postado em 11/12/2010 08:05
O recolhimento de R$ 61 bilhões em recursos disponíveis para empréstimos, anunciado pelo Banco Central, vai conter o Papai Noel este ano. O crédito mais caro obrigou o consumidor a pensar duas vezes antes de comprometer a renda com financiamentos das compras de Natal. Prestações de produtos como geladeiras, fogões e veículos estão pesadas para o bolso. Além disso, o valor a ser pago de entrada nas aquisições a prazo também ficou salgado, especialmente para os brasileiros enquadrados nas faixas de renda mais baixas. Para os especialistas, contudo, a medida elevou o grau de sustentabilidade do crescimento econômico, porque o tipo de consumo a ser afetado é aquele feito sem planejamento e cujo desfecho mais comum é a inadimplência.O casal de namorados Francisco Tiago da Silva, 22 anos, e Rafaela Almeida, 19, moradores do Recanto das Emas, teve de adiar o sonho da aquisição do primeiro carro ao ser surpreendido com o aumento dos juros na compra a prazo. Ontem, os dois foram à concessionária em busca de um modelo popular zero quilômetro que pudesse ser 100% financiado em 60 prestações. ;Vimos atrás das condições que vi na semana passada, mas agora querem, além da entrada, uma prestação de quase R$ 1 mil. É inviável para o meu orçamento. Assim não dá mais para comprar;, lamentou Francisco.
Mudança
O consultor financeiro Emerson Castello Branco Simenes compara o momento atual com a atitude de um pai austero quando pune o filho por usar mal o dinheiro. ;O recado do Banco Central foi bem claro e quer dizer o seguinte: se vocês não têm controle dos gastos, eu farei o controle por vocês;, traduziu. O professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Alexandre Ayres tem avaliação semelhante. Ele defende que, a partir de agora, as pessoas façam poupança para comprar. A vantagem é que isso as obriga a se organizarem, diminui o tempo de comprometimento da renda e reduz o risco de bolha causada pela inadimplência.
Os amigos Jailton Dias, 38 anos, e Carolina Abreu, 25, servidores públicos, estão à procura de um micro-ondas para presentear um colega que irá se casar. ;Não senti nenhuma diferença nas ofertas, já que o plano é pagar à vista, independentemente dos juros cobrados;, diz Jailton. Já a faxineira Elza Maria Martins, 36 anos, moradora de Sobradinho, está em dúvida quanto à opção de pagamento para a compra de um armário. ;Quero fugir dos juros, mas não tenho dinheiro para pagar à vista. Vou calcular quanto consigo dar de entrada, para financiar só uma parte;, relatou.
Os consultores não veem outra saída para o consumidor exceto juntar dinheiro para pagar à vista, ou pelo menos oferecer uma entrada de, no mínimo, 40% do valor do bem, para diminuir os juros sobre o financiamento. Ayres aposta que o enxugamento do crédito mudará o comportamento de consumo neste fim de ano. ;A tendência é de o brasileiro destinar parte do dinheiro que seria usado para comprar um carro ou uma geladeira em presentes mais baratos, como uma roupa para o filho;, previu.
Otimismo
O professor da FGV aposta que as pessoas usarão as sobras do 13; salário para formar a base da poupança necessária ao valor, agora mais alto, da entrada do bem desejado. Entre os lojistas, o clima também é de otimismo. Adriano Lúcio da Silva, gerente da Ricardo Eletro no Conjunto Nacional, garante que a alta no custo do crédito terá pouco impacto no faturamento. ;A maior parte dos nossos clientes compra à vista ou no cartão. Só 10% optam pelo carnê;, revelou.
Antônio Cordeiro, gerente da concessionária Slavieiro, avalia que o baque será sentido apenas no segmento de carros populares. ;É até saudável o enxugamento no crédito. A gente sabe que a melhor compra é sempre à vista ou, pelo menos, com uma entrada razoável. Isso ajuda o sistema a ser mais saudável e evita o superendividamento das pessoas.; A estimativa da Slavieiro para vendas de veículos com preço acima de R$ 50 mil permanece sem revisões, já que, segundo Cordeiro, o público que busca esses produtos evita financiamentos longos.