postado em 20/12/2010 08:00
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conquistou a atenção especial da Alemanha quando definiu os programas sociais a espinha dorsal de seu governo. País que, nas últimas décadas, sempre teve a preocupação com o desenvolvimento social no cerne de suas discussões políticas, a Alemanha acompanhou as mudanças alcançadas nos últimos oito anos no Brasil, que até então era visto mais como uma boa fonte de investimentos e um ótimo destino das exportações alemãs. ;Nós acreditamos que sempre devemos ter em mente a dimensão social. Sentimos que Brasil e Alemanha têm valores comuns, o que faz de nossa relação uma real parceria e não apenas relações comerciais;, observou o embaixador alemão no Brasil, Wilfried Grolig, já no início da conversa que teve com o Correio. Para ele, as escolhas feitas pelo Brasil e o sucesso obtido com os programas sociais, que ;melhoraram a qualidade de vida das camadas mais pobres;, estão intimamente ligados ao crescimento econômico do país. ;O sucesso econômico do Brasil reflete que essa foi uma política acertada, porque vimos, na crise econômica de 2008 e 2009, que o Brasil quase não foi afetado em comparação com o que vimos na Europa, na Alemanha;, afirmou Grolig, na penúltima entrevista da série com os embaixadores de países parceiros do Brasil sobre o futuro das relações.
Com isso, a Alemanha voltou os olhos para o Brasil, país com que assinou a primeira parceria estratégica na América do Sul. Segundo Grolig, isso demonstra que seu governo está disposto a sentar ;lado a lado; com o Brasil para olharem juntos os desafios do futuro e encontrarem soluções. ;O nosso grande desafio é fazer com que a parceria estratégica não seja apenas mais um documento;, disse, colocando essa como uma das prioridades da relação bilateral no governo Dilma.
Ele adiantou ao Correio que já há previsão de ;várias visitas; de ministros alemães ao Brasil, e que seu governo só está esperando a posse da presidente eleita, Dilma Rousseff, para começar a agendá-las. Para ele, a troca de visitas que ocorreu no governo Lula entre os líderes dos dois países indica ;que há uma dimensão política nas relações com o Brasil que vão além da média;. Outra previsão é de que seja confirmado em breve o Ano da Alemanha no Brasil, entre os meses de julho de 2013 e 2014, sugerido pelo ministro das Relações Exteriores alemão, Guido Westerwelle, durante um encontro recente com o presidente Lula. As conversas estão, segundo Grolig, avançadas com o Itamaraty.
Na sua avaliação, é possível falar em avanços nas relações entre Brasil e Alemanha nos últimos oito anos?
Alemanha e Brasil sempre tiveram ótimas relações, mas acredito que esse é o melhor momento possível para um embaixador estar aqui no Brasil, quando o desenvolvimento é tão vibrante. Quando olhamos o que o Brasil e o presidente Lula alcançaram nos últimos anos, reparamos em especial o esforço feito para garantir que toda a sociedade tivesse uma vida melhor. São notáveis programas como Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida, e Luz para Todos. E o sucesso econômico do Brasil reflete que essa foi uma política acertada, porque vimos, na crise econômica de 2008 e 2009, que o Brasil quase não foi afetado em comparação com o que vimos na Europa, na Alemanha. O Brasil é um exemplo brilhante de como a qualidade de vida dos mais pobres pode ser melhorada. E nós, alemães, acreditamos que sempre devemos ter em mente a dimensão social em tudo. Sentimos que Brasil e Alemanha têm valores comuns, o que faz de nossa relação uma real parceria e não apenas relações comerciais.
Mas o campo comercial e econômico ainda continua sendo o motor das relações entre os dois países?
Temos uma relação de longa data no campo econômico, mas também no campo político, da ciência, da cultura, entre outros. Em todo o Brasil, há 1.200 empresas alemãs, e 10% do PIB da grande São Paulo é resultado das atuações da empresas alemãs naquela área. No fim de maio, tivemos, na Alemanha, um fórum econômico Brasil-Alemanha, que reuniu cerca de 800 pessoas, entre empresários e políticos, para discutir como essa relação, que já é excelente, pode ser melhorada. A Alemanha investiu muito no Brasil nas últimas décadas, e ao olhar empresas como a Siemens, a Bosch, a Volkswagen, é como olhar para empresas brasileiras, porque elas estão aqui há muito tempo, são dirigidas por brasileiros aqui. A Volkswagen criou modelos especificamente para o mercado brasileiro, outras empresas proporcionam a troca de experiências entre engenheiros alemães e brasileiros, trocando tecnologias. Isso mostra que há uma parceria, uma cooperação que vai além do comércio.
O senhor considera que houve uma aproximação política também entre os líderes dos dois países?
Tivemos uma intensa troca de visitas oficiais que indicam que há uma dimensão política nas relações com o Brasil que vão além da média. Em três anos, tivemos três visitas oficiais: o nosso presidente (Horst) K;hler veio ao Brasil em 2007, no ano seguinte, a chanceler (Angela) Merkel esteve aqui para uma visita muito produtiva, e, em 2009, o presidente Lula fez uma visita oficial à Alemanha. A aproximação também ficou evidente com a parceria estratégica fechada entre o presidente Lula e a chanceler Merkel. Depois, ministros de diferentes áreas de ambos os países trocaram visitas, e, neste ano, os ministros da Ciência e Tecnologia dos dois países inauguraram o Ano Brasil-Alemanha da Ciência, Tecnologia e Inovação. Quando o nosso ministro das Relações Exteriores (Guido Westerwelle) esteve no Brasil, sugeriu ao presidente Lula que fizéssemos o Ano da Alemanha no Brasil, entre os meses de julho de 2013 e 2014. A ideia é mostrar ao público do Brasil o que é a Alemanha hoje, não só na questão cultural, mas o que acontece na sociedade, na economia, nas universidades. O presidente Lula achou ótimo, e já estamos em contato com o Itamaraty.
Será possível melhorar essa relação no governo Dilma? É essa a expectativa do seu governo?
Com a eleição de Dilma Rousseff, haverá uma nova equipe tocando o trabalho deixado pelo presidente Lula, e, do nosso lado, a expectativa é que haja muitas visitas de ministros ao Brasil. Só estamos esperando que esse novo governo assuma para começar a conversar sobre isso. A nossa chanceler, assim que a presidente Dilma foi eleita, telefonou para parabenizá-la e convidá-la a ir à Alemanha para continuar e intensificar o diálogo. O nosso grande desafio é fazer com que a parceria estratégica não seja apenas mais um documento. O Brasil é o único país da América do Sul com quem temos esse tipo de acordo, e, quando falamos em parceria estratégica no século 21, falamos em sentar lado a lado para olhar juntos para o futuro e tentar encontrar as melhores soluções para os desafios que estão por vir, como, por exemplo, na questão de meio ambiente e mudanças climáticas.
É uma surpresa que hoje dois países com graus de desenvolvimento tão distantes sentem-se ;lado a lado; para olhar juntos para o futuro?
Não há desafios globais que possam ser resolvidos por um só país, como a questão das mudanças climáticas. A cooperação tem que existir. Em desafios como o terrorismo, o narcotráfico ou o tráfico de pessoas, se países grandes e pequenos não cooperarem, não é possível resolver o problema. Felizmente, hoje temos um melhor entendimento de que não há país com recursos suficientes para fazer tudo sozinho. Se é possível ver um lado positivo da crise econômica, foi ver quão rápido todos concordaram que algumas medidas precisavam ser tomadas para evitar um colapso da estrutura econômica e financeira mundial. Esse entendimento comum da nossa interdependência foi muito positivo. Tivemos agora o G-20 em Seul, onde estava representado 85% do PIB do mundo. Isso é uma grande mudança, que vemos com muita simpatia. A Alemanha aceitou uma redistribuição dos direitos de voto no FMI porque precisamos agora de mais parceiros à mesa, e nós queremos que países como o Brasil, a Indonésia e a Turquia se juntem a nós para procurar soluções para o futuro econômico.
Brasil e Alemanha são aspirantes a uma vaga permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, assim como Japão e Índia. Na visão alemã, esses países competem por esse tipo de assento?
Eu não vejo uma situação de competição, mas de similaridade. Não é uma questão de entrar só um ou outro. Nós estamos num mundo multipolar, e, nele, todos têm que desempenhar um papel construtivo. Alemanha e Brasil defendem a mesma posição, de que um órgão como o Conselho de Segurança não pode refletir um mundo de 50, 60 anos atrás. Por isso criamos o G4, com Japão e Índia, para fazer avançar essa discussão. Acreditamos que, se não houver uma reforma nas Nações Unidas, ela perderá sua importância, e não é isso que queremos. Como a Alemanha, membro do P5 1 (com os membros permanentes do Conselho de Segurança), viu a postura do Brasil em relação ao programa nuclear do Irã? O meu entendimento é que o Brasil e a Turquia tiveram os mesmos objetivos, mas de uma maneira diferente. Temos que respeitar a boa-fé e os esforços que foram feitos, mas é preciso reconhecer que os resultados não foram os esperados. Mas não há um impacto negativo nas relações bilaterais, e nem acredito que na relação com os demais países. É possível ter uma opinião diferente. O que precisamos é ver o que fazer daqui para frente em relação a esse tema.
O governo alemão está de olho nas oportunidades que a Copa do Mundo e as Olimpíadas do Rio trarão ao Brasil?
A experiência que esse tipo de evento traz para os países vai muito além das dimensões esportivas, como vimos na África do Sul. Isso vai dar um empurrão no desenvolvimento econômico do país e trazer muitas oportunidades. Para nós, especialmente na questão logística, de infraestrutura, temos muito a oferecer. Temos muita expertise, por exemplo, no sistema de transportes. O fato de a Alemanha estar no centro da Europa faz com que sejamos um cruzamento de ferrovias, aeroportos. Hoje, recebemos 50 milhões de passageiros por ano no aeroporto de Frankfurt, mas ele está sendo expandido e terá a capacidade de receber 80 milhões de passageiros por ano.
Os impactos da grave crise econômica que ainda assolam a Europa podem chegar às relações entre Alemanha e Brasil?
A Europa mostrou, nos problemas mais graves que tivemos no continente por conta da crise econômica, que estamos prontos para agir, e eu, pessoalmente, estou otimista. É interessante ver que o euro manteve uma posição relativamente estável. É claro que a situação é séria, mas não é nada que questione o que conseguimos até agora. De uma perspectiva brasileira, eu acho que a Europa, e especialmente a Alemanha, é um parceiro de alto potencial em termos de tecnologia, e que é extremamente bom na área acadêmica e científica. A Europa é um parceiro cuja opinião é um consenso de 27 países, é um parceiro de baixos riscos e muitas oportunidades.