Economia

Com aumento da renda, brasileiros passam a priorizar o bem-estar

Rosana Hessel
postado em 28/12/2010 08:00
A estabilidade econômica conquistada nos últimos 16 anos trouxe um ganho substancial aos brasileiros: o aumento da renda. Como consequência, um exército de novos consumidores entrou no mercado sedento por produtos e serviços que antes eram exclusividade da classe média. Primeiro, foram o frango e o iogurte. Depois, a geladeira, o forno de microondas, a máquina de lavar roupas, a televisão de plasma e o automóvel. Tudo arrematado com a ajuda do crédito farto, dos prazos mais longos e dos juros em baixa. Daqui para frente, as prioridades são outras. O prazer de viver virá acompanhado de mais viagens, muita leitura, idas frequentes ao cinema e ao teatro.

Diante das novas perspectivas de consumo, os desafios que se impõem à presidente eleita, Dilma Rousseff, são gigantescos. ;Além de ampliar o poder de compra, o controle dos preços contribuiu para as mudanças no perfil de consumo dos brasileiros. O turismo está em alta porque a classe média já está com a tradicional cesta básica completa;, diz Arlete Correa, gerente de análises da Nielsen Brasil, Arlete Correa. O professor de Administração das Faculdades Integradas Rio Branco, Roberto Mauro dos Santos, concorda. ;Ao ter dinheiro disponível, as pessoas querem novas experiências e viajar é um dos primeiros itens da lista de desejos;, resume.

O setor de turismo deve crescer 20% em 2010 e manter o fôlego pelos próximos anos, conforme estimativas do diretor de Assuntos Internacionais da Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav), Leonel Rossi Júnior. A taxa média de evolução do tráfego aéreo brasileiro gira entre 20% e 27%, e o aproveitamento dos voos tem ficado acima dos 70% ; em alguns trechos, supera os 80%. Entre 2005 e 2007, o crescimento das viagens domésticas foi de 12,5%, conforme dados do Ministério do Turismo.

A servidora Rejane Soares Canuto, 37 anos, é uma turista convicta. Só neste ano, saiu nove vezes de Brasília. ;Amo conhecer novos lugares. E o bom é que, hoje em dia, fica mais barato andar de avião do que de ônibus;, diz. Na sua programação estão Cuiabá, Chile e Salvador.

Copa e Olimpíadas
Para Roberto dos Santos, especialista em gestão de turismo e serviços, Rejane e milhões de brasileiros tendem a abarrotar cada vez mais os aeroportos do país, fenômeno que se acentuará por causa da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016. ;As perspectivas para o segmento são excelentes. Isoladamente, há um crescimento forte no volume de turistas domésticos por conta do aumento da renda, mas esses dois eventos impulsionarão ainda mais o setor;, reforça.

Neste ano, mais de 10 milhões de pessoas entraram em um avião pela primeira vez. Por causa do avanço das classes C e D, o país baterá novo recorde no tráfego de passageiros. Em algumas companhias aéreas, os passageiros novatos respondem por 30% do total. O setor de turismo movimenta cerca de R$ 40 bilhões e responde por cerca de 3% do Produto Interno Bruto (PIB). Os impactos indiretos dessa engrenagem chegam a R$ 168,8 bilhões, somando serviços de alimentação, transporte rodoviário, atividades recreativas e culturais. Levantamento da Consultoria Euromonitor aponta que as famílias vão gastar R$ 5,7 bilhões com viagens em 2010 e R$ 12,7 bilhões em 2020.

Volume bem maior, de R$ 31,7 bilhões, será gasto com atividades de lazer e em cultura ; quase três vezes mais do que os R$ 13,9 bilhões previstos para 2010 ;, o que prova que nem só de arrumar malas se ocuparão os brasileiros nos próximos anos. Um dos segmentos com maior crescimento, e que tem ampliado bastante o acesso das classes C e D ao lazer, é o cinema. Dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine) mostram que o mercado cinematográfico nacional ultrapassou a barreira de R$ 1 bilhão, dinheiro que sai do bolso de gente que busca bem mais do que simples entretenimento, como é o caso da servidora pública Larissa Maria de Sousa Soares, 27 anos. Ela desembolsa, em média, R$ 200 por mês em atrações culturais. ;Vou muito ao cinema e ao teatro.;

Outro filão é o de livros. ;O brasileiro está lendo mais e se interessando por cultura em geral;, diz o presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL), Vítor Tavares. O segmento tem crescido, em média, 10% ao ano e deverá encerrar 2010 com faturamento em torno de R$ 2,2 bilhões. O servidor público Silvio Burle de Menezes, 43 anos, frequenta livrarias nos fins de semana e costuma ler, em média, um livro por mês. Entre as preferências estão os romances, a literatura brasileira e os policiais. ;Gasto até R$ 150 por mês. A leitura está dentro das minhas prioridades e faz parte do meu orçamento;, destaca.

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Pelo ar e pelos mares

Em meio a perspectivas otimistas e previsões de recordes, a expansão da indústria do turismo vive assombrada por gargalos. No caso dos aeroportos, neste ano, a demanda superou todas as apostas tanto das companhia aéreas quanto das autoridades aeroportuárias, evidenciando carências de infraestrutura. Faltam desde itens críticos, como sistemas de navegação noturna, até terminais adequados. Além disso, há falta de mão de obra especializada nas empresas aéreas, o que implica até mesmo em problemas nas escalas dos funcionários.

Roberto Mauro dos Santos, professor das Faculdades Integradas Rio Branco, adverte que o crescimento do país não pode ficar refém da falta de soluções que não saem do papel. ;Do jeito que está, o turismo não conseguirá se desenvolver adequadamente e o Brasil frustrará os visitantes. Se hoje o mercado não dá conta do aumento da demanda decorrente da ascensão das classes C e D, imagine durante a Copa do Mundo e as Olimpíadas;, diz.

Apesar das dificuldades, o turista parece não se intimidar. Movidas a ofertas e a parcelamentos a perder de vista, cada vez mais pessoas compram pacotes de viagens. Pela internet, por exemplo, as vendas crescem quase cinco vezes mais do que nas agências tradicionais. A Decolar, líder no segmento web, faturou US$ 200 milhões no ano passado no Brasil. ;A tendência da indústria está boa e constantemente está batendo recordes;, diz o presidente da Decolar, Alípio Camanzano.

Se pelo ar o mercado vai bem, no mar os ventos também sopram a favor. Que o digam as empresas de cruzeiros marítimos. ;A procura é impressionante. Esse filão cresce mais de 20% ao ano;, afirma Camanzano. O país recebeu 15 navios no último verão e nesta temporada serão 20. ;É bem legal, principalmente pelo lazer. Eles geralmente oferecem uma agenda bem agitada;, diz a estudante Fabiana Resende Soares, 20 anos, que já fez três cruzeiros. Para o pai de Fabiana, Honorato da Silva Soares Neto, 50, além do conforto, essa pode ser uma boa alternativa para quem quer economizar. ;As pessoas imaginam que é caro, mas não é.;

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