrência desleal);, afirmou. A expectativa do mercado é de que, mantido o atual cenário, de supervalorização do real, a futura administração imponha restrições para a entrada de capitais no país ; uma espécie de quarentena, em que parte dos recursos ficam depositados no Banco Central por pelo menos um ano sem qualquer remuneração.
Cartilha de Palocci
Apesar do esforço de Dilma para seguir a cartilha de um de seus principais assessores, o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, e desfazer todas as dúvidas dos analistas quanto aos rumos da economia a partir de 2011, a tarefa ficou pela metade. ;Não adianta falar em ajuste fiscal sem dizer, de forma clara, que haverá um freio na gastança. Ao mesmo tempo em que prega o equilíbrio das contas, Dilma ressalta que não pode cortar isso ou aquilo;, afirmou o economista-chefe da Prosper Corretora, Eduardo Velho. Ele também reclamou de uma posição firme sobre reformas, especialmente a da Previdência Social.
Segundo Velho, a presidente parece preferir contar com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e o aumento do emprego formal para manter o deficit da Previdência sob controle. Essa visão, contudo, pode ser um equívoco. ;Ela deveria aproveitar o início do mandato, quando contará com enorme apoio político, para tratar de temas difíceis;, ponderou.
Essa visão é compartilhada pelo economista Cristiano Oliveira, do Banco Safra. Para ele, não basta a desaceleração dos gastos do governo. É preciso um sinal mais forte de austeridade ainda este ano, como a manutenção da regra que corrige o salário mínimo (leia reportagem na página 13). ;Como o crescimento do PIB foi zero em 2009, o ajuste real do mínimo para 2011 também deveria ser zero. Seria a primeira sinalização de uma política fiscal mais restritiva;, observou.
A exemplo, porém, do que aconteceu no primeiro mandato de Lula, o mercado promete dar um tempo para a presidente eleita. Mas é grande a torcida para que uma redução mais forte no ritmo de crescimento dos gastos públicos prevaleça, permitindo ao Banco Central dar início a um processo de corte da taxa básica de juros (Selic), de 10,75% ao ano. Ao pagar esse rendimento aos títulos públicos, o governo incentiva a vinda de dólares para o país, ajudando a empurrar as cotações do dólar ladeira abaixo ; um motivo a mais para as atuais distorções no câmbio, lembrou o economista Luiz Cherman, do Banco Itaú.
No entender de Luís Otávio de Souza Leal, economista-chefe do Banco ABC Brasil, o discurso de Dilma foi de ;tecnocrata; e ;pouco enfático; quanto aos temas importantes ao país. Para ele, foi importante que a futura presidente reafirmasse o compromisso com o tripé econômico. O problema, destacou, é como esses elementos serão usados. ;Há o temor de manipulação;, frisou. ;Há dúvidas sobre quão austero será o próximo governo, se o Banco Central será mais leniente com a inflação e que tipo de intervenções serão propostas para o câmbio. O mercado está pagando para ver como será montado esse tripé. Muita coisa vai depender da posição de Palocci no governo, já que ele é visto como o fiador de Dilma;, explicou, destacando que, do ponto de vista tributário, o principal avanço no governo Dilma será a desoneração da folha de salários das empresas.