postado em 21/11/2010 08:38
Antônio Temoteo - Especial para o CorreioO Brasil do pleno emprego, que abriu 2,4 milhões de vagas com carteira assinada nos 10 primeiros meses do ano, também é o Brasil dos bicos. De olho no celular novo, na casa própria, na viagem de férias, nos impostos que vencerão em janeiro próximo e nas matrículas dos filhos, um exército de brasileiros sai às ruas e não se intimida em dar expediente extra, seja no fim do dia, seja no fim de semana, para complementar a renda mensal. Para eles, dinheiro proveniente do suor, ganho de forma honesta, é muito bem-vindo. E, melhor: estão quase todos bem distantes do cheque especial e das faturas de cartões de crédito que, se mal administradas, tornam-se uma bola de neve.
Estima-se que essa economia informal, que sustenta milhões de lares, movimente R$ 580 bilhões por ano, o correspondente a 18% do Produto Interno Bruto (PIB), a soma das riquezas produzidas pelo país. Nem de longe o baiano Otaviano Francelino Neto, 34 anos, imagina o que seja o tamanho desse mercado. Casado e pai de três filhas, ele é vendedor de uma loja de materiais de construção, na qual ganha pouco mais de um salário mínimo por mês. O desejo de proporcionar uma vida melhor à família esbarrou na baixa remuneração que o emprego lhe oferece. Há quatro anos, a alternativa encontrada pelo baiano para reforçar o caixa foi a compra de uma churrasqueira para venda de espetinhos de carne no fim do expediente.
De segunda a sexta, chova ou faça sol, Neto acorda às 5hs da manhã para preparar mais de 100 espetos. Às 8hs ele já está na loja e às 18h encerra as vendas de canos, areia e cimento para se dedicar ao negócio que reforça o orçamento. Apesar do cansaço depois de um dia inteiro de trabalho, o vendedor mantém o bom humor e usa o slogan "vamos ajudar o baianinho a comprar o leite das crianças" para cativar os clientes que passam pela rua. A segunda ocupação lhe rende mais um salário mínimo por mês, o que permite a Neto manter a filha caçula em uma escola particular. "Esse extra me deu a oportunidade de colocar uma das meninas em um colégio melhor. Também me permitiu quitar as prestações de um carro antigo", comemora.
Pé no freio
O casal José Francisco dos Santos, 54 anos, e Marinalda Maia, 52, conseguiu pagar a faculdade dos três filhos, comprar um carro e um sítio com os ganhos da venda de marmitas. Santos é funcionário público e se viu em apuros quando teve de arcar com as mensalidades de dois filhos em uma universidade particular. A solução para o aperto financeiro surgiu quando a esposa se dispôs a fazer quentinhas em uma cozinha nos fundos de casa para incrementar a renda da casa.
Durante a semana, Marinalda levanta às 4hs da manhã para fazer a comida e compor um cardápio diário que oferece de costela com mandioca a frango xadrez. Ela conta com o auxílio de uma pessoa para limpar a cozinha e outra para fechar as marmitas. No início, os filhos acompanhavam a mãe na labuta, mas com o tempo se casaram e cada um seguiu um rumo. Atualmente, Santos põe a mão na massa. Ele dedica todo o horário livre do trabalho para ajudar a mulher a vender mais de 100 quentinhas que proporcionam R$ 300 por dia.
Marinalda e Santos se orgulham de todo o esforço. O resultado foi o bem mais precioso que os pais podem dar a seus filhos: uma boa educação. Agora, sentem-se confortáveis para botar o pé no freio do trabalho extra. "Todo dia é uma correria. Estamos cansados. Daqui a dois anos quitamos o carro que carrega as marmitas e, se for a vontade de Deus, vamos diminuir o ritmo", diz o servidor público.
Estabilidade
Para o mineiro Fábio Roberto Lopes Moreira, 20 anos, a batalha só está no começo. Mas ele não arreda pé da busca por uma vida melhor. Casado, pai de dois filhos, resolveu sair de casa aos 13 anos em busca de melhores condições de vida. No Distrito Federal, trabalhou três anos como garçom em um restaurante. Como não teve a carteira assinada, perdeu o acesso aos benefícios da formalização, como o seguro desemprego e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Como a mulher também está desempregada, Moreira sustenta a família sozinho e paga o aluguel de casa fazendo bicos como ajudante de pedreiro. O ganho diário fica em torno R$ 50. A renda mensal depende do tempo da empreitada e pode chegar a R$ 1 mil. "Ganho mais com os bicos, só que perco os meus direitos trabalhistas. Preciso encontrar um emprego formal", diz. Na opinião dos especialistas, o sonho do jovem poderá se realizar mais facilmente se ele seguir em uma única direção: o da educação. Nunca o Brasil precisou tanto de mão de obra qualificada.
Políticas públicas
O cálculo da economia informal é feito todos os anos pela Fundação Getulio Vargas (FGV). O objetivo é auxiliar políticas públicas que melhorem a condição de vida desses trabalhadores, muitos de dupla jornada. O estudo também serve para combater o comércio ilegal, movido pelo contrabando e pela pirataria, causando prejuízos para toda a economia.