Vera Batista
postado em 24/11/2010 08:00
As principais bolsas de valores do mundo continuaram desabando ontem, influenciadas pela crise fiscal de alguns países da Europa, pelas declarações pessimistas da primeira-ministra alemã, Angela Merkel, sobre o euro e pelo conflito armado entre as Coreias do Norte e do Sul, que já causou duas mortes e deixou 19 feridos. Com isso, o Ibovespa, índice mais negociado na BM, sofreu forte desvalorização de 2,41%, fechando aos 67.952 pontos, na maior queda desde 19 de outubro. O baque foi tão grande que ações de apenas quatro empresas registraram alta. Por volta das 15h, não havia nem sequer um papel subindo. ;O problema já não é mais a Irlanda, mas qual será o próximo a derreter. Muitas dívidas foram geradas e, uma hora, a bolha vai explodir;, analisou Marcelo Coutinho, sócio-presidente da YouTrade. No mercado doméstico, os motivos da queda se deveram mais ao resgate do lucro dos investidores do que aos problemas internacionais, disse Coutinho. Em suas estimativas, até o fim da próxima semana, o Ibovespa ainda deve cair em torno de 4,5%, chegando próximo de 65.800 pontos. Os operadores se moveram tendo como pano de fundo as especulações em torno da equipe econômica da presidente Dilma Rousseff. ;Sejam quais forem os escolhidos, todos serão testados. O mercado vai observar muito se vão corrigir a meta de inflação para o centro, de 4,5%, em 2011, ou se vão ampliar ainda mais os gastos. E já se dá como certo que Meirelles (atual presidente do Banco Central) vai elevar os juros na última reunião à frente do BC;, destacou Eduardo Velho, economista-chefe da Prosper.
Fora do Brasil, o temor de contágio da crise irlandesa e a declaração de Merkel de que o euro enfrenta ;situação extraordinariamente séria; arrastaram o mercado acionário para o fundo do poço. O Índice Dow Jones, em Nova York, baixou 0,39%. A Bolsa de Paris caiu 2,47%, enquanto a de Londres recuou 1,75% e a de Frankfurt perdeu 1,72%.
Na Ásia, predominaram o temor quanto às consequências dos ataques na Península Coreana e os impactos da alta do depósito compulsório na China, que vai restringir o crédito. Não houve negociação no Japão, por ser feriado, mas a Bolsa de Hong-Kong baixou 2,7%, caindo pela terceira sessão consecutiva. Em Xangai, a queda foi de 1,9%. Em Seul, capital sul-coreana, o mercado fechou antes dos bombardeios, com uma leve retração de 0,8%.
O clima de aversão ao risco afetou o mercado de câmbio no Brasil. Em busca de proteção, os investidores procuraram a moeda norte-americana. O dólar comercial encerrou o dia em alta de 0,29%, cotado a R$ 1,735. Deve saltar para R$ 1,80 já na primeira semana de dezembro, segundo Marcelo Marcelo Coutinho. Mas, mesmo que o estresse na Europa se arraste por meses, o preço da divisa não deve fechar o ano acima de R$ 1,75, argumentou Eduardo Velho.
[FOTO2]EURO ESTÁ AMEAÇADO
O ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schauble, deu ontem a verdadeira dimensão dos problemas fiscais e bancários da Irlanda. Num rasgo de sinceridade, ele afirmou que a crise orçamentária irlandesa e a desconfiança generalizada no seu sistema financeiro ameaçam a saúde do euro, padrão monetário adotado por 16 países europeus. ;É o futuro da nossa moeda única que está em jogo;, disse em audiência na Câmara dos Deputados. Um pouco mais tarde, a primeira-ministra alemã, Angela Merkel, reforçou o recado, sublinhando que a Zona do Euro está ;em uma situação extremamente séria;.
A ofensiva das autoridades da Alemanha, a maior economia da Europa e a quarta do mundo, desnuda a preocupação dos governos europeus com as péssimas condições das contas públicas e das instituições financeiras na Irlanda. O temor é de que as dificuldades do país, que acumula deficit público de 32% do Produto Interno Bruto (PIB) e tem bancos à beira da bancarrota, se espalhem para os demais membros da Zona do Euro. Na verdade, um certo nível de contágio já está presente ; as taxas de juros na venda de títulos públicos de vários Tesouros Nacionais já crescem há algumas semanas.
Por isso, as autoridades fizeram tanta pressão para que o primeiro-ministro irlandês, Brian Cowen, aceitasse o pacote de socorro montado pelo Fundo Emergencial Europeu e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que pode chegar a 100 bilhões de euros (US$ 136 bilhões). No domingo, Cowen acabou cedendo. Agora, negocia os termos do acordo, que vai redundar em pesados sacrifícios à sua administração, como o corte de despesas num montante de até 10% do PIB. As medidas podem incluir redução de salários do funcionalismo e do valor das aposentadorias.
Ontem, Schauble afirmou que o governo alemão deve assumir responsabilidades diante da crise irlandesa. Do contrário, as consequências econômicas e sociais para a própria Alemanha seriam ;incalculáveis;, disse. Os bancos alemães têm, em suas carteiras, títulos do Tesouro irlandês no valor de 100 bilhões de euros. Seus balanços serão extremamente afetados se o país, antes conhecido como Tigre Celta, não conseguir honrar seus compromissos e acabar decretando o calote. A consequência seria a suspensão do crédito, com impactos no crescimento econômico.
Começaram as intensas conversas de Cowen com a oposição para tentar aprovar o Orçamento de 2011. Na segunda-feira, o primeiro-ministro enfrentou pressões para renunciar. Por enquanto, ele resiste, mas prometeu dissolver o Parlamento e convocar eleições assim que o projeto orçamentário passar. As próximas duas semanas serão cruciais para sua vida política e o futuro financeiro do país a médio prazo.
Declaração inusitada
O presidente do Banco Central da Irlanda, Patrick Honohan, surpreendeu por ter afirmado algo totalmente inusitado para alguém que ocupa um cargo como o seu. Numa demonstração de total descrença na solidez das instituições financeiras irlandesas, ele afirmou que os bancos do país ;estão à venda;. Foi além. Ressaltou que nações com economia fraca não devem ter um sistema bancário próprio. ;Eu defendo, há vários anos, que países pequenos tenham proprietários estrangeiros para seus bancos.; Mesmo depois de tais afirmações, Honohan disse que a falta de confiança dos mercados financeiros nos bancos do país não se justifica.
FED SOB FORTE ATAQUE
Washington ; O Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos Estados Unidos) está sob pesado ataque. Agora, no plano interno. Logo após o anúncio de que vai injetar US$ 600 bilhões no mercado para tentar acelerar a recuperação econômica, a autoridade monetária enfrentou uma saraivada de críticas dos outros governos, que enxergaram na decisão a intenção de desvalorizar o dólar e estimular as exportações. A essas restrições externas, se somaram reclamações nos meios políticos norte-americanos, especialmente da oposição ao governo democrata de Barack Obama.
Os republicanos aproveitaram a vitória nas eleições legislativas para fortalecer o tiroteio contra a política monetária, acusando a instituição de minar o valor do dólar e contribuir para o aumento da inflação. A bancada oposicionista, que conquistou a maioria na Câmara dos Deputados, apresentou um projeto de lei com o objetivo de simplificar a missão do Fed, tirando de suas mãos a responsabilidade de zelar pelo pleno emprego para que se concentre só na estabilidade dos preços. No entanto, as chances de aprovação do projeto são pequenas.
A rebelião dos parlamentares contra o Banco Central já havia sido manifestada na batalha declarada após a decisão de Obama de confirmar Ben Bernanke por mais um mandato à frente do Fed. Apesar de respeitado nos meios financeiros e acadêmicos, Bernanke está longe de gozar do prestígio de seu antecessor, o republicano Alan Greenspan. O Fed é acusado de não ter antecipado a crise, levando o país para perto da ruína.
Revisão
Ex-diretores do Fed reconhecem que a autoridade do banco está na berlinda como não ocorria desde os anos 1980, quando a instituição era acusada do contrário: focar no combate à inflação, esquecendo o fomento do emprego. A atual diretoria se defende, alegando que o melhor meio de garantir o valor do dólar é estimular a recuperação. Ontem, o Fed reviu para baixo a estimativa de crescimento no quarto trimestre. Antes, a previsão era de expansão anualizada de 3,5% a 4,2%. Agora, de 3% a 3,6%.