Vânia Cristino/ Especial Estado de Minas
postado em 23/12/2010 08:00
A menos de 15 dias do início do novo governo, o Banco Central traçou para a presidente eleita, Dilma Rousseff, um diagnóstico completo da situação econômica que será administrada por ela a partir de 2011. No check-up descrito no Relatório Trimestral de Inflação, divulgado ontem, a instituição informou que a inflação não dará trégua tão cedo, a taxa básica de juros (Selic) subirá já a partir de janeiro e a taxa de crescimento será bem menor do que a verificada neste ano ; cairá de 7,3% contra 4,5%.Para traçar esse quadro nada animador, o BC mudou radicalmente o discurso em relação ao relatório de setembro. Naquele mês, a visão da autoridade monetária era de inflação sob controle, apesar de alguns produtos, como a carne, empurrarem os índices de preços para além do centro da meta, de 4,5%. Nesse contexto, não havia porque elevar os juros. Agora, no entanto, o BC reconheceu um movimento disseminado de reajustes, o que os economistas chamam de efeitos secundários. Perceberam-se altas mais persistentes das commodities (mercadorias com cotação internacional), especialmente as agrícolas. Por isso, a forte deterioração das expectativas dos mercados, que passaram a apostar em inflação entre 5,7% e 6% neste ano e de mais de 5% em 2011.
Sendo assim, não restará outra opção ao Banco Central senão a de elevar a Selic a partir de janeiro. O aperto monetário, por sinal, começou neste mês com as medidas de contenção de crédito. Somente a retirada de R$ 61 bilhões do sistema financeiro por meio do aumento dos depósitos que os bancos têm que fazer compulsoriamente nos cofres do BC funcionou como uma alta de 0,5 ponto percentual da Selic, que está em 10,75% ao ano. Mas será preciso fazer mais para trazer as expectativas dos agentes econômicos para a meta.
Essa foi a razão de a instituição ter sido tão enfática sobre a iminente elevação dos juros. ;Desvios em relação à meta, na magnitude dos implícitos nessas projeções (do mercado e do próprio banco, que estima 5,9% neste ano e 5% em 2011), sugerem a necessidade de implementação, a curto prazo, de ajuste na taxa de juros, de forma a conter o descompasso entre o ritmo de expansão da demanda e a capacidade produtiva da economia, bem como de reforçar a ancoragem das expectativas de inflação;, destacou o banco no relatório. Os analistas acreditam que, mesmo com a alta da Selic, a inflação só convergirá para a meta na metade de 2012. A despeito de não deixar claro, o BC vê a convergência para o fim de 2011, sem a necessidade de uma ;paulada; na taxa.
Riscos maiores
O diretor de política econômica do BC, Carlos Hamilton Araújo, fez questão de reforçar a necessidade de aumento dos juros ao dizer que o conjunto de informações coletadas pela instituição para montar as suas previsões e definir a estratégia de política monetária (chamado de balanço de riscos) piorou muito entre setembro e dezembro. ;Essa piora se manifesta não só nos modelos do banco, mas nas projeções dos analistas. Houve uma aceleração gigantesca nas expectativas a partir de setembro;, completou.
As pressões inflacionárias, segundo o BC, são resultado do incremento da renda e dos salários e das condições de crédito favoráveis, que mantêm a população consumindo ativamente. A luz amarela, para a autoridade monetária, foi acesa após a diminuição da capacidade das empresas de continuar produzindo em um ritmo suficiente para atender a voracidade da demanda e depois da alta dos preços das commodities.
O recado do BC foi imediatamente absorvido pelos analistas. A aposta é de aumento de pelo menos 0,5 ponto nos juros no mês que vem, com a Selic passando para 11,25% ao ano. ;A minha avaliação é de que o BC elevará a taxa básica em entre 1,5 e dois pontos;, disse o economista-chefe da Prosper Corretora, Eduardo Velho. Segundo a economista Tatiana Pinheiro, do Banco Santander, a Selic poderá chegar a 13% até julho.
Reflexos nos carros
Comprar carro com financiamento superior a 24 meses ficará mais difícil no ano que vem. E esse será apenas um dos reflexos das medidas de contenção do crédito adotadas neste fim de ano pelo Banco Central na tentativa de encolher um pouco a demanda e controlar a inflação, que, neste ano, ficará em 5,9%, nas contas da instituição. Ontem, durante a divulgação do Relatório de Inflação, o BC informou as novas projeções para empréstimos e financiamentos em 2011, bem menos robustas que as verificadas neste ano.
Nos cálculos do Banco Central, o ritmo de crescimento do crédito às pessoas físicas cairá dos atuais 16% para 10% no ano que vem. Nos financiamentos às empresas, o recuo será um pouco menor, de 16% para 14%. No total, o crédito crescerá 15% em 2011 contra 20% este ano. A desaceleração se dará tanto na oferta de recursos livres ; que podem ser emprestados pelos bancos em qualquer segmento ; quanto nos recursos direcionados, que têm destinação específica, como, por exemplo, o crédito rural e o crédito habitacional.
Segundo o diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton Araújo, a moderação seguirá o avanço menor da economia em 2011, quando o Produto Interno Bruto (PIB) deverá crescer 4,5% contra 7,3% deste ano. ;O mercado de crédito permanecerá dinâmico, mas com menor ritmo de expansão;, admitiu.
Limites
Para essa moderação, devem contribuir as medidas prudenciais anunciadas recentemente pelo BC, como o aumento dos depósitos compulsórios para os bancos e a exigência de mais capital para os empréstimos de longo prazo. As duas medidas tiram dinheiro de circulação e afetarão, especificamente, o mercado de automóveis, que foi um dos setores que mais sofreu com a crise, precisou de ajuda do governo para sair do atoleiro e agora está em pleno vapor ; hoje, é possível pagar o carro zero em até 90 vezes.
;A trajetória de crescimento acelerado dos empréstimos do setor automotivo deve ser contida pelas medidas adotadas, especialmente na contratação de operações com prazos superiores a 24 meses;, disse Araújo. Pelos dados do BC, a participação dos financiamentos de veículos registrou alta de 0,5 ponto percentual sobre o crédito total entre setembro de 2005 e setembro deste ano. Na comparação com o PIB, essas operações saltaram, no mesmo período, de 4,3% para 7,7%. (VC e GC)