postado em 14/12/2010 08:00
Bilhões em recursos destinados a obras que estão parados na Caixa Econômica Federal em nome de municípios são alvo da cobiça da União. O dinheiro, referente a restos a pagar de 2007 e 2008, deveria custear projetos de infraestrutura, mas os empreendimentos não andam. Motivo: estão fora do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Como não são prioridade, muitos nem saíram do papel e outros estão com a execução atrasada. Tal condição tem animado o Tesouro Nacional a mirar a verba, estimada em R$ 2 bilhões.As apostas na Esplanada dos Ministérios são de que tudo pode parar no caixa federal para ajudar a compor o superavit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública). Procurado pelo Correio, o Tesouro não se pronunciou. Repatriar valor tão expressivo, no entanto, não é tarefa simples. Ainda que se disponha a abocanhá-lo, o governo seria obrigado a driblar a legislação, o que poderia ter reflexos negativos sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Além disso, há um decreto presidencial em vigor que estipula prazo limite para esses restos a pagar. A data fatal é 31 de dezembro deste ano. A expectativa é de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reedite o texto antes de passar a faixa à sucessora Dilma Rousseff. Enquanto isso, a burocracia encarregada de acompanhar as obras vive dias de expectativa. ;Há projetos em andamento que não foram pagos integralmente, mas há também obras paradas que tiveram 100% dos recursos liberados;, diz uma técnica que trabalha especificamente com o assunto.
Uma saída alternativa seria remanejar os recursos de obras que estão atrasadas, que têm dinheiro em caixa, para outras que estão adiantadas, mas que ainda não receberam a totalidade do dinheiro. Essa engenharia financeira não é novidade para o governo. Com frequência, obras do PAC são ;desidratadas; ou ;irrigadas; com verbas já repassadas pela União. Tirar de um lugar para alocar em outro, porém, demandaria um esforço coordenado por parte dos ministérios e dos gestores municipais, que teriam de analisar, quase caso a caso, as obras emperradas e as adiantadas.
Independentemente da solução, o caso preocupa a Confederação Nacional dos Municípios (CNM). A entidade tem orientado os prefeitos a monitorar o dinheiro e a não abrir mão dos recursos. O mesmo vale para outras verbas federais depositadas nas contas municipais. O presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, diz que o movimento é cíclico e ocorre sempre que há troca de governo. ;Estamos extremamente preocupados com os indícios que dão conta de que a União quer suspender isso e aquilo, que quer se apropriar de recursos municipais;, justifica.
Novela
Empurrar pagamentos de um ano para o outro é uma prática que se tornou comum no Brasil nos últimos anos. De 2009 para 2010, por exemplo, o governo federal deixou cerca de R$ 60 bilhões em aberto. Os restos a pagar de 2007 e de 2008 equivalem a, aproximadamente, R$ 30 bilhões. Neste ano, o Ministério do Planejamento fez uma série de contingenciamentos e de liberações orçamentárias que tiveram como termômetro a capacidade da União de honrar seus pagamentos, especialmente aqueles voltados ao investimento e ao PAC. Para 2011, as estimativas são de que a migração de recursos carimbados em anos anteriores seja recorde.
Aperto
Com direito a malabarismos fiscais de toda natureza, o governo fixou em 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB) a economia para o pagamento de juros da dívida pública. O mercado acredita que a meta é uma ficção e avalia que o próximo governo enfrentará dificuldades e desconfianças logo nos primeiros meses de 2011. A atual administração e os integrantes da futura equipe econômica, porém, rechaçam os ataques e afirmam que farão o superavit prometido.
ADEUS DE MEIRELLES
Victor Martins
O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, nem saiu do cargo e já está em busca de um novo emprego. Assim que deixar o posto vai trocar sua casa no Lago Norte, em Brasília, por uma residência que está reformando em São Paulo. Ele está sondando oportunidades no setor privado e as chances são grandes de que venha a comandar um fundo de investimentos em infraestrutura. Ontem, durante o lançamento das novas cédulas do real, aproveitou para se despedir e anunciar que não permanecerá no governo Dilma Rousseff.
;Estou encerrando minha carreira no setor público. Saio com a sensação de dever cumprido;, disse. O plano era fazer o anúncio antes da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), na semana passada. Mas, a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Meirelles aceitou ficar calado para evitar ruídos com o mercado.
Mesmo filiado ao PMDB, o partido abandonou Meirelles. Se fosse ocupar um ministério na gestão Rousseff, entraria na cota da presidente eleita, que não tinha afinidade com o mandatário do BC de Lula. Ontem, antes de anunciar sua saída do setor público, ele tomou o cuidado de comunicar a Dilma o teor do pronunciamento que faria.
Simbolismo
;Esse lançamento (das novas notas de real), pelo seu significado e simbolismo, é um momento oportuno para que eu possa considerar encerrada a minha missão na administração pública federal;, despediu-se. Seu substituto será Alexandre Tombini, servidor de carreira do BC e que assistiu a todo o anúncio num auditório do órgão. O futuro comandante da autoridade monetária já foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e logo terá seu nome levado ao plenário da Casa.
Meirelles afirmou que ficará quatro meses em quarentena. As férias obrigatórias, segundo ele, serão ideais para colocar em um livro suas experiências à frente do BC, além de procurar emprego. ;Tenho esse tempo para pensar no que fazer;, disse.
REAL NOVO NAS RUAS
Com sete meses de atraso, o Banco Central começou a colocar nas ruas as cédulas da segunda família do real. Desde ontem, parte dos caixas eletrônicos da rede bancária tinha à disposição dos clientes as notas, agora em tamanhos diferentes, de R$ 50 e R$ 100. A remessa enviada às instituições financeiras para iniciar o processo de renovação da moeda foi de 66 milhões de cédulas. Até 2014, todo o dinheiro brasileiro estará de cara nova.
A ideia inicial era lançar as notas em maio, mas dificuldades de adaptação por parte dos fornecedores de matéria-prima e a necessidade de modernizar o parque gráfico da Casa da Moeda tornaram demorada a confecção de unidades para os testes dos bancos. ;Dinheiro não tem recall, quando ele entra em circulação tem de estar perfeito;, justificou o diretor de Administração do BC, Anthero de Moraes Meirelles.
As cédulas têm mais itens gráficos e de segurança, mas vão forçar os cofres públicos. Enquanto o modelo atual custa R$ 0,18 por nota, a segunda família do real exige um desembolso 37% maior. Cada cédula sairá por R$ 0,25. ;Com essa mudança, damos um passo para melhorar o reconhecimento das notas pelos deficientes visuais;, afirmou o presidente do BC, Henrique Meirelles.
O brasileiro não precisa correr aos bancos para realizar a troca. Diferentemente de outras épocas, em que a moeda mudava para fugir da inflação, as cédulas antigas continuarão a valer enquanto estiverem em circulação. ;Essa foi a primeira vez que o país realizou uma mudança sem retirar zeros do dinheiro;, disse Moraes. No ano que vem, serão lançadas as notas de R$ 10 e de R$ 20. Em 2012, entram em circulação as de R$ 5 e de R$ 2. (VM)