Economia

Dilma Rousseff recebe sinal verde para interferir no Orçamento

postado em 13/11/2010 07:30
Denise Rothenburg
Gabriel Caprioli
Vicente Nunes


O relator do Orçamento de 2011, Gim Argello (PTB-DF), abriu a possibilidade de a equipe de transição da presidente eleita, Dilma Rousseff, apresentar de próprio punho emendas à proposta orçamentária em análise no Congresso, sem precisar recorrer aos atuais líderes governistas na Câmara e no Senado. A iniciativa servirá para atender projetos de Dilma. Pode, por exemplo, ser a porta de entrada para o reajuste dos salários dos ministros de Estado, defendido por ela esta semana em Seul. Pode vir daí também a concessão dos 56% de aumento dos servidores do Judiciário, um assunto que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, vai tratar diretamente com o presidente Lula e Dilma na semana que vem.

Entre os projetos da presidente, estão o reajuste para ministros e os 56% do JudiciárioPeluso declarou recentemente em Washington que o aumento do Judiciário está inserido no plano de carreira enviado ao Congresso em agosto deste ano. Na época, ele e Lula chegaram a falar a respeito e o presidente da República comprometeu-se em discutir o assunto depois da eleição e resolvê-lo ainda nesta Legislatura. A hora chegou. Peluso quer explicar a Lula e à presidente eleita que, embora o impacto seja de R$ 6,7 bilhões nos cofres públicos, o aumento será escalonado, ou seja, concedido em etapas e não de uma única vez. Dirá ainda que não se trata de repor perdas inflacionárias, mas, sim, de reestruturar a carreira. A fim de alcançar o objetivo, os servidores do Judiciário fizeram fortes pressões pelo reajuste este ano.

Delírio
A conversa com Lula e Dilma é o último recurso para a concessão do aumento e as chances de sucesso são incertas. É que, se depender das áreas técnicas do governo, o reajuste não sai. O senador Gim Argello já informou aos assessores do STF que não há provisão de caixa para o pagamento. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, disse que o percentual é ;delirante;. O maior temor dos técnicos do governo é o efeito cascata que esse aumento pode gerar.

Hoje, os parlamentares que recebem R$ 16,5 mil de salário pleiteiam um reajuste de 61% para se aproximar dos vencimentos atuais dos ministros do STF, R$ 25,7 mil, que, em fevereiro, passarão a R$ 26,7 mil mensais. E vem por aí também o aumento do salário dos ministros de Estado, hoje em torno de R$ 12 mil, menor do que o valor inicial pago a um analista legislativo ; R$ 17,4 mil, segundo levantamento feito pelo Judiciário na tabela que eles usam para explicar o plano de carreira. ;Se abrir a porteira, passa uma boiada;, afirma um técnico.

O que preocupa quem faz as contas é que todas as vezes em que um poder (Legislativo, Executivo ou Judiciário) faz um plano de carreira novo, logo em seguida os dois outros apresentam planos semelhantes para elevar seus vencimentos um pouco acima. Assim, um está sempre correndo atrás do reajuste concedido ao vizinho e isso vem ocorrendo numa escala crescente.

Mínimo
A maior preocupação hoje é com a falta de recursos para investimentos. Sem as estatais, restam R$ 50 bilhões em investimentos diretos, menos de 1% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de todas as riquezas do país), enquanto as despesas com juros e dívidas em geral chegam a mais de 30% do PIB. A intenção do governo Dilma é trabalhar para reverter esse quadro. A intenção da equipe de transição é enviar as mudanças ao Orçamento até o fim do mês, para que mais tarde não seja acusada de atrasar a votação da lei orçamentária.

Ciente das dificuldades de caixa, Dilma pretende ainda reunir os governadores eleitos e reeleitos para discutir novas fontes de financiamento, especialmente para a saúde, e também como proceder o reajuste do salário mínimo. Já há um consenso entre os políticos que é melhor conceder um valor acima de R$ 538,15, previsto na proposta orçamentária encaminhada ao Congresso em agosto.

Lula rechaça a herança maldita
; Em Seul, durante a reunião de cúpula do G-20, grupo das 19 maiores economias mundiais e da União Europeia, o presidente Lula disse que não deixará para sua sucessora, Dilma Rousseff, uma ;herança maldita; como a que recebeu quando assumiu o governo em 2003. ;A presidente Dilma não vai fazer discurso algum dizendo que recebeu uma herança maldita do presidente Lula, porque ela ajudou a construir tudo que nós fizemos até agora;, afirmou ele aos chefes de governo e de Estado reunidos na Coreia do Sul. Em tom de fim de mandato, Lula acrescentou que o Brasil vive seu ;melhor momento em décadas;. Dilma o acompanhou na reunião de líderes dos países mais ricos a fim de discutir os temas da economia global, como a desvalorização das moedas da China e do Estados Unidos (leia mais na página ao lado) .

DISPUTA FAZ GASTO SUBIR

O apetite pelos recursos do Orçamento da União de 2011, o primeiro do mandato de Dilma Rousseff, tem tirado o sono dos membros da comissão mista do Congresso Nacional, onde as discussões sobre o destino das verbas seguem acaloradas. Pouco mais de uma semana depois de o relator de receitas, Bruno Araújo, ter encontrado fontes adicionais de R$ 17,7 bilhões, mais de R$ 12 bilhões já foram comprometidos para atender a demandas específicas, conforme detalhou o relator-geral, Gim Argello. Somente o aumento do limite para as emendas parlamentares, de R$ 9,1 bilhões para R$ 12,5 bilhões, elevou o gasto nessa rubrica em R$ 2,02 bilhões, somando mais de R$ 7,4 bilhões em cotas individuais.

Além dos R$ 3,9 bilhões direcionados para a Lei Kandir ; compensação dos estados em função da isenção de cobrança do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) nas exportações ; já foram carimbados R$ 400 milhões para o atendimento de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) em favor dos agricultores e mais de R$ 1 bilhão para a garantia de preço mínimo para a safra. ;O pedido para essa rubrica era de R$ 2 bilhões, mas não tivemos como atender e colocamos a metade;, afirmou Argello.

Equiparação
Outro R$ 1 bilhão será revertido para atendimento do teto per capita para tratamentos de alta complexidade na saúde. O senador explicou que o recurso destinado para essa finalidade justifica-se porque o limite de gasto na rede pública com cada paciente, em casos mais graves, difere entre os estados. ;Essa equiparação precisa ser feita, porque saúde é saúde, não importa a unidade da Federação;, defendeu.

A dificuldade em fechar o Orçamento e em conter os pedidos para novos gastos ameaça a meta de superavit primário de 3,3%, que a presidente eleita, Dilma Rousseff, promete cumprir. O relator mostrou-se disposto a seguir a orientação do governo em não cortar os investimentos. Para as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no entanto, foram reservados apenas R$ 49,7 bilhões, ou o equivalente a 1,28% do Produto Interno Bruto (PIB). Argello lembra que o valor dos investimentos pode chegar a R$ 60 bilhões, uma vez que as emendas parlamentares normalmente são direcionadas para projetos de infraestrutura. Entretanto, para cumprir os 3,3% do PIB, sem descontar os investimentos, serão necessários R$ 34 bilhões adicionais. (Gc)

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