Sinais emitidos ontem à presidente eleita, Dilma Rousseff, logo depois do primeiro dia de reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, indicam que a taxa básica de juros (Selic), que está em 10,75% ao ano, poderá subir hoje. A justificativa é de que a inflação está saindo do controle e prejudicando, sobretudo, a população de mais baixa renda, justamente a que levou Dilma ao Palácio do Planalto. Na avaliação feita pelos diretores do BC, é melhor começar logo o aperto monetário do que deixar para o ano que vem, como aposta grande parte do mercado, e o Copom ser obrigado a dar um arrocho maior na economia.
Caso a alta de juros se confirme nesta quarta-feira, Dilma não poderá reclamar. O Índice de Preço ao Consumidor ; Classe 1 (IPC-1), que mede o custo de vida das famílias com renda mensal de até 2,5 salários mínimos (R$ 1.275), subiu 1,33% em novembro, puxado, principalmente, pelos preços dos alimentos e pelas tarifas de transporte. O indicador ficou 0,53 ponto percentual acima do computado no mês anterior. No acumulado do ano, a alta chegou a 6,41% e, em 12 meses, a 6,58%, bem acima dos 4,5% perseguidos como meta pelo BC. Ou seja, se o IPC-1 fosse considerado o índice oficial de inflação, a autoridade monetária teria falhado na missão de garantir a estabilidade de preços
Erro de avaliação
Pelas contas da Fundação Getulio Vargas (FGV), os alimentos foram os vilões do mês passado, responsáveis por quase todo o aumento do custo de vida no período. Com a quebra de safras importantes, produtos populares na mesa do consumidor, como o feijão e o açúcar, corroeram o orçamento das famílias. Além desses itens, a carne bovina moída subiu 9,63%. O acém ficou 9,75% mais caro, enquanto a batata inglesa aumentou 14,24%. O preço do limão registrou alta de 15,39% e a tarifa do ônibus urbano encareceu 0,62%. ;A sensação é de que a inflação se disseminou por toda a economia;, disse André Braz, economista da FGV, ao reconhecer o efeito negativo do aumento de preços. Ele lembrou que os alimentos consomem quase a metade da renda das famílias mais pobres.
Se realmente decidir pela elevação da Selic hoje, o Banco Central assumirá publicamente que errou nas suas últimas avaliações, quando manteve os juros estáveis assegurando a existência de um quadro benigno para a inflação. Desde setembro, no entanto, os índices vêm apontando para cima e, pior, superando todas as estimativas dos analistas. Antes de o Copom dar o seu veredicto sobre a taxa básica, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgará o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado como referência para o sistema de metas. Há quem aposte em alta de até 0,92%, um desastre para o governo.
Futuro presidente do BC, o atual diretor de Normas, Alexandre Tombini, tentou se esquivar do tema durante a sabatina da qual participou ontem no Senado. Ele queria evitar especulações e ruídos no mercado, mas deixou claro que o Banco Central tem poder para tomar decisões no tempo e da forma como julgar necessário. Garantiu também que as medidas prudenciais para conter o crédito e o consumo, divulgadas na última sexta-feira e que devem enxugar pelo menos R$ 61 bilhões da economia, não podem substituir a Selic. ;As medidas não são substitutas da política monetária, mas têm impacto e devem ser levadas em conta;, afirmou.
Tombini defende autonomia
Victor Martins
Em sabatina, ontem, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, o futuro presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, deixou evidente a sua contrariedade à ideia do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de criar um índice de preços que exclua os alimentos e os combustíveis. Durante a sessão, que durou mais de três horas, o servidor de carreira do BC prometeu trabalhar de forma incansável e intransigente pelo cumprimento das metas de inflação.
Ao responder a um dos senadores que o questionou acerca da ideia do ministro Mantega, Tombini mostrou-se contrário e argumentou que, de todos os bancos centrais do mundo, somente um usa o método da exclusão de alimentos e combustíveis do cálculo da inflação. ;Nosso modelo é excelente porque é simples, de fácil aferição e transparente. Qualquer cidadão consegue saber quanto o custo de vida variou no fim do mês. Hoje, só a Tailândia usa núcleo (com exclusão) para calcular a inflação;, disse.
Boa impressão
Tombini, que foi confirmado pelos senadores para a presidência do BC por 22 votos a um, reafirmou a posição de que, sob o seu comando, a política monetária permanecerá autônoma. Para Elson Teles, economista-chefe da corretora Máxima Asset Management, o discurso de Tombini deixou uma boa impressão para o mercado. ;Uma das coisas que ouvi ele falar foi a questão da taxa de juros, que estaria em uma tendência estrutural de queda, mesmo que, no curto prazo, como agora, tenha que aumentar. Isso é óbvio, mas é sempre bom reafirmar;, ponderou Teles. Ainda segundo o economista, o próximo governo terá dois desafios: reduzir juros e inflação a patamares mais civilizados.
Para não deixar dúvidas, Tombini disse que são necessários mais esforços para que a meta de inflação perseguida pela autoridade monetária, hoje de 4,5% ao ano, seja reduzida. ;Precisamos também construir as condições necessárias para no futuro convergir a nossa meta de inflação para o padrão observado nas principais economias emergentes;, declarou.
O futuro presidente da instituição enfatizou ainda que não abandonará a autonomia conquistada pelo órgão. ;O BC não deixará de tomar medidas tempestivas sempre que preciso;, garantiu. ;Para funcionar bem, é necessário autonomia;, concluiu.