Dublin ; Aproximadamente 100 mil irlandeses protestaram neste sábado (27/11) em Dublin contra o draconiano plano de austeridade que o governo pretende aplicar, apresentado como uma condição indispensável para se beneficiar de um amplo programa de ajuda internacional. O arrocho faz parte das contrapartidas exigidas pela União Europeia (UE) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para liberar o dinheiro.
A passeata de 50 mil pessoas, segundo a polícia, ou 150 mil, de acordo com os sindicatos, partiu das docas do rio Liffey em direção ao GPO (General Post Office, o correio central), local simbólico do centro de Dublin, onde em 1916 foi lida a declaração de independência da Irlanda.
A marcha, liderada por um grupo de músicos, foi acompanhada por cerca de 700 policiais e um helicóptero. Os manifestantes avançavam cantando "Nós somos o povo, nós temos os votos". Em uma bandeira, os dizeres "Há um caminho mais justo e melhor", numa alusão aos cortes do plano de austeridade, cujo objetivo é reduzir o elevado déficit público irlandês.
"Os cortes orçamentários não são necessários. Salvamos os bancos, não a Irlanda. São os bancos que deveriam sofrer, vamos deixá-los cair", queixou-se Marian Hamilton, uma irlandesa de 57 anos que teme pela redução de sua aposentadoria. Marian foi ao protesto com o neto de 7 anos. Seu filho imigrou para a Austrália, em busca de trabalho.
Para Mark Finley, funcionário da prefeitura de Dublin de 28 anos, "é preciso derrubar o governo e fazer uma greve". "Temos que enviar uma mensagem clara a este governo. Minha renda diminuiu em milhares de euros em dois anos", reclamou.
"É repugnante, os ricos guardam seu dinheiro. Não quero que a vida dos meus filhos seja arruinada", concordou sua prima, Jennifer Lynch, de 26 anos, que foi à manifestação com os dois filhos, de 2 e 5 anos.
Pouco tempo depois do fim da principal manifestação, uma centena de pessoas, algumas pertencentes ao movimento anarquista Workers Solidarity Movement, reuniram-se perante o Parlamento irlandês, lançando garrafas de cerveja e bolas de neve contra as forças da polícia. O grupo se dispersou no fim do dia.
"Trata-se de salvar as pessoas, mas não aqueles na cabeça dos bancos", disse pouco antes, em um gigantesco pódio erguido perante a GPO, Jack O;Connor, presidente do Siptu, primeiro sindicato irlandês.
Declaração de guerra
Os sindicatos convocaram a marcha contra o plano de austeridade, que consideram "uma declaração de guerra contra os trabalhadores que ganham menos", nas palavras de Jack O;Connor, presidente do SITPU, principal sindicato irlandês.
As medidas de austeridade anunciadas na quarta-feira pelo governo pretendem economizar 15 bilhões de euros até 2014, por meio de uma redução do gasto público e de um aumento de impostos.
Além disso, o programa prevê a redução do valor pago pelo seguro-desemprego e por pensões familiares, da mesma forma que as aposentadorias e o salário mínimo. O governo planeja ainda um corte de 25 mil funcionários públicos.
A meta do plano é reduzir para 3% o déficit público irlandês, que este ano deve chegar a impressionantes 32% do PIB nacional. Sua aplicação foi apresentada como condição sine qua non para que o país seja incluído em um vasto programa de ajuda da UE e do FMI.
O montante exato da ajuda internacional, que deve girar em torno dos 85 bilhões de euros, será provavelmente anunciado neste domingo ou na segunda-feira.
Os ministros das Finanças do Eurogrupo ; e depois dos 27 países da União Europeia ; se reunirão no domingo em Bruxelas para discutir o plano de ajuda da UE à Irlanda, informaram neste sábado em Paris fontes ligadas ao bloco. Esses encontros "foram pedidos por Christine Lagarde", ministra francesa das Finanças. A princípio, haveria apenas uma simples teleconferência.
Fontes europeias, no entanto, já haviam aventado a possibilidade de convocar uma reunião presencial, cujo objetivo será aprovar o valor final da ajuda aos irlandeses e fixar as condições do acordo.
Juros elevados
A imprensa do país indicou na sexta-feira que a Irlanda pode ter de pagar juros de 6,7% pela ajuda financeira, muito mais que os 5,2% acordados com a Grécia há alguns meses.
Michael Noonan, porta-voz responsável pelo setor de finanças do Fine Gael, o principal partido de oposição, estimou que a tasa é "muito mais elevada e impossível de ser aceita do ponto de vista de uma previsão de crescimento razoável".
"Mesmo que o governo esteja vivendo seus últimos dias, não deve abandonar o interesse nacional e aceitar cláusulas intratáveis nas negociações", afirmou.
O jornal The Irish Times indicou, no entanto, que os juros seriam inferiores a 6,7%, citando uma fonte que participa das negociações em curso.
De acordo com esta fonte, a taxa de juros do empréstimo ainda é objeto de discussão e não deve ser tão alta, mesmo se superar os 5,2% aplicados à Grécia.