Economia

BC anuncia pacote de restrição ao crédito e atinge os compradores no Natal

Vera Batista
postado em 04/12/2010 10:15
Os consumidores que planejaram utilizar o décimo terceiro para incrementar as compras de Natal ou trocar de carro podem se preparar. Medidas anunciadas ontem pelo Banco Central vão tornar os financiamentos mais caros e reduzir os generosos prazos de pagamento, tornando mais difícil aos clientes fazer as prestações caberem no bolso. A intenção é conter o avanço descontrolado do crédito que, além de elevar o risco para o funcionamento de todo o Sistema Financeiro Nacional (SFN) com o aumento dos calotes, ainda açoita os preços na economia, dificultando o controle da inflação.

O presidente do BC, Henrique Meirelles, argumentou que as mudanças são prudenciais e que não restringem crédito a ninguém. Mas, na prática, elas significarão mais juros, uma vez que vão impor mais custo ao crédito e extinguir os parcelamentos bancários de longo prazo, acima de 72 prestações ; modalidade de pagamento que se tornou bastante popular no financiamento de veículos.

As resoluções publicadas fazem parte de uma espécie de arrumação da casa que a autoridade monetária está realizando, após a constatação de problemas contábeis em algumas instituições ; particularmente o rombo de R$ 2,5 bilhões no Banco PanAmericano. A principal medida foi a elevação dos recolhimentos compulsórios nos depósitos à vista e a prazo (veja quadro), decisão que deve retirar da economia, nos próximos seis meses, R$ 61 bilhões.

Garantias
E a intenção é justamente essa. Até outubro, o volume de crédito nas mãos de pessoas físicas ultrapassava os R$ 740 bilhões, acumulando uma alta de 19,5% em 12 meses. Sem o aumento da parcela que os bancos são obrigados a recolher para o BC, esses recursos ficariam livres para serem emprestados. Até outubro, o saldo de recursos recolhidos compulsoriamente somava R$ 307,2 bilhões.

A economista-chefe da corretora Icap Brasil, Inês Filipa, lembra que é necessário tomar cuidado com o avanço do crédito sem supervisão. ;Por mais que a gente queira que o Brasil aumente a sua oferta de recursos, nossa taxa de juros é muito alta, o que limita as condições de expandir;, observou. Para Inês, mesmo que atualmente as condições de renda sejam favoráveis para o consumo e o crédito, o quadro não é definitivo. ;Não sabemos quanto tempo os salários vão continuar subindo acima da inflação. O BC acertou, porque assim vai evitar furos no futuro, que poderiam causar problemas para as instituições.;

O BC também vai passar a exigir uma parcela maior de garantias dos bancos em financiamentos superiores a 24 meses. De cada R$ 100 emprestados, as instituições terão que guardar em seus cofres R$ 16,50. Antes, essa exigência era de 11% de cada transação. A medida terá mais impacto nos financiamentos e arrendamentos mercantis de veículos, conforme as condições da operação. Na prática, parcelamentos mais longos, com entrada menor, terão que ser garantidos por um percentual maior.

Calotes
A exigência de uma reserva de 16,5% também estará nas linhas de crédito consignado, em parcelamentos acima de 36 meses e nas demais modalidades voltadas à pessoa física, em contratos superiores a 24 prestações. A justificativa do BC é o aumento dos calotes nos financiamentos longos. ;Quando fazemos um diagnóstico, percebemos que operações com vencimentos mais longos, 12 meses depois de terem sido realizadas, tendem a ficar inadimplentes;, argumentou Aldo Mendes, diretor de Política Monetária do BC.

Além de dirimir os riscos de bolha de crédito, esta é a primeira vez que o Banco Central admite que a alteração nas regras dos compulsórios auxiliará no controle da inflação. Meirelles ressaltou que a medida, entretanto, não substitui a ação do Comitê de Política Monetária (Copom) na condução da taxa básica de juros (Selic). ;As medidas prudenciais e o aumento de compulsórios acima do nível pré-crise compensam os efeitos a expansão de crédito e de inflação;, disse.

Freio nas compras
Os brasileiros já admitem colocar o pé no freio nas compras a prazo. Estão na expectativa de como o comércio e os bancos vão se comportar em relação às decisões do Banco Central. Mas já reconhecem que se os juros subirem além da conta e se houver uma redução muito grande no número de parcelas as vendas do varejo podem minguar. Ao saber da mudança de regras, o casal Richardison Ribeiro Cunha, 24 anos, e Daniela Mirian Coutinho Gusmão Cunha, 22, correu para uma concessionária de veículos com a intenção de comprar um carro e evitar pagar uma taxa de juros mais alta que a atual.

Richardison e Daniela já possuem um automóvel, financiado em 60 vezes, com prestações de R$ 740. O segundo será dividido em 36 parcelas, com o custo mensal de R$ 600. Richardison e Daniela têm uma renda mensal de R$ 4 mil e nos próximos cinco anos comprometerá mais de um terço do orçamento. ; Vamos tentar comprar o carro agora, porque é uma grande necessidade. Se não fecharmos o negócio e a taxa de juros aumentar, não teremos condição de comprar o carro que queremos;, disse Daniela.

Água fria
O servidor público Franklin Dias, 28 anos, começou uma pesquisa para renovar os eletrodomésticos de casa e pretende comprar uma geladeira à vista e parcelar uma televisão. Entretanto, Franklin reconheceu que não terá como pagar a tevê se as prestações encolherem e os juros subirem. ;Não posso deixar os meus filhos sem comida. Essa situação é ruim para todo mundo;, lamentou.

A decisão do BC foi um balde de água fria nos planos da vendedora Tânia Aparecida da Silva, 29 anos. Tânia está há cinco meses na expectativa de comprar um fogão de cinco bocas e a renda mensal de R$ 630 poderá não ser o suficiente para realizar o desejo. ;É um absurdo a taxa de juros, que já é alta, subir ainda mais. Desse jeito, o meu fogão já era;, comentou.

Exceção entre os consumidores, o radialista Amazonilo Queiroz da Silva, 57 anos, acredita que a possível elevação de juros não vai prejudicar a troca de carro, pois costuma se organizar financeiramente e planejar as compras com folga no orçamento para não ser surpreendido. Ontem, Silva pagou a entrada e financiará o restante em 60 prestações. ;Sou uma exceção entre os brasileiros. Mas em geral, o consumidor será prejudicado e creio que as vendas de carro devem diminuir;, destacou.

Quem também perdeu a confiança para comprar um televisor parcelado foi o agente penitenciário Washington dos Santos Queiroz, 32 anos. Queiroz pretendia parcelar a tevê em até 12 prestações, mas os juros elevados serão um obstáculo.

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