Economia

Rombo nas contas externas submete o Brasil à especulação

Capital estrangeiro de curto prazo já é usado como solução para financiar a expansão da economia. Deficit atinge US$ 38,7 bilhões

postado em 24/11/2010 08:00
O rombo nas contas externas chegou a US$ 38,7 bilhões no ano após registrar, em outubro, um deficit de US$ 3,7 bilhões. No ano, o tamanho do buraco já é maior que o dobro em igual período de 2009 (US$ 15 bilhões). Pela lupa dos especialistas, o saldo negativo reflete um Brasil crescendo além do que é capaz e dependente do capital de outros países para se financiar. O Investimento Estrangeiro Direto (IED), destinado ao setor produtivo e sempre evocado como antídoto aos estragos nas contas externas, não tem sido capaz de acompanhar tamanha deterioração e o governo está se vendo obrigado a atrair capital especulativo, extremamente sensível às turbulências, para suprir as necessidades do país.

No acumulado de 12 meses, o buraco nas contas externas alcançou US$ 47,9 bilhões, o que representa um avanço de 123,8% ante novembro de 2009. Já o investimento estrangeiro direcionado para a produção avançou em ritmo bem mais modesto: 24,9% em igual base de comparação. O que o capital estrangeiro não tem conseguido cobrir está ficando a cargo dos recursos aplicados na bolsa de valores e títulos da renda fixa. Até outubro, essa porta de entrada para dinheiro estrangeiro no Brasil registrou o maior volume desde 1995: US$ 48,4 bilhões.

Esse cenário, de acordo com economistas ouvidos pelo Correio, mostra que, enquanto o Brasil mantiver taxas de juros elevadas, vai atrair mais dinheiro de especuladores do que recursos para o desenvolvimento do país. ;O problema é que, se ocorre uma turbulência, esse capital especulativo vai embora e a gente perde o que financia nosso crescimento;, ponderou Haroldo Mota, professor de finanças da Fundação Dom Cabral. ;Somos dependentes desse capital e isso é ruim. Nosso ritmo de atividade está alto e necessitamos alugar equipamentos lá fora e transporte para continuarmos a produzir e exportar;, explicou Mota.

Trajetória

Túlio Maciel, chefe adjunto do Departamento Econômico do Banco Central, argumenta que não há motivo para alarde. Por enquanto, o país está conseguindo se financiar ; mesmo que com o dinheiro do mercado financeiro ; e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, soma de todas as riquezas do país), estimado em 7,5% para este ano, está sendo bancado em parte por esses recursos. ;O deficit reflete o poder de consumo do brasileiro, que está viajando mais para o exterior e ainda o maior dinamismo da nossa produção;, disse.

Economista-chefe do banco Fibra, Maristella Ansanelli concorda que o buraco nas transações correntes ocorre em função do forte crescimento do país, porém, ela afirma que é preciso pensar no longo prazo e mudar esse quadro. ;No curto prazo, ele está permitindo que a gente cresça, mas isso é sustentável?;, questiona. ;Não pode crescer (o rombo) indefinidamente. Se não conseguirmos financiar isso, os impactos virão por meio de desvalorização do real e inflação;, alertou.

Ainda assim, as projeções não são de melhora nessas contas. ;Até o fim deste ano, esperamos que o deficit em conta-corrente siga a mesma trajetória de intensificação observada nos últimos meses, encerrando o ano em torno de US$ 50 bilhões;, calculou Octavio de Barros, diretor de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco. Para 2011, o BC projeta um rombo de US$ 60 bilhões, mas analistas de mercado e economistas mais pessimistas afirmam que o buraco pode chegar a US$ 80 bilhões.

Gasto sem precedente
O brasileiro tem viajado como nunca e gastou em outubro, mês fora do período tradicional de férias, US$ 1,6 bilhão no exterior ; a maior despesa desde 1947, segundo os dados do Banco Central. A diferença entre os desembolsos lá fora e o de estrangeiros no Brasil deixou um saldo negativo de US$ 1,2 bilhão, também o maior do levantamento. O dólar baixo e o aumento do poder de consumo têm impulsionado as idas para o exterior e, consequentemente, os gastos além-fronteira.

Na comparação entre o outubro de 2009 e o deste ano, houve um salto na gastança. O volume disparou 36%. Os desembolsos dos estrangeiros, porém, registraram um leve recuo de 3,3%. ;A verdade é que o brasileiro está rico momentaneamente. Com um câmbio em torno de R$ 1,72, o turista vai para o exterior achando que é farra. Mas uma hora teremos de pagar a conta e o deficit nas contas externas mostra isso;, argumentou Haroldo Mota, professor de finanças da Fundação Dom Cabral.

No acumulado de janeiro a outubro, o saldo entre as despesas de brasileiros lá fora e a de turistas estrangeiros no país ficou negativo em US$ 8,4 bilhões. Em 12 meses, o resultado também ficou negativo: US$ 9,6 bilhões de rombo na conta de
viagens. Os gastos lá fora, no mesmo período, somaram
US$ 15,3 bilhões. Os dois volumes são também os maiores já registrados pelo BC.

Além do câmbio baixo, o mercado de trabalho pujante no Brasil, somado à melhoria da renda dos brasileiros e aos preços mais cômodos das passagens aéreas, tem impulsionado as viagens internacionais. ;A nova classe C está incrementando o movimento de passageiros neste último ano e descobriu que ir para o exterior não é algo impossível;, ponderou Mota.

A depender do mês da viagem, para um brasiliense, por exemplo, ir à Argentina ou a outros países da América do Sul sai mais em conta do que um passeio a determinadas praias do Nordeste ou algumas regiões do Sul do país. A dica de especialistas é programar com antecedência e tentar comprar as passagens pelo menos dois meses antes. Se puder evitar os períodos de alta temporada, o consumidor também encontrará hospedagem mais barata e atendimento diferenciado.

Remessa de lucros
Com alguns países da Europa passando por mais turbulências e diante da incerteza de que os problemas irão se propagar para as nações com saúde financeira, as filiais de multinacionais no Brasil estão remetendo para as matrizes lucros e dividendos. Apenas em outubro, o envio desse dinheiro para o exterior somou US$ 1,7 bilhão. No acumulado do ano, o volume chegou a US$ 17,7 bilhões.

Saldo positivo em dólares
; A entrada de dólares continua forte no país.
Até 19 de outubro, o fluxo cambial ficou em US$ 750 milhões. Os dados preliminares, divulgados ontem pelo Banco Central, mostram um saldo positivo de US$ 445 milhões na balança comercial e mais US$ 305 milhões em operações financeiras. Nesse item, o ingresso e recursos externos para aplicações diversas no país somou US$ 16,4 bilhões, enquanto as remessas em pagamento de compromissos de entidades brasileiras no exterior atingiram US$ 16,1 bilhões. A posição vendida dos bancos também ; a aposta das instituições de que o dólar continuará a derreter ; também aumentou. Passou de US$ 12,4 bilhões em outubro para US$ 13,5 bilhões até a última sexta-feira, exibiram os levantamentos realizados pelo BC.

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